Pontes contam a evolução cultural e arquitetônica do Rio Grande do Sul

Pontes contam a evolução cultural e arquitetônica do Rio Grande do Sul

Importantes cartões-postais, Ponte de Pedra, travessias do Guaíba, em Porto Alegre, e Ponte do Imperador, em Ivoti, são marcos históricos e refletem o desenvolvimento social, econômico e cultural do povo gaúcho

Ponte móvel do Guaíba

Por
Cristiano Abreu

Mais que ligar pontos e encurtar distâncias, as pontes apoiam a economia e o turismo, refletem o desenvolvimento de uma região e contam histórias. Feitas em diversos materiais e com variadas técnicas de engenharia, estão presentes na silhueta das principais cidades do mundo, parte delas são os próprios cartões-postais de onde foram erguidas.

Junto do pôr do sol da orla do Guaíba, a ponte móvel é um dos símbolos mais conhecidos de Porto Alegre. A estrutura foi projetada há 70 anos, por engenheiros alemães, e sua construção representou uma ousadia e tanto para a capital gaúcha da década de 1950. Inaugurada após três anos de obras, em dezembro de 1958, transformou a ligação com o Sul e com o Oeste do Estado.

Até a década de 1950, a ligação de Porto Alegre com a cidade de Guaíba, na região Metropolitana, era feita por barcas e balsas operadas pelo Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (DAER) que saíam do bairro Vila Assunção, na zona Sul da Capital. Com a saturação do serviço, a partir de 1953, começou-se a discutir alternativas. Neste período, cerca de 600 veículos e pouco mais de mil pessoas por dia já faziam este deslocamento, que demorava aproximadamente 60 minutos – 20 de travessia e outros 40 para embarque e desembarque.

Doze propostas foram apresentadas por cinco empresas candidatas, e o projeto alemão, chancelado pelo Laboratoire Dauphinois d'Hidraulique, em Grenoble, na França, à época um dos melhores do mundo em hidráulica, foi o escolhido pelo governador Ernesto Dornelles por aproveitar o conjunto de ilhas do Delta do Jacuí. Devido a esta característica, o vão móvel é parte de um complexo formado por outras três pontes entre o rio Jacuí e o lago Guaíba, entre a intersecção da BR 116 com a BR 290, na entrada de Porto Alegre.

Criava-se assim a Travessia Régis Bitencourt, com 7,7 quilômetros de extensão, integrada pela Ponte do Guaíba (1.100 metros, sendo 58 metros elevadiços), pela Ponte do Canal Furado Grande (344 m), pela Ponte do Saco da Alemoa (774 m) e pela Ponte do Rio Jacuí (1.760 m). O contrato foi assinado em 26 de outubro de 1954, e a obra iniciou quase um ano depois, em 20 de outubro de 1955. A construção envolveu cerca de 3,5 mil operários, e a inauguração ocorreu em 28 de dezembro de 1958, durante o governo de Ildo Meneghetti.

Desafiadora e única

Considerada, em seu anúncio, a maior obra de engenharia do país, foi a primeira ponte brasileira executada em concreto protendido - que em vez de ferros, como nas estruturas em concreto armado, usa aços especiais que comprimem o concreto, permitindo vãos maiores. Outro diferencial da travessia estava na tecnologia, inédita na América Latina, que possibilitava o içamento mecânico do vão móvel. Tal recurso foi utilizado em função do tráfego de petroleiros que subiam o rio Gravataí até o terminal da Petrobras, rota ainda utilizada, e, posteriormente para a passagem de navios que se dirigem ao Polo Petroquímico de Triunfo.

Vão Móvel ao entardecer: pôr do sol completa o cartão postal da Capital | Foto: Fabiano Panizzi / CCR Via Sul / CP

Quatro torres, cada uma com 43 metros de altura, incluindo a base sob a água, sustentam o trecho de pista elevadiço, com 58 metros de extensão e 400 toneladas de peso. O vão é suspenso a uma altura de 24 metros.

