Renda que sai da água

Renda que sai da água

Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura consolida normas para incentivar a atividade no Rio Grande do Sul

Por
Nereida Vergara

O governador Eduardo Leite sancionou no dia 31 de maio a lei que institui a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura. Especialistas consideram o novo regramento um avanço porque vai possibilitar que mais de 50 mil pequenas propriedades que já cultivam espécies aquáticas possam regularizar suas atividades e investir nelas como alternativa econômica.

O texto da lei descreve os critérios de preservação que os empreendimentos terão de obedecer, como a proteção de taludes contra a erosão e a instalação de dispositivos que impeçam a fuga de peixes para fora dos viveiros. Estabelece ainda as obrigações do poder público em relação à atividade, entre elas a desburocratização dos processos de licenciamento ambiental. Os produtores terão 30 meses para adaptar suas instalações. A nova lei também gera a expectativa de, com regras seguras, atrair investimentos para a área, como a instalação de indústrias de beneficiamento das espécies cultivadas.

“A aquicultura não é o primo pobre da agricultura”, ressalta a veterinária Renata Melon Barroso Bertolini, chefe de Serviço de Aquicultura e Pesca da Divisão de Aquicultura e Pesca da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no Rio Grande do Sul, lembrando que, proporcionalmente, a atividade vem crescendo mais do que as outras em diversos estados e tem potencial de se multiplicar em terras gaúchas pela boa disponibilidade de água. “Essa indústria (vinculada à aquicultura) tem crescido 10% ao ano no Brasil”, observa.

Segundo o representante da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e secretário-executivo do Conselho Gaúcho de Aquicultura e Pesca Sustentável (Congapes), Ricardo Núncio, o Estado tem cerca de 3 mil empreendimentos produzindo pescados de forma intensiva, com vistas a atender a indústria, principalmente com tilápias. Os demais aquicultores, que são maioria, criam basicamente a carpa, adaptada ao clima  e de fácil manejo.

Aprovada a política para a área, caberá ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) revisar as regras para o licenciamento das atividades. A tarefa de emitir as autorizações é da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam) e pode ser delegada aos municípios quando para áreas de até cinco hectares destinadas especificamente à piscicultura. Na nova regulamentação, é possível que este limite passe para 10 hectares. 

Núncio entende que a  lei abre caminho para dar segurança jurídica aos municípios para licenciarem a aquicultura. Ele recorda a recorrência de problemas no Estado para estabelecer a atividade aquícola dentro dos parâmetros ambientais, incluindo o licenciamento de águas públicas com este fim e a longa disputa judicial para a liberação do cultivo de tilápias na Bacia do Alto Uruguai, entre 2002 e 2019, solucionada com a liberação, pelo Ibama, há dois anos.

O extensionista e assistente técnico estadual para a aquicultura e piscicultura da Emater/RS-Ascar, João Alfredo de Oliveira Sampaio, afirma que a produção de pescado no Estado vem crescendo por ser uma atividade de fácil implantação. “A lei vai estimular a produção daqueles que cultivam o pescado para consumo, para o pesque e pague e também para abastecimento da indústria”, diz.

O assessor de Meio Ambiente e Pecuária Familiar da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Guilherme Velten, elogia a nova lei. Ele lembra que a entidade participou da construção da proposta, a qual vai  tirar muitos aquicultores da informalidade.

Há 13 anos tendo a aquicultura como principal fonte de renda da propriedade de 9,7 hectares, em Rolante, o produtor Renato Kohlrausch acredita que a lei vai acabar com um problema comum entre os que desejam investir no setor: o de não saber se foram cumpridas todas as exigências, por não existir uma norma unificada.

Primeiro aquicultor licenciado no município, voltado exclusivamente ao cultivo da tilápia, com 12 tanques escavados e duas estufas aceleradoras de crescimento, Kohlrausch chegou a ter a própria agroindústria para abater a produção que, antes da pandemia, atingia 80 toneladas por ano. A agroindústria foi vendida e, neste ano, ele projeta uma “safra” de 45 toneladas, 20 toneladas para o pesque e pague e o restante para a indústria. “Mas está bem difícil, os custos mais que dobraram e eu consegui repassar só 30% para meu preço”, reclama.

Em nota divulgada antes da aprovação do PL 78/2021, que originou a lei, um grupo de entidades defensoras do meio ambiente criticou a proposta. As entidades afirmam que não houve discussão técnica com a sociedade. “As atividades, como criação de peixes, camarões e moluscos exóticos poderão gerar poluentes, pelo uso de grande quantidade de rações”, diz a nota, assinada pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Associação Ijuiense Proteção ao Ambiente Natural (Aipan), Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (Apedema), Associação dos Servidores da Fepam (Asfepam), Centro de Estudos Ambientais (CEA), Instituto Ingá, Instituto Mira-Serra, Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema) e União Protetora do Ambiente Natural (Upan). O secretário-executivo do Congapes, Ricardo Núncio, adianta que as dúvidas das entidades poderão ser debatidas na fase de regulamentação da lei.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895