Entulho em trilha no Mato do Júlio perturba moradores de comunidade indígena em Cachoeirinha

Entulho em trilha no Mato do Júlio perturba moradores de comunidade indígena em Cachoeirinha

Material foi depositado por empresa terceirizada da Prefeitura no último sábado para remover veículo atolado

Felipe Faleiro

Encanamentos são utilizados pelos Mbyá Guarani para a travessia entre a aldeia e a cidade

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No último sábado, uma empresa terceirizada contratada pela Prefeitura Municipal de Cachoeirinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi demandada para limpar o Arroio Passinhos, junto a uma área de matagal localizado no Mato do Júlio, refúgio natural do município, no bairro Parque da Matriz. Ocorre que tal serviço causou mais transtornos do que soluções tanto aos moradores da área urbana, quanto da aldeia indígena localizada nas dependências da área verde.

Já conhecido pela poluição extrema, o Passinhos, um dos afluentes do Rio Gravataí, foi considerado uma das origens dos resíduos que se acumularam no curso d’água e assombraram o Rio Grande do Sul em fevereiro. A Prefeitura, então, iniciou uma limpeza dos arroios, mas, quando se concentrou no Mato do Júlio, a máquina utilizada para o serviço atolou no terreno, segundo explica o tesoureiro da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí (APNVG), Leonardo Costa.

“Tentaram atravessar o arroio com o maquinário, e quando houve o atolamento, tiveram a ideia de colocar dois caminhões de entulho para conseguir tirá-la. Conseguiram a retirada, mas o entulho permaneceu”, conta ele, que também é professor. O terreno ficou revirado de sujeira, atrapalhando uma das únicas saídas da comunidade Mbyá Guarani, que tem uma aldeia dentro da estrutura do matagal, para o comércio local. 

Em nota, eles afirmam que o excesso de entulho é um “abuso de poder e cerceamento aos direitos de ir e vir dos Mbyá Guarani”, e “impede que as pessoas que prestam serviço no atendimento de saúde e educação consigam chegar até a comunidade” Os membros da comunidade atravessam do Mato para a rua por dois encanamentos que passam sobre o arroio. Embora rígidos, eles oferecem risco permanente, já que não há onde se apoiar caso haja quedas.

A situação foi denunciada pela deputada estadual Luciana Genro na tribuna da Assembleia Legislativa nesta semana. Ela enviou um ofício ao prefeito Cristian Wasem questionando a previsão de conclusão da limpeza. “Entendemos a importância de se limpar o arroio, mas isso precisa ser feito de forma responsável, com planejamento e promovendo realmente uma limpeza. O que estamos vendo é que os entulhos foram colocados em outro local, de forma que prejudica a comunidade indígena”, diz Luciana.

Ocorre que o entulho foi deixado junto a uma placa pedindo justamente que os moradores não coloquem lixo na área. O autônomo Jorge Rolff, morador do Parque da Matriz há 35 anos, afirma que há ainda outro problema no local, relacionado aos alagamentos. O arroio, que exala um mau cheiro constante, alaga quando chove, invadindo a rua Tijuca, que passa na lateral do Mato do Júlio. “Dificilmente a Prefeitura faz alguma coisa aqui. Agora que fez, causou esta bagunça”, reclama ele.

Costa diz que a narrativa inicial afirmava que a passagem da comunidade Mbyá Guarani havia sido totalmente impedida em razão dos trabalhos da Administração, o que, na visão dele, não havia acontecido. “O objetivo deles [Prefeitura] não era obstruir a passagem. O que houve de fato foi o descarte irregular de dois caminhões de entulho”, salienta o tesoureiro da APNVG. “Mas existe necessidade de uma política pública série e comprometida com a preservação da natureza. Cachoeirinha é vista como a cidade do lixo, e isto precisa mudar”.

Procurada, a Prefeitura disse que o serviço foi responsabilidade de uma empresa terceirizada da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Urbanos, a FG Soluções Ambientais. “Eles não entenderam o cenário e erraram. Sabendo da situação, já pedimos a correção e vamos verificar se causou algum dano. Se positivo, tomaremos os processos legais cabíveis”, afirmou, em nota. “Estamos fazendo a devida apuração da situação para identificação dos responsáveis pela ação, bem como do local afetado para resolver o problema, providenciando a imediata limpeza”, encerrou.


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