No horizonte, redução histórica da área de trigo

No horizonte, redução histórica da área de trigo

Preços baixos, oferta limitada de sementes, dificuldades com seguro e decepção de produtores com a safra anterior estimulam a decisão do setor que prevê redução entre 15% e 20%, mais que o dobro previsto pela Conab

Poti Silveira Campos

Área da cultura deve diminuir

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O plantio da safra de trigo de 2024 no Rio Grande do Sul, previsto entre os meses de maio e julho, deverá ocorrer sob uma redução histórica da área destinada à cultura, mais do que dobrando a queda prevista pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No último dia 11, na sétima estimativa da safra de grãos divulgada este ano, a Conab indicou uma diminuição de 6,5% na terra reservada para a gramínea em relação ao ano passado – baixaria de 1,5 milhão de hectares para 1,4 milhão, aproximadamente. Nos cálculos dos produtores gaúchos, no entanto, o índice atingiria entre 15% e 20%, ficando abaixo de 1,2 milhão de hectares. Se confirmado o percentual acima de 11 pontos será o maior decréscimo de área para o trigo desde 2016, quando teve início uma tendência de ampliação até agora não interrompida.

“Não concordo com os números divulgados”, diz o presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva das Culturas de Inverno do Ministério da Agricultura e Pecuária e diretor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim, que aponta percentuais de 15% ou 16%. Salientando desconhecer a metodologia empregada pela companhia federal, Élcio Bento, analista de mercados da consultoria Safra & Mercados, afirma que a redução pode ser de até 20%. Com eles concordam o diretor executivo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (Fecoagro/RS), Sérgio Feltraco, e o diretor executivo da Associação dos Produtores de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), Jean Carlos Cirino.

De acordo com Jardim, a avaliação da Conab desconsidera os principais fatores que podem levar o produtor gaúcho a optar por uma área menor para o trigo: a frustração com a safra anterior, o baixo preço pago pela commodity no mercado internacional neste momento, a insatisfação dos produtores com operações com o seguro e a oferta limitada de sementes para o próximo plantio. “Aliás, a redução não será somente no Rio Grande do Sul. Também será no Paraná, onde acontecerá uma redução maior, segundo o Departamento Economia Rural (órgão do estadual paranaense), pelos mesmos fatores”, diz Jardim. Os dois Estados, segundo a Conab, concentram mais de 80% da produção tritícola do Brasil. Para Élcio Bento, além do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo teriam “queda bastante acentuada”, somando, em todo o país, 12%. Para a Conab, a diminuição nacional seria de 4,7%.

Sérgio Feltraco destaca que a variação da redução também ocorrerá em áreas distintas do Rio Grande do Sul. “O que acontece neste momento é que o produtor está atrasado. Nesta época, já teria tomado a decisão. Em algumas regiões, como Noroeste e Missões, que são mais tradicionais na produção de trigo, a área pode ser preservada. Em outras, como Central e Nordeste, poderá haver um impacto maior”, afirma. Bento, por sua vez, diz acreditar, “pessoalmente”, na possibilidade de ocorrer uma reavaliação. O analista considera que o produtor pode mudar a percepção em relação aos resultados da colheita, principalmente em razão de uma recuperação das cotações, a exemplo do que tem acontecido na Argentina. “Até o momento da colheita pode haver um novo estímulo ao produtor, até porque a safra de soja está muito boa no sul, apesar dos preços mais baixos. O produtor pode ver no trigo que a situação é melhor este ano para conseguir equilibrar um pouco a redução da rentabilidade da soja. Pode ser uma aposta”, diz Elcio Bento.

No momento, o preço atual de R$ 60 por saco revela-se pouco atraente diante dos custos previstos. “O investimento do produtor hoje é em torno de uns R$ 3,5 mil por hectare. Custo com semente, adubo, ureia, fazer todos os tratos culturais, pagar a depreciação de suas máquinas, plantio”, diz Jardim. Este preço implica, portanto, a necessidade de produção de 55 sacos por hectare apenas para cobrir os custos de produção. “Hoje, os custos não se pagam. Para isso, teríamos de ter aumento de produtividade e isso implica alta tecnologia, investimento para ao menos empatar as contas”, explica o dirigente da Farsul.

A estimativa de safra 2023/2024 da Conab é de que o país produza 9,7 milhões de toneladas, contra 8 milhões de toneladas da safra anterior, com um aumento de 20,2%. Em relação à produtividade, o crescimento seria de 26,1%, com 2,9 mil quilos por hectare neste ano, ante 2,3 mil quilos por hectare obtidos no ano de 2023.

No Rio Grande do Sul, a produtividade atingiria 3,12 mil quilos por hectare, superando em 61,7% os 1,93 mil quilos por hectare de 2023. A produção seria 51,1%, totalizando 4,37 milhões de toneladas diante de 3,12 milhões de toneladas no ciclo anterior. A análise dos percentuais deve considerar que “a safra de inverno do ano passado foi muito prejudicada por excesso de chuva. Tivemos El Niño, a partir de setembro, coincidindo com o período crítico de definição de produtividade e qualidade das culturas de inverno. Tivemos uma frustração horrorosa na safra de inverno”, lembra Jardim.

