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‘O Inter foi uma vítima absurda’, afirma diretor de Máfia do Apito

Diretor da série Máfia do Apito fala sobre os bastidores da produção, a polêmica decisão de 2005 e o impacto do documentário que reacendeu o debate sobre o título brasileiro

Bruno Maia dirigiu o documentário que reacendeu entre os colorados a luta pelo título de 2005
Bruno Maia dirigiu o documentário que reacendeu entre os colorados a luta pelo título de 2005 Foto : DIVULGAÇÃO FTM / CP

O lançamento da série Máfia do Apito, uma produção da Feel The Match lançada no mês passado, reacendeu uma antiga polêmica que ainda traz más lembranças, especialmente para a torcida colorada. Em três episódios, o documentário aborda o escândalo de manipulação de resultados do Campeonato Brasileiro de 2005, que prejudicou o Inter na busca pelo título. No fim, o Corinthians acabou campeão após a anulação de 11 partidas apitadas por Edílson Pereira de Carvalho, em uma decisão controversa do então presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Luiz Sveiter.

Em vez de aguardar a análise individual de cada uma das 11 partidas nas quais o árbitro atuou, conforme previa a legislação desportiva, Sveiter optou por anulá-las todas de uma só vez, tirando o Inter da liderança e colocando-o na terceira posição. O time colorado teve um jogo anulado — que havia vencido — e o venceu novamente, mantendo os pontos. O Corinthians, por sua vez, teve duas partidas anuladas, ambas com derrotas, mas acabou vencendo uma e empatando outra, recuperando quatro pontos que se mostraram decisivos.

O Inter terminou o Campeonato em segundo lugar, três pontos atrás do Corinthians. Agora, os dirigentes colorados se movimentam nos bastidores para gestionar junto à CBF a “divisão” daquele título.

O Correio do Povo conversou com o diretor de Máfia do Apito, Bruno Maia, sócio da Feel The Match, na manhã desta quinta-feira. Ele disse estar satisfeito com a repercussão da série e afirmou considerar justo o pleito do Inter de dividir o título daquele ano.

CP: Qual foi a motivação para retomar um assunto que completa 20 anos agora? Era um tema que parecia até adormecido, esquecido... Qual foi a motivação de vocês?
Bruno Maia: Eu trabalho com cinema, com audiovisual. E, como diretor, eu tenho dois lados: o de produtor e o de diretor. Como diretor da série, o que me interessa ali é que a história é inacreditável — muito, muito incrível. Tudo o que aconteceu parece pouco crível. Não só a história do apostador e do árbitro comprometido, mas também tudo o que estava em volta, né? A investigação dos jornalistas, a aproximação com o Ministério Público, a entrada da Polícia Federal... E o delegado da Polícia Federal vaza a matéria para outra emissora. Esse mesmo delegado, anos depois, virou deputado, foi cassado porque vazava informações sigilosas de uma operação da PF e hoje é foragido da polícia. É tudo muito inacreditável. Então, o futebol é apenas um pano de fundo. Eu estou sempre em busca de histórias que eu acho incríveis como essa. Aliás, eu acho que o cinema no Brasil pode se aproveitar mais do futebol para refletir, se enxergar, falar e discutir o próprio país. Essa história tem muitas camadas que refletem a gente como sociedade. Se alguém assistir à série com mais atenção, vai perceber que nenhum personagem sai ileso. Em algum momento, você pensa: “Cara, mas essa atitude dessa pessoa, nessa hora, era o certo a se fazer?”

CP: Após fazer a série, você acha justificado o sentimento de injustiça alegado pelos colorados há 20 anos?
Bruno Maia: Superjustificado, superjusto. O que não significa que eu ache que o Corinthians não mereceu o título, tá? Eu acho que as duas coisas são compatíveis. O Inter foi uma vítima absurda de toda a história. Menos pelo erro direto do Edílson, e mais pelas consequências dele, que foram a repetição dos jogos, o que acabou favorecendo o Corinthians. E tem a infelicidade do Márcio Rezende, que também é uma vítima dessa história. O torcedor pode não gostar disso, mas o Márcio é uma vítima — porque, se não houvesse tudo o que aconteceu antes, o impacto do erro dele naquele jogo seria outro. A história daquele jogo seria outra. Aquele lance (o pênalti sobre o Tinga) talvez nem acontecesse. Então, o Márcio acabou ficando marcado, e muitas vezes as pessoas confundem a Máfia do Apito com o erro do Márcio naquele jogo. A série tem a preocupação de esclarecer: olha, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Enfim, a indignação do Inter é superlegítima. Eu acho que o Inter teria sido campeão brasileiro. Agora, também acho que o Corinthians não tem culpa alguma nisso. Na nossa pesquisa, nunca encontramos um indício sequer de que o Corinthians tenha feito algo suspeito para ficar com o título.

CP: O Corinthians teve uma oportunidade e aproveitou...
Bruno Maia: Exato. O título do Corinthians é merecido. O Inter deveria ter sido o campeão? Deveria. Eu acho que as duas opiniões são totalmente conciliáveis. O Inter foi vítima e perdeu um campeonato que eu sei que, para os colorados, dói muito até hoje.