Os estudos realizados pelo laboratório francês incluíram a criação de um modelo do Delta do Jacuí, montado em um pavilhão medindo 30m por 40m. As simulações reproduziram, inclusive, a enchente de 1941 e os possíveis efeitos de uma nova inundação para o conjunto de pontes, para o bairro Navegantes e região das ilhas Porto Alegre, algo que voltou a ocorrer em 2024.

Reforma e futuro

Em 1954, os projetistas alemães calcularam que o aumento populacional elevaria a circulação gradativamente, tornando necessária a duplicação após 35 anos de uso. Assim, o complexo viário foi construído para comportar o dobro da capacidade de tráfego, cumprindo seu papel até o início deste século.

Ao longo de sua existência, a travessia cresceu em importância econômica, e adquiriu posição estratégica para a consolidação do Mercosul, bloco comercial que une o Brasil aos principais países sul-americanos. Para tanto, passou por uma profunda reforma, no início dos anos 2000, com a substituição dos cabos, roldanas e motores que promovem o içamento do vão, reparos da fachada e pintura. Em 2024, recebe outro processo de manutenção intensa, que durará quatro meses e inclui obras de reforço da estrutura, revitalização do pavimento e implantação de nova sinalização, conforme a CCR Viasul, concessionária que administra o trecho desde 2019.

Complexo viário, com vão móvel e nova ponte, mudou realidade econômica com o interior do Estado | Foto: Fabiano Panizzi / CCR Via Sul / CP

Para assumir a função de corredor de escoamento dos produtos entre os países do Mercosul e diante do fluxo crescente de veículos entre a Capital e o sul do Estado, foi necessário ampliar a estrutura rodoviária da BR-290. Assim, em 2014, começou a ser construída a segunda ponte do Guaíba, com 2,9 quilômetros de extensão e dois vão navegáveis, de 40 metros de altura e 140 de largura cada, que permitem a livre passagem de embarcações sem a interrupção do trânsito, como ocorre com a irmã mais antiga.

Após quase seis anos em obras, em dezembro de 2020, a nova passagem foi inaugurada e recebe média de 50 mil veículos por dia. Atualmente a estrutura está liberada para tráfego no vão principal e em três das alças de acesso: uma no sentido Porto Alegre/litoral Norte, outra no sentido Porto Alegre/região Sul e outra da região Sul ao centro da Capital.

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Curiosidades sobre as travessias:

  • Na inauguração do vão móvel, em 1958, só havia um trevo de acesso à ponte, direcionado ao centro de Porto Alegre. Os demais acessos foram concluídos no governo de Leonel Brizola (1959-1963).
  • O complexo viário foi batizado de Travessia Régis Bittencourt, em homenagem ao primeiro diretor do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), sendo que a ponte móvel ficou popularmente conhecida como Ponte do Guaíba.
  • Em 1962, governador Leonel Brizola rebatizou o trecho como Travessia Getúlio Vargas. Embora exista uma placa em bronze em um dos pilares da Ponte do Guaíba, a mudança nunca foi homologada pelo governo federal, administrador do complexo.
  • Parte do trajeto coincide com a rota de aproximação para a cabeceira 11 do Aeroporto Internacional Salgado Filho. Tal posição permite aos motoristas de automóveis, em determinadas ocasiões, verem aviões preparando-se para o pouso em Porto Alegre.
  • A nova ponte recebeu o nome de Travessia Paixão Côrtes, em homenagem ao tradicionalista gaúcho, falecido em 2018.
  • Está apoiada em 3.232 estacas e 329 pilares. Recebeu, ao todo, 348,7 mil toneladas de concreto e 18,9 mil de aço.
  • Tecnicamente, o Lago Guaíba só começa nas proximidades da Usina do Gasômetro, ou seja, quilômetros antes das duas travessias rodoviárias.
  • A ponte inaugurada em 2020 passa, na verdade, pelo canal Humaitá, enquanto outras partes da estrutura atravessam os canais do Chico Inglês, Três Rios e do Jacuí. Passa ainda por três grandes ilhas: Humaitá, Ilha Grande dos Marinheiros e Ilha das Flores
  • Assim como a irmã mais velha, a segunda ponte foi aberta incompleta. Apenas três alças de acesso estão liberadas. A conclusão depende, ainda hoje, de reassentamento de famílias das vilas Tio Zeca e Areia, na Capital.

