Solo sadio para combater a seca

Solo sadio para combater a seca

Produtor ainda falha no manejo e acaba levando os terrenos ao esgotamento

Por
Thaíse Teixeira

Chegamos à terceira safra de grãos de verão cultivada sob os efeitos do La Niña. Embora tenham sido primordiais e excelentes para a cultura do trigo no inverno, o baixo volume pluviométrico e os pontuais eventos extremos não trarão o mesmo efeito às lavouras de grãos. Tampouco beneficiarão hortaliças, frutas e verduras. Embora o Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul (Copaaergs) tenha previsto um primeiro trimestre de 2023 em condições de chuva próximo da média na maioria das regiões do Rio Grande do Sul, a escassez hídrica dos últimos três meses de 2022 já trouxe grandes perdas às lavouras de milho e à implantação da soja. “Vemos uma propriedade com perda total no milho e outra fazenda ao lado em boas condições”, detalha o gerente técnico da Emater/RS-Ascar, Alencar Rugeri.

Um exemplo está no levantamento recente da Rede Técnica Cooperativa (RTC/CCGL), que engloba 20 cooperativas gaúchas associadas ao sistema. Segundo os dados, há produtores que enfrentam sua quarta temporada de estiagem, contabilizando perdas acima de 70% na safra de milho. A pesquisa aponta também que, em 50% dos grupos avaliados, as perdas são estimadas em mais de 50% com relação à expectativa inicial de colheita do grão. 

Além do milho, a cultura de soja também já começou a ser prejudicada com atraso no plantio. A falta de umidade do solo fez com que cerca de 10% das áreas destinadas à soja ainda não fossem semeadas, colocando o produtor sob o risco de perder a janela de plantio estabelecida pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) do Ministério da Agricultura (Mapa), condição básica para o acesso ao financiamento e ao seguro rural oficial. O reflexo da escassez hídrica também aparece no desenvolvimento das plantas, pois 15% das sementes plantadas não emergiram. 

E se já está difícil para quem investe permanentemente na manutenção do potencial produtivo da terra onde planta, está praticamente inviável para quem nem, sequer, faz o básico para garantir o mínimo de produtividade e de vida útil de seus terrenos. “Grande parte do problema da seca em nossos solos tem se agravado porque eles perderam a capacidade de reservar água, assim como de absorver fertilizante”, explica o extensionista rural da Emater, Marcelo Biassusi. Segundo ele, também se observa um volume de raízes muito pequenas, com o desenvolvimento prejudicado pela incapacidade de absorção de água e nutrientes pela terra compactada. “Temos visto solos muito compactados em que a água não desce, não infiltra, só escorre por cima. As raízes vão de 10 centímetros a 15 centímetros. Em duas semanas que não chova, o produtor já começa a sentir o problema”, revela. 

As dificuldades mais comuns estão, além do alto custo dos insumos, na falta de análise da terra, para que sejam identificados os nutrientes faltantes, e, consequentemente, de correção adequada. Conforme Biassusi, há problemas também na utilização de práticas inadequadas no manejo. “Vemos produtor entrando com equipamento muito pesado na lavoura, em condições de umidade, o que pode compactar o solo. Também observamos a falta do uso de plantas de cobertura”, exemplifica. 

Solos muito movimentados também acabam gerando condições adversas aos cultivos, pois se tornam desestruturados e compactados. A situação muito é vista na olericultura, onde, a cada dois meses, os canteiros precisam ser refeitos após pulverização extrema. “De início, mexer na terra é interessante, mas toda vez que o produtor revira o solo está colocando oxigênio para dentro dele”, detalha Biassusi. Com isso, os micro-organismos mineralizam a área e consomem sua matéria orgânica, que se constitui em um dos principais elementos estruturantes do solo. 

“Excesso de revolvimento prejudica demais essa questão física, tem que dar condições que as raízes absorvam os nutrientes e água, Quanto mais problemas de solo, mais bactérias ele terá. Consequentemente, prejudicará a resposta das plantas, levando o produtor a abandonar a área e, por vezes, a propriedade”, relata o extensionista. 

Cuidados em longo prazo minimizam danos

Manutenção estratégica da terra é capaz de reduzir em até 30% as perdas das lavouras durante feroz escassez hídrica, quando praticamente só conseguem se salvar, no Rio Grande do Sul, os plantios com irrigação disponível

O clima temperado subtropical do Rio Grande do Sul é outro fator que aumenta a necessidade de investimento na nutrição e na qualidade da terra. Embora ajude o processo de formação do solo, conta com duas estações muito bem definidas, porém, com extremos de temperatura. Dessa forma, há algumas regiões possuem limitações não encontradas em outras. “Na região da Campanha, os solos muito férteis, mas quando falta água, ele chega a rachar. E, quando está úmido demais, fica extremamente plástico, dificultando o trabalho com máquinas”, aponta o extensionista da Emater-RS/Ascar, Marcelo Biassusi. A diferença é vista com relação a Alegrete, onde há grandes bancos de areia e o solo é muito raso. Já na área do Planalto, explica, a terra é mais fértil e estruturada, pois é rica em basalto. 

