Os desafios do agro que marcaram 2023

Os desafios do agro que marcaram 2023

Após três ciclos cultivados sob a estiagem do fenômeno La Niña, produtor gaúcho planta a safra 2023/2024 com o excesso de chuva trazido pelo El Niño em um ano de inquietações jurídicas, fiscais e políticas

Agricultor utiliza dados essenciais da internet

Por
Itamar Pelizzaro

Farsul diz que marco temporal é constrangimento ao agronegócio

Gedeão Pereira, Presidente da Farsul

Gedeão Pereira, Presidente da Farsul | Foto: CNA/Divulgação/CP

“Não costumo trabalhar com a ideia de terra arrasada. O primeiro governo Lula foi bom para o agro. Andou bem, não tivemos praticamente grandes e graves problemas. Mas o governo atual não está nem perto do que foi o primeiro, porque a quantidade de embates e enfrentamentos que ele tem gerado não traz segurança nem paz para um setor que, ele sabe, é fundamental para a economia nacional. A balança comercial brasileira vai bater mais um recorde este ano, entre 160 e 170 bilhões de dólares. O agro importa muito pouco e é o maior superávit. Então, o agro não deveria estar passando por essas situações constrangedoras, patrocinadas por esse governo que está aí e que vem colocando sistematicamente essa história do marco temporal. Será que o governo Lula teria que ter vetado ou procurado outro caminho? É um enfrentamento, de qualquer maneira. E temos esse fortalecimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O que o MST fez até hoje para a economia do país senão se encostar no Tesouro Nacional e puxar dinheiro para o bolso deles? Eles levaram, em governos passados, começando lá no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), 70 milhões de hectares no Brasil. Não é pouca terra e, no entanto, até hoje não demonstraram a que vieram, a não ser um grupo de gente que destrói e invade. Já fizeram no passado e só não estão fazendo agora com mais intensidade porque os governadores dos estados agrícolas do Brasil se posicionaram diretamente, inclusive o Eduardo Leite, contra qualquer tipo de situação.


Aqui no Rio Grande do Sul, está lá um acampamento do MST em Hulha Negra com em torno de mil pessoas acampadas. Quem está sustentando isso? Todos nós estamos pagando essa conta. E a título de que, se sabemos hoje que temos um agro altamente desenvolvido, eficiente e produtivo? Será que este é o caminho, do confronto direto? Confronto com questões ambientais, a (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva está certa? Mais reservas em um país que usa 22% do seu território para ser a terceira maior agricultura do mundo hoje? Os Estados Unidos ocupam 72% do território para ser a segunda maior agricultura, por que a maior é chinesa. Será que temos que contribuir mais ou ter ainda mais eficiência naquilo que estamos fazendo?


Estamos tendo confronto ideológico. Outro dia fiz uma pergunta muito simples para o presidente da Federação da Agricultura do Acre: por que Rondônia se desenvolveu e o Acre parou? Os números são diferentes. Rondônia põe carne aqui no Rio Grande do Sul. A resposta dele: ‘é que lá em Rondônia não teve uma Marina Silva’.


Na questão do petróleo, uma questão complexa, a Marina está dizendo que não quer a exploração da Margem Equatorial (região se estende por mais de 2,2 mil quilômetros ao longo da costa litorânea entre os estados do Amapá e do Rio Grande do Norte, sendo a mais nova fronteira exploratória brasileira em águas profundas e ultraprofundas, conforme a Petrobras). No entanto, a Guiana hoje está com um dos maiores PIBs do mundo e por isso o Maduro (Nicolás Maduro, presidente da Venezuela) quer invadir a Guiana, por causa do petróleo. Nós ainda estamos em uma matriz energética de transição, e o mundo acabou de dizer isso na COP 28, em Dubai. O petróleo vai continuar por algum tempo, enquanto não houver outras tecnologias. O que acontece com a Europa, que nos incomodou muito, tanto que o acordo com o Mercosul não saiu porque a ‘side letter’ falava em desmatamento zero, indo contra a soberania nacional, porque nosso Código Florestal não diz isso.


No entanto, ficamos cabresteados pelas ONGs, que mandam mais no país do que o próprio governo brasileiro. O que aconteceu com a Europa que nos exigia isso? Quando foi fechado o gasoduto da Rússia à Europa por causa da guerra da Ucrânia, a Alemanha saiu a abrir minas de carvão. Quer dizer, eu não posso, mas eles podem. Mas eles estão no papel deles. O que nos preocupa é que eles nos impõem as regras que, através de ONGS, auxiliadas pelo Ministério do Meio Ambiente, atrasam o país.


