O cometa interestelar 3I/ATLAS tem sido alvo de notícias sensacionalistas na internet. Segundo o astrônomo do Observatório Nacional (ON), Dr. Jorge Márcio Carvano, é importante esclarecer o que realmente se sabe sobre esse raro visitante vindo de fora do Sistema Solar e compreender por que ele tem despertado tanto interesse e também desinformação, conforme veiculado pelo governo federal brasileiro.
Ao longo das observações, os astrônomos determinaram que a órbita do cometa não é fechada em torno do Sol, diferentemente dos objetos do Sistema Solar, o que o caracteriza como um corpo interestelar.
“Esse é um objeto que veio de fora do Sistema Solar, vai passar a alguma distância do Sol e depois se afastará para nunca mais voltar”, explica Carvano.
Trata-se apenas do terceiro objeto desse tipo já descoberto, e seu nome reflete isso: “3I” indica o terceiro objeto interestelar identificado e “ATLAS” faz referência ao projeto que o descobriu. Observações mostraram que o 3I/ATLAS está envolto em uma nuvem de poeira característica dos cometas, razão pela qual também recebeu a designação C/2025 N1: o primeiro cometa detectado na primeira quinzena de julho de 2025.
Estrutura e funcionamento dos cometas
Conforme explica Carvano, os cometas são formados por misturas de gelos, poeira e outros compostos, e percorrem órbitas muito alongadas, isto é, com grande variação na distância ao Sol ao longo da órbita. Quando se aproximam da estrela, o aumento da radiação eleva sua temperatura, fazendo com que os gelos sublimem – passem do estado sólido diretamente ao gasoso – e liberem a poeira aprisionada.
A sublimação pode ocorrer na superfície ou em camadas internas, onde o gás acumulado escapa sob pressão por fendas, formando jatos de gás e poeira. Esse material se acumula ao redor do cometa em uma nuvem chamada “coma” e, ao ser empurrado pela radiação solar, dá origem às “caudas”. Esses jatos podem ainda alterar levemente a órbita do cometa.
“Essas comas e caudas podem se estender por dezenas de milhares de quilômetros, e como a poeira reflete a luz solar, o brilho dos cometas aumenta bastante conforme se aproximam do Sol”, explica o pesquisador.
A maioria dos cometas do Sistema Solar tem núcleos com diâmetro de até 10 quilômetros – valor aproximado, já que são objetos irregulares. “Pense em uma batata”, observa Carvano.
Origem e trajetória do 3I/ATLAS
O 3I/ATLAS é, portanto, um corpo de gelo e poeira formado ao redor de outra estrela da galáxia, provavelmente expulso durante a formação de seu sistema planetário. Após uma longa jornada pelo espaço interestelar, ele agora atravessa o nosso Sistema Solar.
Por ser apenas o terceiro objeto interestelar identificado, o 3I/ATLAS oferece aos astrônomos uma oportunidade rara de estudar outro sistema planetário. “O cometa está sendo observado por muitos pesquisadores, e cogita-se até a possibilidade de redirecionar sondas que estudam outros objetos para tentar observá-lo de mais perto antes que deixe o Sistema Solar para sempre”, destaca Carvano.
Sensacionalismo em torno do cometa
Sobre o sensacionalismo em torno do 3I/ATLAS, Carvano explica que parte disso é natural, já que se trata de um objeto incomum e interessante, que merece divulgação. No entanto, a forma sensacionalista das informações reflete o tempo em que vivemos, em que cada segundo de atenção nas redes sociais é disputado por pessoas e robôs em busca de cliques.
Apesar das teorias de conspiração que circularam nas redes sociais, a comunidade científica é unânime: o cometa 3I/ATLAS não representa absolutamente nenhum perigo de colisão com a Terra.
Mas dois fatores amplificam o sensacionalismo, segundo ele. Primeiro, os astrônomos divulgam quase em tempo real resultados preliminares em fóruns públicos — repositórios de artigos ainda não revisados.
Essas informações são então coletadas e publicadas por pessoas e robôs sem verificação ou contextualização, sendo repetidamente replicadas e cada vez mais sensacionalistas.
Outro fator é a existência de um pequeno grupo de físicos e astrônomos que simpatizam com hipóteses de visitas alienígenas ao Sistema Solar. Desde a descoberta do 3I/ATLAS, eles publicaram artigos sugerindo que o objeto poderia ser uma sonda alienígena. Essas publicações são altamente especulativas, combinando dados frequentemente preliminares com hipóteses nem sempre justificáveis.
“A imensa maioria dos astrônomos que tem estudado este objeto não vê nenhuma razão para esse tipo de associação”, esclarece.
Alegações sensacionalistas
Segundo Carvano, notícias sensacionalistas sobre o 3I/ATLAS mencionam “supostas anomalias”, “trajetória suspeita” ou que seria “massivo demais para ser um cometa”, entre outros pontos.
Sobre as “anomalias”, Carvano explica que o cometa se formou em outro sistema planetário, com composições e processos possivelmente diferentes dos do nosso Sistema Solar, e passou talvez bilhões de anos viajando pelo espaço interestelar. “É esperado que ele seja diferente dos cometas do Sistema Solar em alguns aspectos. O que surpreenderia os astrônomos seria se fosse completamente normal”, afirma.