Enquanto isso, a Depressão Central conta com solos de granito, onde a fertilidade é menor e a textura conta com maior quantidade de areia. “O RS foi agraciado, digamos assim, por uma variabilidade espacial de solo muito grande. Temos solos formados de arenito, granito, basalto. E têm muita variabilidade, principalmente na região da grande Porto Alegre”, compara o especialista. 

Para acertar a mão e manter o solo em condições adequadas à produção, é preciso, primeiramente, resolver a equação entre as necessidades químicas, físicas e biológicas da área a ser cultivada. As mesmas, porém, precisam estar em consonância com o microclima, o meio ambiente e a capacidade de resposta da terra, o que, no Rio Grande do Sul difere bastante de uma região para outra. “Tem que mexer com critérios, com condições de umidade adequada número de plantas em cima do solo que permite fazer trabalho com equipamento, fazer as descompactação, romper essa camada adensada, Mas, para isso, o equipamento tem que estar bem calibrado. Se a potência do trator não está adequada, ele pode não romper essa camada e piorar a condição da terra”, alerta.

  Gabriel da Silva, engenheiro agrônomo da unidade da Cooperativa CVale localizada em Catuípe, na região de Ijuí, afirma que os 400 agricultores atendidos pela unidade já registram perdas de até 70% na safra 2022/2023 de milho | Foto: CVale / Divulgação / CP.

Em períodos de escassez hídrica severa, praticamente, só as lavouras irrigadas se salvam. Mas é fato que um solo devidamente nutrido e com a capacidade de armazenamento de água em dia faz muita diferença. Seja para absorver ao máximo a pouca e esparsa chuva, seja para estruturar raízes mais profundas e capazes de aguentar o tranco, a manutenção estratégica da terra é capaz de reduzir em até 30% as perdas nas lavouras durante esses períodos. É o que diz Gabriel da Silva, engenheiro agrônomo da unidade da cooperativa CVale localizada em Catuípe, na região de Ijuí, uma mais atingidas pelo fenômeno La Niña no Estado. 

Apesar de os 400 agricultores atendidos pela unidade já registrarem perda de 70% na safra 2022/2023 de milho não irrigado, quase todos implantaram a soja. “As lavouras conseguiram se estabelecer bem, restando cerca de 10% de semeadura ainda a ser feita, mesmo com as chuvas irregulares nas últimas semanas”, relata Silva. Em outras regiões do Estado, segundo levantamento conjuntural semanal da Emater/RS-Ascar de 22 de dezembro, há problemas para o estabelecimento inicial da cultura, com necessidade de replantio em algumas localidades. Em outras, só foi possível semear onde as precipitações foram suficientes para restabelecer a umidade dos solos.

O trabalho da CVale Catuípe tem como prioridade a construção de um perfil de solo capaz de armazenar água, mesmo com pequenas quantidades de chuva, para que seja possível enfrentar períodos de dificuldades climáticas (como a seca) sem consequências drásticas. Nessa luta, a principal batalha fica por conta das raízes que, em solo mais úmido, tornam-se maiores e capazes de buscar nutrientes em níveis mais profundos da terra. “Cada centímetro a mais de raiz aumenta em 1,2 litros a capacidade de absorção de água da planta por dia”, esclarece Silva. O contrário ocorre em solos compactados, onde não há aproveitamento nem da metade da água. 

O primeiro passo é mapear as características dos solos, utilizando agricultura de precisão com grid de 1, 2 ou 3 hectares. O diagnóstico é apresentado ao produtor, orientado dentro de um manejo de longo prazo, previsto em cinco anos para que o solo tenha as condições ideais. Porém o que faz mesmo a diferença é tratar cada pedaço de chão de forma única. “Fazemos correção de solo com calagem, gessagem e fertilizantes em longo prazo, formando um perfil de até um metro de profundidade. Muitas vezes, conseguimos tirar um nutriente ou recomendar outro em dose maior em função da necessidade de cada área, não fazemos correção cega”, explica Silva.