Ninguém deles nos diz o que fazer com a Amazônia. São 30 milhões de brasileiros vivendo lá, na pobreza. Está certo isso? Também acho que a Amazônia tem de ser preservada, mas tenho de dar uma solução para 30 milhões de brasileiros que vivem lá na pobreza. Temos que avaliar muito bem as questões ambientais e respeitar a natureza. Existe muita hipocrisia. A agricultura brasileira respeita APP (Área de Preservação permanente) e Reserva Legal, tudo funcionando. E o Brasil continua produzindo cada vez mais, resolvendo a questão alimentar mundial, mas esse pessoal não entende dessa maneira.


É uma questão ideológica desse ambientalismo xiita que aumenta a pobreza das pessoas. O Antônio da Luz (economista-chefe da Farsul) tem cálculos demonstrando que quando a agricultura chega a um município gaúcho o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) sobe. E isso vale pro Brasil inteiro. Hoje já se fala que o PIB per capita do Mato Grosso já ultrapassou o de São Paulo, graças ao desenvolvimento da agricultura.


E os ambientalistas são contra. Estão contra aqui o desenvolvimento do nosso bioma Pampa. O que fizeram aqui na Assembleia Legislativa, não querem regras para não deixar o Pampa se desenvolver. Quantas pessoas vivem no Pampa? São 17 milhões de hectares. Então, há que se ver essas situações. Não tanto lá nem tanto cá, mas temos que descobrir uma maneira de conviver com essa situação toda.”

Novo governo e clima complicaram 2023, diz CNA

João Martins,Presidente da CNA

Presidente da CNA, João Martins, | Foto: CNA/Divulgação/CP

“Não foi um ano fácil para a agropecuária brasileira. Tivemos problemas climáticos, quedas acentuadas de preços, problemas de mercado externo. Fora isso, também tivemos mudança de governo. Desde que o novo governo se instalou, procuramos entender quais eram suas proposições. Na CNA não temos partido político. A defesa nossa é a da agropecuária e do produtor rural brasileiro. Precisávamos entender qual era realmente o rumo que o novo governo queria e até apoiar a nossa agropecuária. Em um primeiro momento, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) acenou que precisávamos ter diálogo. Prontamente, nos preparamos para esse diálogo, com uma agenda. Levamos a proposta de Plano Safra, depois de ouvir as demandas e as necessidades dos produtores de todas as regiões.


O ministro (Carlos Fávaro) de imediato acatou a proposta e, para nossa surpresa, o volume proposto pelo atual governo foi superior ao que nós tínhamos tido até o ano anterior. Mas achamos que algumas coisas não estavam boas, porque nossa proposição era aumentar o seguro safra. O governo acenou que faria o possível para aumentar, principalmente o subsídio do seguro rural. Tivemos encontros com diversos ministros.


Ainda não tivemos contato com a ministra do Meio Ambiente, mas estamos discutindo problemas ambientais com a equipe dela. Entendemos que o meio ambiente deve ser olhado não somente pelo produtor brasileiro e pelas organizações tipo CNA, mas por todo brasileiro, porque o ambiente está sendo colocado como xeque-mate para o Brasil poder conquistar novos mercados. Até agora não houve nenhum impedimento de discutir nenhum problema.
Entendemos que esse governo é difícil por uma razão muito simples. Alguns não entendem que o agro tem que ser uma coisa que corre à parte.

O agro não pode ter influência política, seja partidária ou não, ou muito pior do que isso, qualquer interferência de fora para dentro. Entendemos que é o governo que tem de ser a grande trincheira de defesa do agro brasileiro nesses ataques que temos sofrido de fora para dentro. A única política nossa é a defesa do produtor rural e do agro brasileiro.


O que o agro quer, já que tem importância para o país e o mundo, alimentando perto de 1 bilhão de pessoas, é discutir as coisas em um nível mais amplo, que extrapola problemas político-partidários. Nós queremos falar de uma política internacional. O ministro Fávaro está correto (sobre o governo divulgar que o Brasil conquistou 76 novos mercados para os produtos agropecuários brasileiros) em dizer que o mercado externo foi impulsionado com a abertura de novos mercados. Mas isso não é aberto da noite para o dia. Isso foi uma conversa que já vem de governos anteriores e até mesmo antes do governo Bolsonaro. O que a gente entende é que os governos são contínuos. O que um começou com uma política não quer dizer que o próximo venha e mude totalmente a política. O que acho o grande êxito do Fávaro é que ele entendeu que abertura de novos mercados era essencial para o desenvolvimento da agropecuária comercial brasileira. Louvo a atitude dele de continuar com essa política, que é super acertada e não vem do governo anterior, mas de alguns governos.


