Dos campos de várzea da Restinga aos gramados da Europa: conheça a trajetória de Raphinha, atacante do Barcelona
Mãe do jogador relembra as dificuldades e obstáculos que precisaram enfrentar até que o brasileiro chegasse na elite do futebol mundial

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“Os grandes protagonistas da noite foram Robert Lewandowski e principalmente Raphinha, que no momento mais inesperado marcou o gol que instaurou a loucura do Barcelona no Estádio da Luz. Seus números começam a ser escandalosos e provavelmente terminará a temporada com dados que o posicionam como candidato à Bola de Ouro". O texto é da edição de 22 de janeiro do jornal espanhol Mundo Deportivo. Foi publicado logo após a vitória por 5 a 4 do Barcelona em cima do Benfica, pela Liga dos Campeões.
O protagonista citado acima vive na Espanha, mas é “Cria da Restinga”. Antes de vestir a blusa do time catalão, balançou as redes rasgadas dos campos de futebol da periferia de Porto Alegre. Durante sua caminhada, o brasileiro precisou superar obstáculos e dificuldades para, com muita luta, se tornar o camisa 11 do Barcelona.
A característica de segurar a bola sempre foi a sua personalidade. Quando novo, era considerado “fominha” pelos colegas, conta a mãe, Lisiane Belloli: “Ele podia ser fominha, mas era um dos um dos craques do time, nunca chegou a participar de peneiras”, disse. Seu pai, Rafael Belloli, era músico, mas também jogava nos times de várzea na região da Restinga. Raphinha o acompanhava e era gandula das partidas. Dessa forma, teve seus primeiros contatos com a bola e foi pegando gosto pelo esporte.
A mãe conta que começou como uma brincadeira e depois migrou para as escolinhas. “Ele pedia para participar de alguma coisa, de algum jogo, de um clube. Então, a gente fazia sempre com que ele participasse dos campeonatos de várzea, o objetivo era ele se divertir”. Não demorou muito e Raphinha e a bola nunca mais se desgrudaram.
Os primeiros passos
O time do Udinese, da própria Restinga, gerenciado pelo seu primo Marco Aurélio, conhecido como Caco, foi onde tudo começou. Porém, o jovem não conseguia ficar parado e na mesma época, jogou também pelo Monte Castelo, igualmente da Restinga. “Quando não tinha vaga no Monte Castelo, ele ia para Copacabana, jogava em vários clubes ao mesmo tempo. Onde convidasse, ele queria ir, queria jogar”, comenta Lisiane.
Durante a infância, Raphinha rodou por diversos times. Passou pela escolinha do Inter, e depois, foi para a base do Grêmio, mas não permaneceu por um longo período. O atacante era considerado franzino e com baixa estatura, o que se mostrou ser uma falha na avaliação dos gaúchos. De qualquer forma, essa definição afligia o atleta durante a fase da pré-adolescência. “Ele era excluído mesmo, rejeitado. Sempre deixado em segundo plano. Não foi fácil essa época”, diz a mãe do atacante. Foi então que surgiu a proposta de ir a São Paulo, com apenas 15 anos, para jogar nas categorias de base do Audax.
Para Raphinha e família, a mudança de estado foi um dos momentos mais difíceis naquela época. “O emocional arrasava com a gente, porque teve várias vezes que ele dizia: ‘Mãe, eu quero voltar para casa, eu não consigo, tá difícil’”, relembra Lisiane. Porém, por mais que existisse essa insegurança, o jogador permaneceu na equipe paulista até a proposta para ir para Santa Catarina. Passou por alguns times até chegar ao Avaí, quando conseguiu se destacar e teve a oportunidade de disputar o Brasileirão.
Logo depois, surgiu a proposta do Vitória Guimarães. Era Portugal, a chance de sair do país. Para isso, precisou da cidadania europeia, que por sorte, obteve graças à descendência italiana de seu pai. Assim, Raphinha se separou da família e deixou o Brasil, com apenas 18 anos, para voar solo. “Foi muito difícil, a gente apostou nele. Eu fiquei meses sem ver o meu filho”, conta a mãe. “Ele se sentiu angustiado, longe de tudo, deixou de viver a juventude para trabalhar, me ligava falando que queria voltar, e eu tinha que segurar. Fui até lá para brigar com ele uma vez. Eu não podia deixar ele desistir e fingia que estava bem”, revela.