CP: O Inter está se movimentando nos bastidores, e a gente tem a informação de que, nas próximas semanas — talvez dias —, o clube vai entrar com um pedido na CBF para dividir o título. Hipoteticamente, se você fosse chamado a opinar sobre isso, qual seria a sua posição?
Bruno Maia: Para um assunto como esse, acho que é uma deliberação jurídica e técnica, e eu não tenho capacidade para fazer essa análise. Então, falando pelo meu sentimento: eu acharia incrível se o título fosse dividido. Para mim, o mais importante, como diretor, é ver uma obra acontecendo e mexendo com a vida das pessoas a ponto de elas se mobilizarem.

CP: Aquela história toda ficou marcada também por embates marcantes, inclusive em programas de TV ao vivo, entre o então presidente do Inter, Fernando Carvalho, e o então presidente do STJD, Luiz Zveiter. Os dois foram entrevistados para a série. O Zveiter, em algum momento das entrevistas, demonstrou arrependimento de alguma atitude que tenha tomado naquele processo?
Bruno Maia: A entrevista foi longa. Mas, pelo que me lembro, o Zveiter demonstra arrependimento por ter tomado a decisão de maneira monocrática. Tenho a impressão de que esse é o arrependimento: ele poderia ter levado o caso ao colegiado e feito de outra forma. Não acho que ele se arrependa do contexto geral da história. Ele acabou atraindo uma pressão talvez desnecessária pela forma como conduziu o processo. Então, acho que há um arrependimento pela forma, mas não pelo mérito. E, se você me perguntar, acho que no lugar dele teria tomado uma decisão, infelizmente, parecida.

CP: O Edílson, logo depois de a série ir ao ar, deu uma entrevista ao canal no YouTube do Duda Garbi, jornalista aqui de Porto Alegre. Ele disse que ficou contrariado com a forma como os produtores agiram com ele. Alegou ter se sentido enganado pela produção e até afirmou que deram cerveja para ele antes das gravações. Além disso, teria entrado na Justiça contra a produtora. Como você vê essas alegações?
Bruno Maia: Sobre a questão judicial, o Edílson move, neste momento, um processo contra uma produtora parceira do projeto — uma produtora associada, que foi quem o encontrou, negociou a entrevista e fez o acordo com ele. Quando essa produtora me procurou — são amigos meus, já sabiam da história e a gente vinha conversando —, disseram: “Cara, a gente conseguiu”. E eu respondi: “Então tá, se a gente tiver essa entrevista, eu compro os direitos para poder fazer a série”. Eu não tenho relação direta com o Edílson. Nunca tive. Estive com ele apenas uma vez, acompanhando a entrevista. Essa entrevista foi adquirida como se adquirem direitos de imagens de campeonatos ou de arquivos. Isso faz parte do processo de produção de um documentário. A nossa empresa é citada como parte interessada, mas eu acompanhei todas as negociações, conheço todos os contratos e tenho muita tranquilidade quanto à seriedade de tudo que foi feito em relação ao Edílson.

CP: E sobre as reclamações dele...
Bruno Maia: O Edílson está exercendo o direito dele, o que é democrático. Ele tem todo o direito, e acho que a Justiça está aí para avaliar. Sobre ele não ter gostado ou ter ficado chateado com o resultado da série, não posso responder. Cada um faz sua trajetória e toma suas atitudes.

CP: Ele não poderia esperar ser elogiado na série, né?
Bruno Maia: Eu garanto que nunca foi prometido a ele nenhum elogio. Talvez ele tenha ficado surpreso. Mas ele colaborou várias vezes com a série e, depois, mudou de opinião. Não tenho o que dizer. Lamento muito, fico triste. Sempre digo: essa não é uma série sobre o Edílson — é uma série sobre o futebol e sobre o Brasil. O Edílson é um personagem importante, mas eu não tenho a menor vontade de tripudiar sobre ele. A gente cruzou dezenas de outras informações de caráter pessoal que não entraram na série porque não interessavam à história. O que mostramos é como o personagem já tinha, antes, algumas atitudes que poderiam ser consideradas pequenas fraudes — e ele mesmo confessa isso.

CP: Muito material, horas de entrevistas e apurações devem ter ficado de fora da série. Há algum planejamento para o lançamento de uma versão mais completa, com mais material?
Bruno Maia: O melhor da história está ali. Se algum repórter quiser investigar mais, há informações disponíveis. As pessoas podem buscá-las, mas não é o meu papel profissional. Apesar de ser jornalista de formação, eu quero fazer uma história que tenha necessidade, verdade e apuro jornalístico como recurso de trabalho. Mas, no final do dia, eu quero que você sente e veja uma história que te tire o fôlego. Que uma pessoa que nem gosta de futebol assista e diga: “Caraca, que loucura isso!”. Que tenha aquele suspiro de um filme de ação.

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