Os recursos estratégicos da Groenlândia

Os recursos estratégicos da Groenlândia

A ilha gelada, que vem sendo ameaçada reiteradamente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, possui minerais e hidrocarbonetos, mas não apenas isso

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Por
AFP

A Groenlândia, vasto território autônomo da Dinamarca cobiçado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abriga em seu interior minerais essenciais para a transição energética e hidrocarbonetos, mas suas reservas ainda são modestas a nível mundial. Trump tem reiterado seu plano expansionista, dizendo que o território será “de uma forma ou de outra” de propriedade dos Estados Unidos. Mas o que, afinal atrai tanto o governo americano nesta ilha gelada do Ártico?

Terras Raras

Com recursos de terras raras avaliados em 36,1 milhões de toneladas pelo Serviço Nacional de Geologia da Dinamarca e Groenlândia (Geus), a ilha possui um estoque significativo desses 17 metais cobiçados pela indústria do futuro, cuja demanda deve continuar a aumentar nos próximos anos.

No entanto, as reservas que correspondem aos recursos economicamente e tecnicamente recuperáveis são de cerca de 1,5 milhão de toneladas, segundo o último relatório do Instituto Geológico dos Estados Unidos (USGS). Um número modesto em comparação com as reservas da China (44 milhões de toneladas) ou do Brasil (21 milhões), mas suficiente para atrair a atenção das indústrias que buscam diversificar suas fontes de suprimento diante da dominação chinesa.

As terras raras podem ser encontradas em drones, aerogeradores, discos rígidos, motores de carros elétricos, lentes de telescópio e até em aviões de caça.

Área central de Nuuk, na Groenlândia, que é um território autônomo da Dinamarca | Foto: Odd Andersen / AFP / CP

Lítio, grafite e cobre

Segundo o Geus, o solo da Groenlândia também contém grafite, lítio e cobre, três minerais definidos pela Agência Internacional de Energia (AIE) como “críticos” para a transição energética.

O Serviço Nacional de Geologia avaliou os recursos de grafite em 6 milhões de toneladas, o que corresponde a 0,75% do total mundial calculado pelo USGS. De acordo com um relatório da AIE de maio de 2024, a China “domina toda a cadeia de produção” desse mineral, utilizado tanto em baterias quanto na indústria nuclear.

Quanto ao lítio, que desempenha papel crucial nas baterias e cuja demanda pode se multiplicar por oito até 2040, segundo a AIE, os recursos da Groenlândia estão estimados em 235 mil toneladas, o que representa 0,20% do total global.

A presença de cobre na Groenlândia, embora pouco significativa em escala mundial, parece menos estratégica do que a de urânio, combustível nuclear cobiçado, mas cuja exploração na ilha foi proibida por lei em 2021.

Uma mina ativa, outra em reinício

Há apenas uma mina ativa na Groenlândia: um depósito de anortosito na costa oeste, explorado pela Lumina Sustainable Materials, com uma produção muito limitada. Sua atividade tem sido muito intermitente e mudou de proprietário várias vezes ao longo dos anos.

A mina de ouro de Nalunaq, propriedade da empresa canadense Amaroq Minerals no sul da Groenlândia, está em fase de reinício. “Vários outros projetos estão em desenvolvimento, alguns dos quais alcançaram a fase de viabilidade e obtiveram licenças de exploração, mas ainda exigem investimentos significativos e as autorizações finais para entrar em produção”, explicou à AFP Jakob Kløve Keiding, consultor sênior do Geus.

A União Europeia, que identificou na Groenlândia 25 dos 34 minerais de sua lista oficial de matérias-primas essenciais - de acordo com um comunicado de 2023 - assinou no mesmo ano com o governo groenlandês um protocolo de acordo apoiando o “desenvolvimento dos recursos minerais” da ilha.

Um parceiro estratégico enquanto o Ártico aquece até quatro vezes mais rápido que o resto do mundo, o que abre novas perspectivas para o transporte marítimo e a exploração de recursos, como petróleo e gás.

Hidrocarbonetos

Estima-se que na ilha haja hidrocarbonetos equivalentes a 28.430 milhões de barris de petróleo, segundo uma estimativa do Geus, da Companhia Petrolífera Nacional da Groenlândia (Nunaoil) e da Autoridade de Recursos Minerais da Groenlândia (MRA), com base em dados da indústria.

Embora abundante, esse depósito ainda seria uma contribuição limitada para a demanda mundial, já que apenas os Estados Unidos consumiram mais de 7 bilhões de barris em 2023, de acordo com a Agência de Informação sobre Energia dos Estados Unidos (EIA).

Até o momento, nunca foi realizada uma perfuração industrial de petróleo ou gás na Groenlândia, embora existam três licenças de exploração petrolífera ativas no leste do território.

Não apenas pelas minerais

A ilha é 80% coberta de gelo | Foto: Odd Andersen / AFP / CP

O território autônomo dinamarquês da Groenlândia, maior que o México e coberto por gelo em 80% de sua extensão, é cobiçado por seus potenciais recursos minerais e sua importância geoestratégica a ponto de despertar o desejo de anexação por parte de Donald Trump.

A Groenlândia é um território autônomo, mas as questões de justiça, política monetária, política externa, defesa e segurança dependem de Copenhague.

A capital da ilha está mais perto de Nova York do que de Copenhague e o território faz parte da zona de interesse dos Estados Unidos, afirmou à AFP Astrid Andersen, historiadora do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais. “Durante a guerra, quando a Dinamarca foi ocupada pela Alemanha, os Estados Unidos se apoderaram da Groenlândia. De certa forma, eles nunca saíram”, explicou Andersen.

