Uma safra promissora

Uma safra promissora

Captura do camarão na Lagoa dos Patos começou em fevereiro e deve render 6 mil toneladas

Por
Angélica Silveira

Os pescadores do Sul do Estado iniciaram a captura do camarão em 1º de fevereiro com a expectativa de que esta seja a melhor safra dos últimos anos, capaz de igualar ou superar as 6 mil toneladas contabilizadas em 2013. Com cerca de 3 mil matriculados, as colônias dos municípios localizados às margens da Lagoa dos Patos, como Rio Grande, São José do Norte, Pelotas , São Lourenço do Sul e Tavares respondem por cerca de 40% da pesca do crustáceo no Estado, segundo estimativa da Emater/RS-Ascar.

A boa perspectiva para a temporada é justificada pela observação do movimento das águas. “A pouca chuva ocorrida desde setembro baixou o nível da lagoa e facilitou a entrada de água do oceano“, explica a extensionista da Emater em Pelotas, Márcia Vesolosquzki. “Com a água salgada, a entrada do camarão é certa”, complementa. O crustáceo, que na lagoa é capturado somente com redes, é vendido pelos pescadores diretamente ao consumidor, em feiras, nas peixarias das colônias (chamadas de salgas) e também para grandes empresas de Santa Catarina.

A safra do camarão é a que gera maior movimento econômico na Colônia Z3, em Pelotas “Se a primavera e o início do verão forem chuvosos, é certo que não haverá safra e consequentemente irá diminuir a circulação de dinheiro na comunidade”, observa Márcia. Em anos de bons volumes, como este, o preço tende a cair porque há aumento de oferta. “Ao pescador é pago bem pouco”, afirma a extensionista. “Já ao consumidor o produto chega a um preço bem maior, devido a todo o custo que há com limpeza, refrigeração, transporte e logística”, complementa. “São necessários dois quilos de camarão sujo para conseguir um quilo do produto limpo.”

Conforme o presidente da Colônia de Pescadores Z1 em Rio Grande, Nilton Machado, nos primeiros dias de captura liberada na região, já é possível perceber que o camarão está espalhado por todo o estuário com a salinização da água. Mas os pescadores já detectaram um problema típico das safras fartas, o preço baixo. “Houve casos de venda a R$ 2 o quilo e de comprador rejeitando o camarão pela grande quantidade de oferta”, observa Machado, lamentando ainda que pessoas não registradas para a atividade tenham antecipado a pesca e tirado a “novidade” do início oficial da temporada.

Em Rio Grande, dos pescadores que vão para a lagoa com documentação, 90 são mulheres. Uma delas é Viviane Alves, de 40 anos. Ela vive na Ilha dos Marinheiros e está na atividade desde 2005, quando conheceu o marido, Paulo Carvalho, também pescador. “Estava no segundo grau (ensino médio) quando me casei e, então, além de um marido, ganhei uma profissão”, recorda. Os dois têm um filho, de 18 anos, que tem a mesma profissão dos pais e quer entrar na Marinha.

Viviane conta que em época de safra acorda às 5h para tirar a rede da Lagoa e que em anos bons a família chega a pescar 400 quilos por dia. Na sequência dos afazeres matinais, ela escolhe o camarão e coloca as baterias da rede para carregar. “Como o que atrai o camarão é a luz, a gente usa bateria na rede”, explica. Por volta das 10h, ela faz a primeira refeição do dia e depois coloca o camarão para gelar. Por volta das 18h, o casal volta a colocar a rede na lagoa. “É na safra que conseguimos guardar dinheiro para o restante do ano. A deste ano deve ser boa, mas, por outro lado, o preço deve ser baixo, acredito que em torno de R$ 2 o quilo para o pescador artesanal”, projeta.

Viviane reclama que houve pescadores pegando camarão e vendendo pelas redes sociais antes da época certa. “Teve gente pescando e vendendo a R$ 5 o quilo enquanto nós, pescadores legalizados, temos que esperar o momento permitido para entrar na lagoa”, compara. “Falta fiscalização”, destaca. Para ela, o maior problema é que a captura predatória é feita por pescadores irregulares que levam os crustáceos antes de chegarem ao tamanho mínimo, de 9 centímetros, em fevereiro. “Isto prejudica no preço e na quantidade da safra legalizada”, lamenta. Este ano, por causa da pandemia, a família decidiu deixar fechado o restaurante de frutos do mar que mantém na Ilha.

Entre os pescadores regularizados também são comuns as queixas contra atravessadores que adquirem grandes quantidades de camarões para comercializar em Santa Catarina. “Na verdade, somos explorados, pois eles compram da gente a R$ 3 o quilo e saem vendendo até a R$ 10”, observa Viviane. Ela conta que muitas vezes o atravessador leva o camarão e paga somente em 30 dias.

Mesmo com os problemas que observa, Viviane garante que não trocaria de profissão. “Ela me proporciona muita liberdade, inclusive de viver no meio da natureza, comer comida boa, não ter patrão. Claro que quando começa a safra o dia deveria ter 40 horas para dar tempo de descansar, mas o trabalho é compensador.” Machado diz que o atravessador tem sido um problema que vem crescendo para os pescadores de Rio Grande, mas que tem conversado com a Prefeitura sobre uma forma de melhorar a situação. “Além da lei da pesca, temos estimulado a valorização da indústria e da agroindústria para poder comercializar o produto na cidade, mas infelizmente isto ainda não é possível”, comenta.

O Secretário de Agricultura, Pesca e Cooperativismo de Rio Grande, Bercílio Luiz da Silva, diz que pretende criar um grupo de trabalho para tratar das questões levantadas pela produção primária, o que inclui a pesca. “É necessário ter organização para ter poder de barganha frente a esta situação”, sustenta. “Pretendemos incentivar pequenas agroindústrias para agregar valor ao comércio do produto”, revela, admitindo, no entanto, que “para esta safra não há mais tempo de fazer nada a não ser torcer que seja boa”.

Correio do Povo
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