A operação de içamento

O içamento do vão móvel começa quando o navio está a cerca de um quilômetro de distância, porque, caso ocorra algum problema na ponte, o navio terá tempo de evitar uma colisão. Antes, porém, o tráfego já é bloqueado nos dois sentidos da rodovia, e acompanhado durante todo o procedimento pelos órgãos de trânsito responsáveis.

Uma equipe composta por cinco colaboradores é responsável pela realização e acompanhamento de todo o processo, sendo três eletricistas e dois mecânicos. Um operador fica na cabine de controle. Os demais profissionais (dois mecânicos e dois eletricistas) ficam na casa de máquinas monitorando de perto toda a parte mecânica, elétrica e estrutural da operação.

Com a programação de içamentos previstos para o dia, as equipes monitoram o tráfego das embarcações. Quando próximo do horário, o comandante da embarcação faz contato com a torre de comando do vão móvel via rádio, solicitando a passagem. Após a confirmação dos dados da mesma, é feita uma leitura do nível da água para que o operador calcule a altura necessária do tablado para içamento para que a embarcação atravesse a ponte.

Navio Besiktas é uma das embarcações que frequentemente cruzam o vão móvel | Foto: Fabiano Panizzi / CCR Via Sul / CP

Na sequência, são realizados os procedimentos no tráfego da rodovia. Primeiro, são acionados os semáforos na cor laranja, que significa ‘atenção’, durante 1 minuto. Depois, as luzes mudam para vermelho, representando ‘pare’ e, ao mesmo tempo, é emitido um sinal sonoro avisando sobre o fechamento das cancelas em ambos os sentidos das pistas. Então, é dado início ao procedimento de içamento do tablado pelo operador na cabine de comando e dos operadores que acompanham a movimentação na casa de máquinas, dos motores e estiramento dos cabos durante o procedimento.

Após alcançar a altura necessária, é feito contato via rádio com a embarcação para liberação da travessia da mesma pela abertura do vão de maneira segura.

Mais dados:

  • Único na América Latina, o recurso do vão móvel foi utilizado em função do tráfego de petroleiros que subiam o rio Gravataí até o terminal da Petrobras e, posteriormente, para a passagem de navios que se dirigem ao Polo Petroquímico de Triunfo.
  • A elevação do vão móvel é feita por dois motores, auxiliados por contrapesos que ficam no interior das quatro torres.
  • A operação dura, em média, de 15 a 25 minutos. Após o término, o fluxo de veículos é novamente liberado
  • Desde que a CCR ViaSul assumiu a concessão, em 15 de fevereiro de 2019 já foram realizados 1.769 içamentos. O milésimo içamento ocorreu em novembro de 2021.

Memórias da construção

Referências sobre o desenvolvimento de um povo

O doutor em História, professor e pesquisador Cristiano Enrique de Brum é autor de diversos trabalhos sobre patrimônio cultural. Para o especialista, pontes são “marcadores sociais” do crescimento de uma região e de suas comunidades.

“Elas unem as pessoas. Não é por acaso que surgem, geralmente começam de forma rudimentar, às vezes improvisadas, ou erguidas por moradores. Depois dão lugar a construções maiores, obras do esforço estatal, mas sempre a partir da necessidade e da vontade comunitária”, explica.

As travessias são importantes para suprir demandas por serviços e escoamento produção. Tais construções agilizam relações, atraem negócios, novos moradores, permitem a chegada de novas tecnologias e forçam até mesmo a ampliação de estradas, formando um ciclo contínuo de desenvolvimento.

“Picadas que davam acesso a pequenas carroças deram lugar a pontes de madeira que permitiram criação de estradas, possibilitando a passagem de carroças maiores, aumentando o fluxo de pessoas e comércios em regiões antes pequenas que cresceram de tal forma que exigiram pontes e estradas maiores. É um processo que se realimenta”, entende o professor.