Esse ano foi muito difícil para o Brasil. Tivemos secas em diversas regiões, Sul e Centro Oeste e agora uma seca terrível no Nordeste. Terrível porque ninguém estava preparado para algo dessa magnitude. Acho importante observar que hoje o agro brasileiro está tão fortalecido, tão robustecido, que está enfrentando os maiores problemas e está fazendo com que o Brasil continue a ter não só superávit de produção para exportar para outros países.


Nós estamos realmente influenciando, melhorando nosso PIB, transformando o Brasil também como produtor de alimentos já com agregação de valor e, mais do que isso, a economia como um todo. Imagine se não fosse o agro brasileiro como estaria hoje a economia deste país. Não é vaidade, mas obrigação de todo produtor rural brasileiro fazer a cada dia com que esse agro seja maior e mais potente e ajude mais esse país. Tínhamos mais diálogo com o governo anterior, porque muitos dos ministros eram ligados à classe. Diálogo é uma coisa, outra coisa é ser amigo do ministro. Posso não ser amigo do ministro, mas estar profissionalmente discutindo com ele os grandes problemas que o país necessita que sejam resolvidos.

Agora estamos com um problema que é se vai ter ou não continuidade na discussão do acordo do Mercosul com a União Europeia. Achamos que hoje existe um problema da Europa, não do Brasil. Vamos ser justos, esse governo não criou nenhum problema para impedir que a gente possa ter um acordo. O que existe por parte de alguns governos europeus é que querem que sejamos submissos a tudo para poder asfixiar a possibilidade de a gente fazer acordo, porque eles acham que isso vai com certeza ofender a agricultura europeia.

Gastos federais e perda de incentivos no estado são alertas para o cooperativismo

Darci Hartmman, Presidente do Sistema Ocergs

Dirceu Hartmann, presidente da Ocergs | Foto: Patrícia Batista/Divulgação/CP Memória

“O ano de 2023 foi razoável no que diz respeito ao desempenho do governo federal. Tivemos a aprovação da reforma tributária, mas isso não é uma pauta exclusiva do governo, mas dos estados brasileiros e do Congresso Nacional. Evidentemente, o governo ajudou também. É uma reivindicação de 30 anos. Mesmo não sendo a reforma ideal, era um anseio desobstruir todo esse emaranhado tributário. A preocupação para o ano de 2024 em relação ao governo federal são os gastos. O governo quer investir mais do que o orçamento comporta, e o déficit zero tem que ser uma das metas que teríamos de buscar.
No nível do governo do Rio Grande do Sul, nossa preocupação é fundamentalmente sobre o aumento de tributos que agora virou a caça à redução dos incentivos fiscais. Isso nos preocupa muito porque temos muitas empresas que fizeram seus projetos de viabilidade econômica em cima desses incentivos. Era a regra estabelecida e clara, e agora nós temos que trabalhar para mitigar isso.


Nós, cooperativas, vamos nos organizar para buscar entendimento com o governo estadual, para que possamos reduzir a zero ou pelo menos ao mínimo possível esses decretos que o governo estabeleceu. Para o ano que vai se iniciar, a questão dos tributos gera preocupação, porque o Rio Grande do Sul pode perder a sua competitividade. Quando digo Estado, estou me referindo às empresas frente a outras de outros estados. Temos que fazer uma avaliação quanto ao impacto disso.


No setor cooperativista, temos uma expectativa muito boa e acreditamos em um grande ano para o cooperativismo em 2024. A safra tem se mostrado bastante promissora e acreditamos que vamos ter um ano bastante forte, porque se o agro cresce e produz todos os outros ramos da nossa economia também acompanham esse processo de crescimento. Temos crescimento vertiginoso nas áreas dedicadas ao crédito, à saúde e à infraestrutura. Também os ramos do transporte, da saúde e do trabalho têm crescido.”

Fecoagro indica insegurança jurídica e revela ansiedade dos produtores

Paulo Pires, Presidente da Fecoagro/RS

Paulo Pires, presidente da Fecoagro/RS | Foto: Nestor Tipa Junior

“No governo do Rio Grande do Sul, de uma forma geral, as questões vinham sendo bem tratadas. A questão da irrigação e da reservação de água estavam avançando, mas não sabemos por que pararam. Isso é importante e é uma dívida que ficou do Governo do Estado com o produtor gaúcho, principalmente aquele que foi mais castigado pelas condições climáticas nas safras dos últimos anos. A reservação de água não tem absolutamente nada a ver com dano ao meio ambiente, muito pelo contrário, mas não conseguimos avançar. Isso é uma coisa negativa.