Trajetória e órbita
Com relação à trajetória, Carvano explica que as órbitas dos planetas do Sistema Solar estão próximas de um mesmo plano:
“Usando o plano de órbita da Terra (“eclíptica”) como referência, as órbitas dos demais planetas têm inclinações de uns poucos graus: inclinações próximas de zero seguem esse plano, 90 graus são órbitas perpendiculares, e acima de 90 graus indicam órbitas retrógradas (o corpo gira em torno do Sol no sentido contrário ao movimento orbital da Terra)".
Segundo Carvano, os dois primeiros objetos interestelares tinham órbitas bastante inclinadas em relação à eclíptica, mas o 3I/ATLAS tem pequena inclinação e cruza a órbita da Terra.
“Após a descoberta, pesquisadores entusiastas de contato alienígena publicaram um artigo não revisado sugerindo que essa trajetória facilitaria manobras para colocar o cometa em uma órbita que interceptasse a da Terra, especulando a sequência de tais manobras para atingir este fim. Esse artigo deu origem às associações recorrentes entre 3I/ATLAS e ETs”, explica.
No entanto, a trajetória de um objeto interestelar depende de sua origem, não de um destino intencional. O fato de o primeiro objeto interestelar detectado - 1I/'Omuamua - ter uma inclinação orbital em relação à eclíptica de quase 60 graus não impediu que o mesmo grupo de autores sugerisse na época que ele também era uma nave espacial. Ejetados de seus sistemas planetários, esses corpos podem vir de qualquer direção.
“Portanto, não há motivo para supor que o fato de o 3I/ATLAS ter uma inclinação pequena e cruzar a órbita da Terra signifique algo além de coincidência”, afirma Carvano.
Massa do cometa causa controvérsias
Já sobre a massa do cometa, Carvano explica que essa “confusão” surgiu nas primeiras observações, quando ainda não se sabia que se tratava de um cometa. Os astrônomos estimaram seu tamanho apenas com base no brilho observado, assumindo tratar-se de um asteroide e sem considerar a luz refletida pela coma. Isso levou a uma estimativa inicial de 12 quilômetros de raio – maior que a dos outros objetos interestelares, mas compatível com cometas do Sistema Solar.
Posteriormente, a partir de melhores dados e levando em conta a coma, a melhor estimativa atual para o raio do objeto está entre 200 metros e 3 quilômetros, aproximadamente. Para referência, os outros dois objetos interestelares tem, segundo as estimativas, raios menores que 1 quilômetro.
“Além de se basear em dados preliminares, a desinformação surgiu da falta de contexto”, explica Carvano. O que estava sendo dito na época pelos pesquisadores é que este objeto interestelar parecia ser grande demais em relação aos outros dois já observados, mas o que foi parar nas chamadas das matérias foi apenas que ele era “grande demais”.
- Detectado terceiro objeto interestelar a passar pelo Sistema Solar
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Jatos de poeira e caudas
Outra suposta anomalia seria o “lançamento de poeira em direção ao Sol”. Carvano explica que a direção dos jatos depende da distribuição dos gelos no núcleo e de diversos fatores físicos. Os cometas giram em torno de um eixo, com períodos de rotação que variam de horas a dias, e conforme o eixo, o calor solar e a composição do núcleo, os jatos podem se direcionar ao Sol ou em outras direções.
A eficiência da radiação solar em empurrar as partículas também varia conforme seu tamanho e propriedades. Assim, embora as caudas geralmente se formem na direção oposta ao Sol, caudas voltadas para ele – as chamadas “anti-caudas” – também são observadas em cometas do Sistema Solar.
Por fim, Carvano explica que todos os compostos detectados no 3I/ATLAS já foram observados em cometas do Sistema Solar; o que muda é a proporção entre eles. Isso, segundo o astrônomo, não surpreende, já que o cometa se formou em um ambiente muito diferente.
Nasa e observações astronômicas
Além de tudo isso, várias matérias recentes sobre este objeto fazem alusão a um suposto “silêncio da NASA”. Carvano observa, porém, que não é atribuição da Nasa comentar constantemente a respeito de todas as atualizações sobre todos os eventos astronômicos que estão acontecendo em um dado momento.
Ainda que a Nasa tenha uma grande relevância para a atividade astronômica atual, ela não tem controle sobre a astronomia no mundo. Se por alguma razão alguém na Nasa resolvesse manter segredo sobre alguma descoberta astronômica, isso não impediria que essa descoberta eventualmente fosse feita e divulgada por outros astrônomos.
Protocolo de defesa planetária
Com relação ao protocolo de proteção planetária ativado pela Nasa, amplamente divulgado na Internet, Carvano explica que existe a International Asteroid Warning Network (IAWN), uma colaboração internacional que visa aumentar a cooperação entre pesquisadores para descobrir e refinar a órbita de pequenos objetos do Sistema Solar, identificando rapidamente aqueles que possam representar risco de colisão com a Terra.
A IAWN é formada por profissionais de várias agências espaciais e da União Astronômica Internacional (IAU), mantendo vínculos com a ONU, mas a maioria dos membros são pesquisadores independentes. A organização promove campanhas de observação para treinar participantes e testar protocolos.
Em 21 de outubro, uma dessas campanhas foi convocada para melhorar as medições de posição do 3I/ATLAS, visando caracterizar variações na trajetória causadas pelos jatos de gás e poeira, que tendem a se tornar mais intensos após a passagem do cometa pelo periélio em 29 de outubro.
Esses dados ajudam a entender os processos de sublimação e a estimar melhor sua massa, mas não há nenhuma possibilidade desses pequenos desvios que podem ser observados venham a produzir qualquer risco de colisão com a Terra.