Os Estados Unidos possuem uma base ativa no noroeste da ilha, em Pituffik. O território é, assim, a trajetória mais curta para disparar mísseis em direção à Rússia.

Washington se queixa “legitimamente da falta de vigilância do espaço aéreo e das zonas submarinas a leste da Groenlândia”, afirmou o cientista político Ulrik Pram Gad, do mesmo instituto de Andersen.

Em um momento em que o derretimento de geleiras permite novas rotas marítimas, “o problema é legítimo, mas Trump está usando termos exagerados”, opinou.

O republicano já havia dito que queria comprar o território durante seu primeiro mandato, em 2019. As declarações foram rejeitadas pela Dinamarca e pelas autoridades groenlandesas.

Em relação aos recursos minerais, desde 2009, são os próprios groenlandeses que decidem qual uso dar para suas matérias-primas. Mas o acesso a eles é considerado vital para os EUA, que assinaram um memorando de cooperação nesse setor em 2019. Os europeus seguiram o exemplo quatro anos depois com seu próprio acordo de colaboração. A União Europeia identificou 25 dos 34 minerais de sua lista oficial de matérias-primas fundamentais na região, incluindo as terras raras.

Partidos da Groenlândia denunciam 'comportamento inaceitável' de Trump

A maioria dos 57.000 habitantes da ilha apoiam a independência da Dinamarca, mas se opõem à sua integração aos Estados Unidos. | Foto: Odd Andersen / AFP / CP

Os partidos políticos da Groenlândia denunciaram por unanimidade, no último dia 14, o “comportamento inaceitável” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que reiterou no dia anterior que queria anexar a ilha do Ártico. “Nós — todos os chefes de partido — não podemos aceitar as repetidas declarações sobre a anexação e o controle da Groenlândia”, disseram os líderes dos cinco partidos representados no Parlamento da Groenlândia. “Consideramos esse comportamento inaceitável com amigos e aliados em uma aliança de defesa”, enfatizaram em uma declaração conjunta.

Após as declarações de Trump, o primeiro-ministro em fim de mandato, Mute Egede, anunciou que reuniria os líderes de todos os partidos políticos “o mais rápido possível” para fornecer uma resposta conjunta.

A Groenlândia realizou eleições há poucos dias. Todos os partidos políticos e a maioria dos 57.000 habitantes da ilha apoiam a independência da Dinamarca, mas se opõem à sua integração aos Estados Unidos.

A oposição de centro-direita venceu as eleições legislativas da Groenlândia no dia 12. Elas foram marcadas por apelos nacionalistas para uma independência rápida da Dinamarca na ilha do Ártico.

O partido Democratas, autoproclamado “social-liberal” e favorável à independência, mas a longo prazo, recebeu 29,9% dos votos, mais do que o triplo do resultado obtido nas eleições de 2021. O partido nacionalista Naleraq, que pede o rompimento de todos os vínculos restantes do território autônomo dinamarquês com Copenhague, ficou em segundo lugar com 24,5% dos votos.

A atual coalizão de governo formada pelos partidos Inuit Ataqatigiit (IA, ecológico de esquerda) e Siumut, social-democrata, foi punida pelos eleitores, que compareceram em massa às urnas. O IA perdeu 15,3 pontos e Siumut 14,7 na comparação com a eleição anterior.

Esta foi a eleição na Groenlândia que despertou mais interesse internacional, diante do desejo de Trump de tomar o controle do território.

Como nenhum dos partidos está em condições de assegurar a maioria dos 31 assentos do Parlamento, deverão negociar para formar uma aliança. A coalizão deverá delinear os procedimentos e o calendário que conduzam à independência desejada pela maioria de sua população.

O presidente americano, convencido de poder adquirir “de uma forma ou de outra” o território autônomo dinamarquês, tentou influenciar até o último minuto as eleições que renovarão as 31 cadeiras do Inatsisartut, o Parlamento local. “Nosso país está no olho do furacão”, disse na segunda-feira o primeiro-ministro Egede. “O mundo exterior está nos observando de perto e vimos recentemente até que ponto eles tentam influenciar”, acrescentou.

A insistência, às vezes ameaçadora, provoca choque, rejeição e, em alguns poucos momentos, entusiasmo entre os groenlandeses. Além do presidente dos Estados Unidos, os debates eleitorais se concentraram em saúde, educação e na relação com a Dinamarca, que conserva as competências diplomáticas, militares e monetárias da ilha ártica.

Independência, sim, mas quando?

Atualmente, 20% do PIB da Groenlândia se refere à ajuda fornecida por Copenhague | Foto: Odd Andersen / AFP / CP

Os habitantes da ilha se consideram frequentemente tratados como cidadãos de segunda categoria pela antiga potência colonial dinamarquesa, da qual todos os principais partidos desejam obter a independência.

No entanto, o consenso esbarra em fissuras a respeito do calendário: os nacionalistas do Naleraq desejam uma independência rápida, enquanto os membros da atual coalizão de governo condicionam o processo ao progresso econômico.

Atualmente, o território depende economicamente da pesca, que representa quase todas as suas exportações, e da ajuda anual de quase 530 milhões de euros (R$ 3,366 bilhões) fornecida por Copenhague, o que representa 20% do PIB local.

Os independentistas mais impacientes consideram que a Groenlândia será autossuficiente com a exploração de seus recursos minerais, especialmente as terras raras.

Porém, as reservas do território são modestas a nível mundial e o setor de mineração é muito embrionário, afetado pelos custos elevados de exploração provocados pelo clima hostil e pela falta de infraestrutura.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895