Por conta da complexidade de construção ou relevância para o desenvolvimento das regiões em que estão, algumas destas travessias acabam preservadas como na época de suas construções. Tornam-se, conforme o historiador, referências culturais, cartões-postais e atrativos turísticos. “Além de preservar a memória, passam a ter importância econômica de outra forma, como fomentadoras do turismo e das culturas locais”, completa Brum.

Ponte de Pedra completa 170 anos em 2024 | Foto: Mauro Schaefer

Arte feita em pedra

A evolução urbanística é por vezes tida como algo automático. Algumas das grandes obras do passado acabam tão assimiladas ao contexto das grandes cidades que é como se sempre tivessem existido. É o caso da Ponte de Pedra, no Centro Histórico de Porto Alegre.

Quem passa pela Praça dos Açorianos e contempla a mescla de linhas retas e os três imponentes arcos refletidos no espelho d’água dificilmente imagina como aquela região da cidade já foi. Pois tal ponte nasceu como única ligação entre o Centro Histórico e o Arraial da Baronesa, antiga chácara semi-rural localizada na região do atual bairro Cidade Baixa. Isso porque aquele trecho era cortado por um dos braços do arroio Dilúvio que se bifurcava a partir de trecho onde hoje está o Colégio Estadual Protásio Alves, no bairro Azenha.

No início do século 19, uma primitiva estrutura de madeira, erguida quase no mesmo local da construção atual, fazia as vezes de travessia. Entre 1825 e 1843, a passagem foi reconstruída por diversas vezes em razão dos estragos causados pelas enchentes e pela deterioração natural da madeira. Foi então que o presidente da província, Duque de Caxias, mandou edificar a ponte de pedra. Resistiu até março de 1848, quando foi fechada ao trânsito.

A nova passagem foi projetada para ser durável, por isso, o material escolhido foi a alvenaria de pedra. Apesar de ter sido aberta ao público em 1848, a conclusão só ocorreu em 1854.

Após 70 anos, Porto Alegre e sua gente mudaram. A partir de 1937, o curso do arroio Dilúvio começou a ser retificado, com seu ponto de deságue deslocado para o fim da avenida Ipiranga, no trecho 2 da Orla (bairro Praia de Belas). A ponte perdeu a sua função original, mas sobreviveu para testemunha do passado. Afim de preservar a memória urbana da Capital, em 1979, a Ponte de Pedra foi tombada pelo município e ganhou o famoso espelho d'água de destacam a beleza dos seus três pilares em arco. Atualmente é patrimônio cultural da cidade.

Revitalização

Num passado recente, o Largo dos Açorianos se degradou, com a ponte e equipamentos do entorno sofrendo com vandalismo e poluição ambiental. O lago foi esvaziado em 2015, como parte do trabalho de restauro da ponte; a reforma incluiu a revitalização da praça. A reinauguração ocorreu em 2019.

Curiosidades

  • O construtor designado para erguer a Ponte de Pedra foi João Batista Soares da Silveira e Sousa, que recebeu 980 contos de Réis. A nota triste fica por conta da utilização de escravos como mão de obra da construção.
  • A Ponte de Pedra já foi pintada pelo artista Luís Maristany de Trias (1885-1964), e a tela a óleo, sem data, é parte do acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs).
  • O arroio Dilúvio, que motivou a obra, nasce na Lomba do Pinheiro, zona Leste da Capital, na Represa da Lomba do Sabão. Recebe vários afluentes como os arroios dos Marianos, Moinho, São Vicente e Cascatinha e deságua no limite entre os parques Marinha do Brasil e Harmonia.
  • Possui extensão de 17.605m das nascentes até o Lago Guaíba. A extensão canalizada e retificada está estimada em 12 km, dos quais 10 km finais têm calha central entre as pistas da avenida Ipiranga, abrangendo o percurso entre a avenida Antônio de Carvalho e a foz.
  • Antigamente, o riacho dasaguava na Ponta da Cadeia, ao lado da Usina do Gasômetro, e antes de chegar ali passava embaixo da Ponte de Pedra.
  • O primeiro trecho canalizado foi implantado entre 1939 e 1943 desde a foz até as proximidades da Avenida João Pessoa. A obra demorou mais de 40 anos para ser concluída.

