Proteção resguarda perdas em cultivos delicados

Proteção resguarda perdas em cultivos delicados

Produção de hortaliças, pequenas verduras e frutas beneficia-se do investimento em estruturas como estufas e sombrites, que a tornam menos suscetível às variações climáticas características do Rio Grande do Sul

Por
Angélica Silveira e Thaíse Teixeira

O investimento em cultivos protegidos para frutas delicadas como uvas e morangos, entre outras, assim como hortaliças de vários tipos, dia a dia, conquista adeptos no Rio Grande do Sul. A troca da produção tradicional pela protegida ocorre devido à redução nas perdas de folhas, frutos e verduras devido a intempéries climáticas. A principal vantagem da mudança está no melhor controle sobre a ação das baixas temperaturas, das chuvas, do vento, do calor ou até mesmo da escassez hídrica na produção. 

O ambiente para esses cultivos, no entanto, é reconhecidamente desafiador. Mas, mesmo frente à necessidade de investir em conhecimento específico, estrutura física e operacional, a opção é crescente entre os agricultores familiares e produtores de pequeno porte. As estufas largam na frente pela preferência, ante as proteções para cultivos de uvas e pêssegos, por exemplo. Por ocuparem pouco espaço, podem ser construídas em pequenas áreas, além de servir como fonte de renda extra a quem já se dedica à agricultura. “Vemos um aspecto social importante, pois possibilitamos aumento no número de fruticultores e a diversificação da matriz produtiva. Dificilmente, nosso produtor é só de morango. Ele ten diversidade: tem leite e morango, tem fumo e morango”, detalha o agrônomo do Escritório Central da Emater, em Porto Alegre, Gervásio Paulus. 

A produção de morango, cuja área plantada no Estado é de cerca de 500 hectares, é uma das que, atualmente, provém 95% das estufas, segundo informa a Emater/RS-Ascar. Os frutos são cultivados em substratos, dispostos sobre bancadas na altura de um metro e meio. “Só isso já permite uma melhora ergonômica ao trabalho, pois os produtores podem manejar, realizar os tratos e fazer a colheita em pé”, relata Paulus. 

Os municípios campeões na produção de morango cultivado em estufas no Rio Grande do Sul são Caxias do Sul, Feliz, e Flores da Cunha, onde o inverno, normalmente, interfere de forma negativa no rendimento da safra. “Com o uso da estufa, a ideia é elevar ou diminuir a temperatura externa em 2º C, evitando, assim, danos às plantas e aos frutos com geadas, temperaturas muito baixas no inverno ou muito altas no verão”, explica o agrônomo. 

Para o assistente técnico do Escritório Municipal de Pelotas Rodrigo Prestes, outra vantagem do cultivo de morango protegido está no aumento da rentabilidade do produtor, que amplia a possibilidade de colheita de seus produtos para o ano inteiro. O modelo acabou conquistando adeptos também em regiões não tradicionais na produção da fruta, como na Metade Sul do Estado, onde, atualmente, todos os municípios produzem a fruta. Um deles é Pelotas, que já se configura na quarta maior produção estadual de morango, segundo informa Prestes.

Conforme o último levantamento realizado pela Emater sobre o cultivo de morango em Pelotas, em 2021, aproximadamente 170 agricultores produziram 1.620 milhão de mudas em 40,5 hectares, distribuídos na cidade e no interior. “Antes, o Terceiro Distrito e o Cerrito Alegre eram os locais onde mais se produziam morango no sistema convencional, até mesmo pela proximidade com a cidade. Com o surgimento das estufas, há plantações de morango em toda a zona rural e, até mesmo, em bairros da cidade, como Laranjal e Sítio Floresta”, exemplifica Prestes. Ele conta que, muitas vezes, mesmo um produtor com espaço em um pátio, consegue implantar sua estufa de morango.