A ida para a Europa
O atacante aproveitou a chance. Iniciou no grupo B do time português, mas não demorou muito tempo até deslanchar e ser promovido ao elenco principal. Com isso, a vida do atleta mudou rapidamente, principalmente na questão econômica, o que deu a possibilidade da família estar mais perto.
Durante quatro anos, jogou, além do Vitória Guimarães, pelo Sporting, e, depois, pelo Rennes, da França. Em 2020, surgiu a oportunidade que mudou para sempre a vida do jogador: a chance de disputar a Premier League, defendendo o Leeds United. Sem hesitar, viajou para Inglaterra, onde permaneceu durante duas temporadas.
“A faculdade dele foi o Leeds". É assim que Lisiane descreve a passagem do filho pelo clube inglês. Muito desse sentimento se deu por conta da relação com Marcelo Bielsa, seu treinador na época. “O Bielsa buscou, desenvolveu, acreditou no Rapha, fez com que ele aprendesse”, relembra.
Durante a passagem pelo time, o brasileiro foi o destaque absoluto. Em sua última temporada salvou o Leeds do rebaixamento. De 35 jogos da Premier League, Raphinha foi decisivo ao anotar 11 gols e dar três assistências. A temporada foi essencial para que o brasileiro atingisse as duas maiores conquistas de sua carreira: a ida para o Barcelona e a convocação para a Seleção Brasileira.
Passagem pela Seleção
Em agosto de 2021, veio a primeira convocação. Por um instante, apesar da alegria momentânea, o atacante se viu dividido, pois no momento que vestisse a “amarelinha”, representar a Itália, seu segundo país, não seria mais uma opção. “Ele estava no auge ali e se viesse uma proposta, como seria? 'Será que eu quero defender a minha nação?’, que de fato é a nação dele, em que ele se criou e nasceu ou o 'lugar onde me deu as oportunidades e eu construí minha carreira?'”, ressalta Lisiane. “Mas o sonho dele era vestir aquela amarelinha, então foi a decisão certa. Naquele momento, eu percebi o quão grande o meu filho era, caiu a ficha de onde estávamos”, conclui.
Infelizmente, a vontade imensurável de defender a Seleção Brasileira não foi o bastante para o jogador ter bons momentos com a equipe. O atacante faz parte de uma geração desacreditada, que apresenta um futebol de raras alegrias aos brasileiros nos últimos anos. Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026, a atuação do Brasil segue péssima.
Recentemente, Raphinha deu uma declaração polêmica. Durante uma entrevista ao podcast do ex -jogador Romário, na noite anterior ao duelo Brasil x Argentina, em que falou “vai ser porrada neles”. As consequências foram provocações dentro e fora do campo, por parte dos argentinos, e também a derrota para a Argentina em Buenos Aires por 4 a 1 - resultado que acabou custando o cargo do técnico Dorival Júnior.
Lisiane afirmou que a fala do filho foi tirada de contexto. “ O torcedor ama e odeia ao mesmo tempo. Eu acredito que quando ele se colocou, com essas palavras, mais em questão de garra, eu vou lá e eu vou lutar, fazer acontecer. Ao menos tentar, mas, infelizmente, o resultado não veio. Espero que ele tire uma lição desse jogo, um aprendizado ”, disse.
Dos dribles nos campos brasileiros a destaque do Barcelona
O desafio mais difícil da carreira do brasileiro também foi o mais aguardado. Para o menino que corria nos gramados ralos da Restinga, vestir a blusa do Barcelona era um sonho inimaginável. “Ele estava muito seguro da escolha dele, teve certeza desde o primeiro momento. Eu só acreditei quando eu vi ele sendo apresentado e vestindo a camisa do clube”, comenta Lisiane.
Raphinha foi anunciado pela equipe catalã em 2022, mas o destaque no clube só veio na atual temporada. Artilheiro da Liga dos Campeões, o atacante está deslanchando na Europa. Superou os números de Kaká e Neymar e se tornou o brasileiro com mais gols em uma só edição da Champions. Chegou aos 47 pelo Barcelona e igualou Ronaldo Fenômeno.
Estes são alguns dos números e recordes dessa temporada, que, sem sombra de dúvidas, é a melhor do Raphinha. A cereja do bolo pode ser o sonho de qualquer jogador de futebol: a conquista da Bola de Ouro. Quem duvida?