Agora, neste fim de ano, não dá para entender porque o setor público não sabe conjugar a diminuição de despesas. Temos de entender, de uma vez por todas, que o Estado tem de caber dentro de seu orçamento, como todos fazem, em suas famílias e suas empresas. Não pode ser diferente com o setor público. Isso é uma coisa importante que veio à tona agora no fim do ano e, infelizmente, desgastou bastante, porque havia afirmações bem contraditórias do governador do Estado, Eduardo Leite, em relação a esse tema.


Quanto ao governo federal, preocupa-nos muito como produtor a questão da insegurança jurídica. Temos, infelizmente, episódios acontecendo no país, e também no Supremo Tribunal Federal (STF), que nos trazem insegurança e ansiedade. Precisamos de segurança jurídica, precisamos clareza de como trabalhar no meio ambiente sobre o que é legal e o que não é legal.

Infelizmente, o Rio Grande do Sul teve duas estiagens e não tivemos recursos para estiagem. Os bancos, de certa forma, aceitaram prorrogar as dívidas dos produtores e tivemos certo apoio, mesmo tímido, na comercialização de trigo. O grande ponto do governo federal é a insegurança jurídica. Isso tem que, de uma vez por todas, ser tratado com seriedade pelas instituições nacionais, principalmente pelo Poder Executivo e pelo Judiciário.”

Fetag pretende exigir ações concretas de pastas reativadas

Carlos Joel da Silva, Presidente da Fetag/RS

Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag/RS | Foto: Fetag/RS/Divulgação/CP

"Há muitos desafios a serem enfrentados nas duas esferas de governo em 2024, a começar pela efetividade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR). Neste ano, aceitamos a situação de reestruturação das duas pastas e as dificuldades de resolver os problemas que se apresentaram à agricultura familiar. Para 2024, tem de ter um MDA que funcione, que consiga trabalhar de fato a favor das nossas pautas, que tenha força para enfrentar um ministro da Fazenda e chegar ao centro do governo.


O mesmo vale para o governo do Estado. Temos a SDR e um secretário com quem dialogamos muito bem, mas é preciso dar estrutura à secretaria, não adianta apenas criá-la. Por isso estamos exigindo do governador Eduardo Leite que tenha recursos para colocar na pasta e que concentre todas as áreas da agricultura familiar na SDR, que é a nossa secretaria.


Os governos também precisam prestar atenção ao envelhecimento no campo, onde 70% da população já passou da faixa dos 45 anos. É preciso pensar na fixação do jovem no meio rural agora e fazer isso pela via da educação e da colocação de infraestrutura no campo, como energia elétrica, um dos maiores limitadores da atuação dos agricultores familiares.


Também temos de ter foco na assistência técnica. Aproveitar a capacidade que tem a nossa Emater, que não pode ficar a mercê do planejamento de governo e precisa ter liberdade para determinar suas ações em favor do produtor.


Quanto ao aumento de impostos, qualquer aumento de impostos, somos contra."

Enfrentamento ao clima deve ser política de estado, opina Fetraf/RS

Douglas Cenci, Presidente da Fetraf/RS

Douglas Cenci, presidente da Fetraf/RS | Foto: Fetraf/RS/Divulgação/CP

“Em relação ao governo federal, creio que as dificuldades de um governo que está se iniciando tenham dificultado a execução de um conjunto de medidas que poderiam ter chegado aos agricultores. Vamos terminar o ano sem assinar nenhum contrato de habitação rural no Brasil. A execução dos programas ainda não chegou à casa dos agricultores. A capacidade de resposta às nossas dificuldades estão distantes da necessidade. Embora não se perceba que a agricultura familiar não está na centralidade das ações do governo, é importante reconhecer a criação do Ministério da Agricultura Familiar e a retomada das políticas públicas e da democracia como extremamente importantes e que recolocam o estado brasileiro no caminho certo.


Em relação ao governo do Estado, a criação da SDR (Secretaria de Desenvolvimento Rural) é um sinal de respeito e reconhecimento. O secretário Ronaldo Santini tem se esforçado para atender às demandas do setor, mas assumiu uma secretaria que não tem orçamento e nem estrutura. A agricultura familiar não tem sido prioridade do governo do Estado, que até agora, no seu segundo mandato, não conseguiu criar programas estruturantes para o campo nem prestar socorro adequado aos que enfrentaram as intempéries climáticas e outras adversidades.


Para 2024, creio que tanto o governo do Estado quanto o federal tenham que se debruçar sobre a criação de uma política de Estado que possa criar medidas de enfrentamento às mudança climáticas e suas consequências para o campo. Precisamos avançar em uma política estruturante para os produtores de leite e restituir o poder de consumo da população a fim de garantir o acesso aos alimentos que produzimos e dando condições para comercializar com um preço justo, valorizando o trabalho dos agricultores familiares.”


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895