A produção de morangos em estufa começou a ganhar espaço em Pelotas entre os anos de 2012 e 2013. A opção chamou a atenção das pequenas propriedades, nas quais os agricultores não queriam aumentar a área plantada e preferiram trazer um sistema novo (fora do solo). “Nesta época propusemos algo um pouco diferente do que ocorria na Serra: um sistema fechado, com reutilização tanto de água quanto de fertilizantes para a produção. Temos o cultivo aberto (o mesmo utilizado na Serra Gaúcha) e o fechado que é inovador”, explica Prestes. 

A demanda à Emater na região partiu dos próprios produtores, já que a fruta requer tratos culturais intensivos na colheita, na poda, na retirada de folhas e de frutos atacados por doença, além de gerar um desconforto grande. “A primeira vantagem quando conversamos com produtores é a melhoria da ergonomia do trabalho, por ser um sistema elevado ao solo em que se trabalha em pé”, diz. Conforme o extensionista, quando entra a safra de morango, em solo gaúcho a partir de setembro, são necessárias até três colheitas por semana, o que torna o processo de fazer agachado muito penoso.

Rodrigo Prestes esclarece que o sistema permitiu a redução da utilização de produtos fitossanitários e agrotóxicos nos plantios. “Como o produtor está mais intensivo na estufa, tirando folhas atacadas por doenças ou insetos, obtivemos uma redução de 50% na utilização destes produtos. Tem também casos daqueles que não utilizam mais agrotóxicos, tipo fungicidas e inseticidas”, revela. O extensionista ressalta que esta é uma característica importante, pois o morango é sempre rotulado como uma fruta com muito “veneno”. “É uma vantagem para o produtor que não gosta de usar agrotóxico e uma propaganda quando vai vender o produto, que é um alimento mais seguro”, garante.

Em Pelotas, produtor otimizou plantio em estufa

Numa área protegida de 150 metros, Leomar Pedrotti consegue colher até 300 quilos de morangos por semana durante a safra, com menos incidência de pragas e maior conforto para as atividades de manejo da cultura

O agricultor relata melhora na qualidade de vida, já que não precisa mais se agachar e na qualidade das frutas que produz com a instalação da estufa de 150 metros na propriedade localizada no 5º Distrito de Pelotas. Foto: Angelica Silveira / Especial / CP

Leomar Pedrotti, de 60 anos, é um dos produtores pelotenses que trocou a plantação de morangos no chão pela de estufa. Dedicado ao cultivo desde a juventude, segundo ele próprio, Pedrotti consegue manter a safra durante os 12 meses do ano, mesmo durante o inverno, com temperaturas baixas e alta umidade. “Não tem sol, é muita umidade, o que faz com que comece a apodrecer as frutas, as folhas ficarem amarelas e apodrecer o pé”, lamenta. O produtor recorda que chegou a plantar 13 mil mudas de morango, mas que, hoje, reduziu para entre 7,5 mil a 8 mil plantas. "Plantávamos as mudas muito próximas. Dar mais espaço entre elas diminui a incidência das doenças, pois aumenta a ventilação e reduz o abafamento no inverno”, justifica.

Pedrotti garante que o novo modelo de produção lhe possibilita a colheita de mais de 100 quilos de morangos por semana na propriedade localizada em Ponte Cordeiro de Farias, no 5º Distrito de Pelotas. No período da safra, nos melhores dias, chega a colher 300 quilos de morangos. O produto é entregue aos clientes em caixas de cinco a seis quilos de fruta, ao preço de cerca de R$ 25,00 o quilo. “O morango miúdo é limpo, congelado e vendido para a indústria, em Pelotas mesmo. Já as frutas grandes, entrego em confeitarias, pizzarias e em um grande hipermercado da cidade”, relata.

Na propriedade, em companhia da esposa Maria Lúcia Pedrotti, de 59 anos, o agricultor vive da renda dos morangos e do salário de professora de Maria Lúcia. Para ele, ter transformado a plantação para o sistema de estufa trouxe mais qualidade no manuseio, na limpeza e no colheita. “Melhorei até da dor nas costas por trabalhar em pé. Não pretendo nunca mais plantar morangos no chão. As variedades novas que pegamos da fruta são importadas e têm que ser tapadas, não podendo pegar umidade”, observa. 