Fontes:
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
Prefeitura de Porto Alegre
Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs)

Conexões

O doutor em História e professor da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Charles Monteiro, identificou paralelos importantes entre a Ponte de Pedra e o vão móvel do Guaíba. Para o especialista, tais obras proporcionaram evolução no trânsito e no comércio.

“A ponte de pedra surge no período pós-revolução. Após a demolição das fortificações que protegiam a cidade durante a Guerra dos Farrapos, a cidade se expande em direção ao Sul, passando a ser necessária”, explica.

“Já os anos 1950 são de expansão e verticalização, a ponte móvel surge num período de crescimento econômico de Porto Alegre e de êxodo rural no interior do Estado. Alterou a matriz de transposição do Guaíba de fluvial para rodoviária e representou integração e metropolização, permitindo a concepção da região Metropolitana, na década de 1960”.

Ivoti preserva ponte de 160 anos como principal cartão-postal da cidade*

Localizada a pouco mais de 50 quilômetros da Capital, Ivoti, no Vale do Sinos, preserva uma das mais antigas pontes do Estado. Embora as raízes da cidade estejam diretamente ligadas à Imigração Alemã, que acaba de celebrar seu bicentenário, uma ponte em estilo romano completa 160 anos em 2024 e é, hoje, o principal cartão-postal do município.

Ao longo dos últimos anos, a cidade tem ganhado notoriedade pela realização de eventos gastronômicos e culturais, junto ao tradicional Núcleo de Casas Enxaimel. O local, que é o mais visitado ponto turístico de Ivoti, é acessado pela igualmente icônica Ponte do Imperador. Conforme a prefeitura local, a estrutura foi construída entre os anos de 1857 e 1864, para promover o escoamento da produção, possibilitando o desenvolvimento da região.

O doutor e professor de História Cristiano Enrique de Brum lembra que em meados do século 18, a região onde atualmente está localizada Ivoti era uma das ramificações do chamado Caminho das Tropas, importante corredor comercial entre o Sul do Brasil e a Capitania de São Paulo. Este importante corredor comercial de animais e outros artigos tinha um de seus roteiros usuais começando nas imediações de Viamão, cruzando Porto Alegre, Vale do Sinos e Serra, subindo na direção de Santa Catarina.

“Uma destas ramificações ganhou ainda mais importância ao abrigar, no século 19, a colônia alemã, que possuía papel fundamental no abastecimento de Porto Alegre no período pós-Guerra dos Farrapos (1835-1845). A partir destes imigrantes, percebeu-se a necessidade de substituir a antiga passagem de carroças que havia na região do Passo, ponto de encontro entre as picadas 48 e Bom Jardim. A Ponte do Imperador ligou estas duas regiões de uma forma mais eficiente”, avalia.

A ponte recebeu esse nome em homenagem a Dom Pedro II, uma vez que o governo imperial destinou 30 libras esterlinas (moeda inglesa) para a construção. Possui 140 metros de extensão, contando suas rampas de acesso, e 8 metros de altura. Sua largura inicia com 13 metros em ambas extremidades de suas rampas de acesso e se estreita a 6,40 metros na sua parte horizontal – um tabuleiro que mede 33 metros e forma a ponte propriamente dita.

Sua pavimentação é em blocos irregulares e possui amurada, em ambos os lados, com pilaretes arrematados por pirâmides. Foi erguida em pedra grês empilhada e encaixada, com uso de cimento apenas nas colunas de sustentação e é dotada de três grandes arcos por onde passam as águas do arroio Feitoria, curso d’água que atualmente dá nome ao bairro surgido ao seu redor.

Brum é autor de uma longa pesquisa sobre a construção, material que compõe o Inventário do Patrimônio Cultural de Ivoti, lançado em 2022. Em seu trabalho, o historiador avalia que a ponte “funciona como um marco do acesso ao Núcleo Enxaimel. Sua elevação gradual, seu afunilamento e finalmente seu alargamento revelando o Núcleo se transforma em uma experiência de gradual descobrimento do atrativo. Posteriormente, ao passear pelos jardins aos fundos das edificações, se pode apreciar a beleza e solidez de seus três arcos plenos ou romanos que vencem o arroio e permitem a travessia”.