Seguro agrícola é gargalo para o triticultor

Pequenos produtores terão maior dificuldade para acessar a contratação, em razão da cobertura ser considerada insuficiente, do alto preço das apólices e das mudanças nas regras Programa de Garantia da Atividade Agropecuária

Seguro deve prejudicar ainda mais o plantio | Foto: Luiz Henrique Magnante/Embrapa/Divulgação/CP

Um dos maiores problemas e motivadores de insegurança para a safra de trigo de 2024 entre os produtores gaúchos é o seguro agrícola. Coberturas consideradas insuficientes, alto preço e alterações no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), determinadas no início do mês pelo Conselho Monetário Nacional, são aspectos que deverão contribuir para a baixa contratação do serviço e influenciar a decisão de reduzir a área dedicada à triticultura em 2024.

“Seguro é um ponto que se destaca. O governo federal tomou decisões de reorientar a política do Proagro em relação a acesso e coberturas. Este novo enquadramento pode dificultar o acesso ao seguro. E mitigar riscos na cultura do trigo é fundamental”, diz o diretor executivo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (Fecoagro/RS), Sérgio Feltraco. Entre as principais alterações incluídas no Proagro, válidas a partir do dia 1º de julho, estão a redução do limite de cobertura de R$ 335 mil para R$ 270 mil por ano agrícola, das indenizações em operações com emergência nos períodos de Zoneamento Agrícola de Risco Climático e do teto para a Garantia de Renda Mínima.

O programa atende pequenos produtores especialmente aqueles da agricultura familiar, com recursos da União. Médios e grandes produtores, devem recorrer ao seguro agrícola propriamente dito.

Para o presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva das Culturas de Inverno do Ministério da Agricultura e Pecuária e diretor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim, “o seguro agrícola tem um problema gravíssimo para as culturas de inverno, que envolve qualidade.

A lavoura de trigo é uma cultura de risco. Tanto é que o exemplo do ano passado foi o mais marcante. O produtor teve frustração. Quando apelou para o seguro, o seguro não contemplava sua necessidade”. O mecanismo, de acordo com Jardim, não leva em conta a qualidade, pagando eventuais indenizações somente em razão de queda na produtividade, que, ainda assim, é reduzida. “O seguro agrícola estabelece uma produtividade esperada, e o que vale na indenização é a produtividade garantida, que é 65% da esperada”, explica.

Jardim sugere que o instrumento deveria passar por aperfeiçoamentos, principalmente “nos anos de chuva excessiva, que causam perda da qualidade por giberela. É o primeiro e fundamental passo para que mais gente venha a aderir ao seguro agrícola, além do preço alto”.

Uso de sementes certificadas deve
predominar nas lavouras do grão

Sementes certificadas são aposta para produtividade | Foto: Luiz Henrique Magnante

Sementes certificadas deverão ser utilizadas em 78% da área a ser plantada com trigo no Estado na safra de 2024. De acordo com o diretor executivo da Associação de Produtores de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), Jean Carlos Cirino, trata-se da “maior taxa” de aproveitamento do insumo da história da cultura em território gaúcho. Em 2022, o índice atingiu 58%. O aumento de uso do insumo é uma consequência das adversidades climáticas ocorridas durante a safra de inverno do ano passado, resultando em baixíssima produção de sementes próprias pelos triticultores locais.
O excesso de chuva, induzido pelo El Niño, tornou “muito difícil para o produtor guardar semente, pois o grão estava altamente comprometido em sua qualidade. Muitos não conseguiram deixar nem triguilho para plantar. Os sementeiros também tiveram sua produção e produtividade comprometidas. Houve um grande descarte de grãos e, consequentemente, temos poucas sementes para esta safra”, explica o presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva das Culturas de Inverno do Ministério da Agricultura e Pecuária e diretor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim. Além da perda quantitativa, a perda qualitativa: as sementes próprias devem apresentar menos força para germinação.
Nos cálculos da Apassul, a queda na produção de sementes chegou a 50%. Para 2024, estarão disponíveis 138 mil toneladas de sementes certificadas. “Vamos ter semente suficiente para atender uma área entre 1 milhão e 1,2 milhão de hectares”, diz Cirino, apresentando números que justificariam a previsão de redução de área de plantio do trigo no Estado, estimada entre 15% e 20%.

“A oferta e a demanda estarão muito ajustadas, e alguns cultivares muito demandados podem faltar”, complementa ele. Cirino também faz um alerta em relação à qualidade. “Como foi uma safra que teve como principal agravante o excesso de chuva, há um ambiente propício para fungos, o que torna indispensável o tratamento industrial da semente. O agricultor não pode economizar neste aspecto e nem abrir mão do melhor tratamento”, salienta.


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