Foto: Angelica Silveira / Especial / CP

O produtor planta morango da espécie San Andréas, com origem espanhola. “Tinha plantas vindas da Patagônia Argentina, mas substitui e está produzindo bastante morango, muito mais resistente”, descreve. Com a plantação coberta, Pedrotti diz que produz mais quantidade de morangos e frutas mais resistente. “Como é coberta, nos possibilita colher mais na safra. Antes tinha muita doença, fungo no chão. O morango suspenso não tem mais este problema. Apesar do clima, hoje praticamente não há perdas na estufa”, afirma. 

A temperatura ideal para a produção da fruta, apreciada para o consumo à mesa ou industrialização de sucos, geleias e sorvetes, recomenda o produtor, é de aproximadamente 25 ° C. “No verão quase não tenho perda, apesar da mosca (drosophila suzukii, praga comum no morango). Tenho que colher dia sim dia não, pois não dá para deixar muito maduro na estufa”, comenta. A estufa de Pedrotti tem 150 metros de comprimento e 6,30 metros de largura. “Quando fiz o investimento gastei em torno de R$ 20 mil em material, lona, arco, madeira, bomba de irrigação. Hoje o custo é maior. Só um arco galvanizado, que naquela época paguei em torno de R$ 15,00, está em R$ 100,00. Ou seja, o investimento é alto”, diz. Para a plantação ele confirma a necessidade de investir em um substrato que custa em torno de R$ 35,00 o saco de 20 quilos. “Não é necessário mão de obra especializada. Eu mesmo aprendi com cursos da Emater”, conclui.

Leomar Pedrotti conhece muitas cultivares que produzem na safra de setembro a dezembro. Com excesso de oferta neste período o preço cai. “Uma vantagem que esperávamos com o sistema de estufa era dividir a produção durante todo o ano e isto se confirmou”, garante. O produtor passou a utilizar um outro tipo de genética para o plantio, chamada de “dia neutro”, apta a produzir frutas o ano inteiro.

A cultivar mais utilizada em Pelotas é a San Andréa. Ela chega para o produtor entre os meses de março e julho. “Conseguimos distribuir a produção durante todo o ano e garante uma melhor renda. Fora dos meses que têm maior produção, o preço pode dobrar em relação a este período”, complementa. 

Sistema protegido melhora desempenho

Mudas importadas de morango, embora demorem a chegar de suas origens ao produtor, o que costuma ocorrer no mês de julho, podem ser usadas por até dois anos nos sistemas de estufa, onde recebem cuidados extras em relação a pragas e doenças, diz o assistente técnico do Escritório Municipal de Pelotas, Rodrigo Prestes. As mudas costumam produzir a partir de 70 a 60 dias dependendo da condição climática, mas têm uma longevidade maior se comparada com as utilizadas para o plantio no solo. Como em estufas o produtor faz mais investimentos, a sugestão é colocar um número maior de plantas por metro quadrado . “Se analisarmos, um hectare no sistema convencional produz 40 toneladas, enquanto no sistema de estufa passa de 100 toneladas”, afirma Prestes, lembrando que, no solo, o indicado é meio metro entre as mudas, enquanto na estufa este espaçamento deve ser de cerca de 10 centímetros.

Conforme o extensionista, quanto à coloração e o sabor das frutas, não há diferença no resultado utilizando-se a mesma cultivar tanto no solo quanto na estufa. “Em termos de qualidade, nos dois sistemas é muito semelhante. Claro, quando comparamos cultivares diferentes podem haver diferenças. Se comparar San Andréa com Camarosa, que é uma cultivar de solo, temos algumas diferenças em relação a tamanho e coloração”, observa ele.

Prestes conta que em uma década chegaram ao escritório da Emater alguns casos que não deram certo. “Como em Pelotas temos dois sistemas de cultivos diferentes, às vezes o produtor mistura os dois”, revela. Antes de implantar o sistema em estufa é importante que o produtor, que irá realizar um alto investimento na implantação, tenha o conhecimento da localização, ou seja, onde vai construir a estufa, tipo de cultivar e espaçamento. “São aspectos de implantação que se errar, vai errar ao longo do ciclo da cultura”, ensina o assistente técnico. 