“Em 1832, Peter Tatsch, um dos imigrantes pioneiros, escreveu em carta para familiares na Europa e descreveu existir no local um passo, para passagem de carroças. Após meados do século 19, com diversas melhorias e alargamentos promovidos pelo presidente da província da época, se consolidou o nome de Estrada Presidente Lucena. Neste contexto, é seguro afirmar que Ivoti cresceu ao redor da ponte, visto que o centro do município está localizado cerca de um quilômetro da icônica travessia. Hoje é referência turística, cultural e gastronômica daquela região”, completou o especialista.

Ponte é importante atrativo turístico do Vale do Sinos | Foto: Guilherme Sperafico - Especial/CP

Prevenção contra eventos climáticos

Em 16 de junho do ano passado, Ivoti sofreu a maior enchente de sua história, que inundou parte do bairro Feitoria Nova, onde está localizada a Ponte do Imperador e o Núcleo de Casas Enxaimel. Ainda no ano passado, nos meses de setembro e em novembro, duas outras enchentes também foram registradas, porém, com danos menores.

Apesar da força das águas, que arrastou árvores e materiais presentes no Núcleo de Casas Enxaimel pelas águas do arroio Feitoria, a estrutura de 160 anos se manteve firme e sem avarias. Recentemente, uma obra de desassoreamento de aproximadamente 500 metros começou a ser realizada no local, que também recebeu um muro de contenção, ligado à ponte.

De acordo com a secretária de Turismo, Cultura e Desporto de Ivoti, Raiama Trenkel, o objetivo é minimizar impactos das chuvas futuras. “O que foi feito agora são melhorias para contenção, para tentar diminuir um pouco a questão das consequências das enchentes, com o muro de contenção”, explica.

A preservação da área é considerada fundamental, dada a importância do local para a cidade. “A Ponte do Imperador é de grande importância histórica e para o turismo de Ivoti e região. Compõe a principal região turística da cidade, o Núcleo de Casas Enxaimel, sendo referência de estudo e pesquisa”, reforça Raiama.

*Colaborou Guilherme Sperafico

Curiosidades:

  • A Ponte do Imperador foi reconhecida Patrimônio Histórico Nacional em 1986, quando foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Seu tombamento foi fundamental para o turismo da região.
  • A obra foi executada sob o comando do capitão Jacob Blauth, de São Leopoldo, e teve como mestre de obras Johannes Sauter. O desenho da planta baixa do avanço das obras é assinada peplo estrangeiro Emile Jullien (funcionário do governo provincial).
  • Após a construção, se aventou a criação de um pedágio. A comunidade se mobilizou e a cobrança nunca ocorreu.
  • O governo destinou as famosas 30 libras, porém a obra demandou a arrecadação de valores coletados junto da comunidade. Ao fim, a Ponte do Imperador custou Aproximadamente quatro vezes o valor inicial orçado.
  • Existem controvérsias a respeito da mão de obra, utilizada na construção, sobre a data da construção, valores empregados e até mesmo sobre o papel do Império na obra. “Documentos e plantas localizados no Arquivo Histórico do Estado demonstram que somente em 1858 as obras começaram, mas foram paralisadas em 1859 por problemas de pagamentos dos trabalhadores. Aliás, é importante destacar o papel de outras etnias na construção, como imigrantes luso-brasileiros e escravos”, revela.
  • “O papel do Imperador na construção da travessia gera até mesmo lendas populares. Dom Pedro II chegou a visitar a região, mas não há registro oficial da passagem dele pela ponte, fato que causa confusão nos turistas. Lendas são uma das formas da população de conectar com o passado. A passagem do Imperador sobre a ponte pode ter dado à comunidade de Ivoti daquela época a sensação de pertencimento ao Brasil, lembrando que falamos de um período pós-guerra”, projeta Brum.

Fontes:

Inventário Arquitetônico do Patrimônio Cultural de Ivoti (2022)
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895