Foi o que ocorreu na implantação dos 9 mil hectares de trigo da safra de inverno deste ano pelos 332 associados da CVale Catuípe. Com grande residual de fertilizantes proveniente da safra de soja, nutrida para uma colheita entre 70 sacas e 80 sacas por hectare, e frustrada pela forte estiagem do último verão, o produtor conseguiu diluir alguns custos e recuperar o investimento perdido. “Isso também fez com que eles não precisassem poupar na correção do solo, pudessem usar todas as doses recomendadas e tivessem o máximo rendimento na lavoura”, ressalta o agrônomo. 

Os 33 mil hectares de soja previstos para 2022/23 precisaram de reposição nutritiva porque foram muito demandados pela safra recorde de trigo. Porém, não antes das orientações provenientes dos diagnósticos de solo e de plantas. “Também fazemos análise foliar para avaliar o que efetivamente está conseguido ser extraído do solo”, lembra Silva.

Alicerce para o nascimento e a vida das plantas

Diagnósticos químicos, físicos e biológicos do solo são fundamentais para a escolha das tecnologias e das opções de manejo que o agricultor pode adotar para garantir a fertilidade das áreas em que semeia sua produção 

O manejo do solo deve ser permanente e duradouro. Assim como a saúde é essencial à manutenção da vida humana, é também à produção de alimentos. Como num ciclo infindável, uma sustenta a outra. Durante a existência, as pessoas, periodicamente, precisam repor elementos químicos, físicos e biológicos perdidos, seja com vitaminas, exercícios físicos ou mesmo medicações. O mesmo acontece com o solo, que está para a segurança alimentar assim como o corpo físico está para a vida humana. Um é essencial ao outro. Não há um sem o outro. Marcelo Biassusi, extensionista da Emater-RS/Ascar, ainda vai mais longe. “De início, o médico vai pedir exames. O mesmo acontece na agricultura, onde temos três tipos de análises: a química, que vai apontar as deficiências nutricionais, a visual, onde conseguimos verificar algumas características, e a de perfil, na qual verificamos in loco a infiltração de água, a coloração, a compactação e a profundidade da camada de terra”, ressalta.

Para o agrônomo da Mosaic Fertilizantes, Fernando Hansel, os cuidados com o solo são tão importantes quanto os alicerces na construção de uma moradia. “A produtividade das culturas é como se fosse uma parede, uma construção que é a soma de vários tijolinhos, vários degraus que vamos subindo, aos poucos, até construir uma produtividade alta”, compara. Neste cenário, o principal fator limitante, para Hansel, está na base, ou seja, na calagem do solo, feita de forma assertiva somente após análise de solo . “A calagem seria o alicerce. A partir daí vamos utilizar diferentes tecnologias”, diz. 

A escolha dos produtos e das tecnologias e a forma como se dá o manejo do solo o agrônomo compara aos tijolos e às paredes da construção. “Somente depois de garantir a estrutura das áreas que serão plantadas é que será possível avaliar os “tijolos” que serão usados nas paredes. À medida que fomos colocando mais tijolos na construção, melhoramos em genética, materiais fitossanitários, materiais de proteção de cultura, tecnologia de nutrição, até que a produtividade começa a aumentar”, brinca. E coloca na mão do agricultor o poder de “sair de um prédio de dois andares para outro de dez”, segmentando e trabalhando de acordo com as necessidades nutricionais de cada talhão da propriedade. 

Para entender a fertilidade do solo e suas condições, assim como um médico confere a saúde humana, o engenheiro agrônomo precisa testar os elementos químicos da terra para apontar as deficiências nutricionais; visualizar suas características e traçar seu perfil in loco para verificar as características de infiltração de água, coloração, compactação e profundidade das camadas | Foto: CVale / Divulgação / CP. 

A nutrição determinará, segundo ele, a exata altura da construção, a partir de agora, no sentido literal da produtividade. Mas de nada adiantará ter os melhores produtos se não houver água e garantia de fertilidade ao solo. “Não adianta ter a melhor genética e o melhor tratamento de solo se não houver água disponível”, alerta. Há de atentar também às exigências de cada tipo de solo, de acordo com sua constituição, textura, localização, etc, pois se trata de um conjunto de fatores essencial à definição do uso de água e de nutrientes no manejo. “Alguns resultados são mais fáceis de ser obtidos com produtos móveis. Outros, não. As plantas precisam de equilíbrio, o que é passível de ser alcançado com o uso da fonte correta, na quantidade adequada, usada no momento certo e da forma recomendada. “É o famoso conceito dos 4 Cs: a fonte certa, na dose certa, na hora certa e no local certo”, reforça, destacando ser essa a base para a construção de um panorama de alta eficiência no uso de nutrientes com foco num manejo sustentável.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895