Depois também é importante ter conhecimento em relação ao manejo, principalmente na adubação, controle de doenças e de pragas, aponta Prestes. “Temos trabalhado um tempo considerável com morango e sempre aparece uma coisa nova”, enfatiza. Para ele, o morango é uma cultura complexa, por isso é sempre recomendado que o produtor busque conhecimento, participe de reuniões, dias de campo e capacitações. “Todo o trabalho no meio rural tem que ser qualificado porque temos pouco espaço para errar. As margens estão menores, mas é uma cultura nova que está há 10 anos neste sistema na região”, pondera. 

Uvas perfeitas para a mesa

No Interior de Caxias do Sul, produtor investiu em estrutura de sombreamento e irrigação cujo custo atingiu R$ 220 mil

Celso Sgorla

Cobertura plástica sobre os parreirais de uvas finas de mesa, propicia à família Venturin uma extensão da colheita das frutas por mais 30 dias, resultando em grãos mais doces e do agrado da maioria dos consumidores. Foto: Charles Venturin / Divulgação / CP

A propriedade da família Venturin, localizada em Monte Bérico, interior de Caxias do Sul, foi pioneira em adotar o sistema de cobertura plástica no cultivo de uvas de mesa na Serra no ano de 1996. Um dos proprietários, Maicol Venturin, explica que na produção de uvas finas de mesa da forma convencional, sem cobertura plástica, as perdas ficavam em torno de 40% decorrentes das chuvas na época da maturação. “As coberturas atuam também como uma barreira contra os agentes danosos da atmosfera e sobre o controle da época de colheita, que podem dar segurança e flexibilidade aos produtores, na comercialização da uva”, destaca o produtor.

Venturin salienta que o uso de cobertura diminui em 70% os tratamentos fitossanitários, diminuindo as aplicações de fungicidas, pois nos ambientes cobertos não há água livre, o que diminui a capacidade de infecção das plantas e dos frutos. Com a cobertura plástica pode-se estender o período de colheita em torno de 30 dias, deixando a uva no vinhedo, colhendo somente quando saí do pico de safra, e com um ponto de maturação melhor. “O consumidor nota a diferença, sendo que as uvas protegidas são sempre mais doces”, completa.

Atualmente a propriedade está com 3 hectares de cultivo coberto sendo dois de uvas finas (Itália, Rubi, Benitaka) e um de Niágara Rosa. O custo de implantação de um vinhedo protegido hoje fica em torno de R$ 220 mil ao hectare sem a mão de obra contratada, ou seja, estrutura feita pelo próprio produtor. Contempla a instalação do vinhedo, estrutura de cobertura e irrigação. Caso a mão de obra for contratada, esse custo passa de R$ 300 mil ao hectare.

O produtor informa ainda que o manejo no cultivo protegido na cultivar Niágara Rosa, por ser rústica, não requer conhecimentos adicionais em relação ao cultivo convencional. No caso das cultivares mais sensíveis como as uvas finas de mesa e para vinho, o produtor terá que realizar vários manejos no dossel vegetativo, facilitando a entrada de luz do sol, diminuindo assim a pressão de doenças e pragas típicas do cultivo protegido.

A diferença

Toda a estufa é um cultivo protegido, mas nem todo o cultivo protegido é estufa. Comumente, o conceito de estufa, entendido como ambiente fechado, se aplica mais à olericultura, em culturas, além do morango, como tomate, pimentão e pepino. "Também está havendo grande migração desses cultivos para estufa", relata o agrônomo do Escritório Central da Emater/RS-Ascar, Gervásio Paulus. As regiões onde há maior migração são as de Rio Pardo, Santa Cruz e Candelária, tradicionais áreas fumageiras. A fruticultura também utiliza o ambiente protegido, mas na forma de sombrites e não estufa, para resguardar plantios de uva de mesa, por exemplo, do impacto da chuva e do granizo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895