Falta de monitoramento deixa Porto Alegre sem saber a qualidade do ar que respira

Falta de monitoramento deixa Porto Alegre sem saber a qualidade do ar que respira

Estações públicas da Capital foram desativadas, e índice de poluição é calculado somente em locais na região metropolitana

Felipe Faleiro

Porto Alegre tomada por fumaça das queimadas nas regiões Sudeste e Norte do Brasil

publicidade

Se Porto Alegre estivesse enquadrada no conceito de “major city”, ou grande cidade, da empresa suíça IQAir, nesta terça-feira seria a segunda mais poluída do mundo, atrás apenas de São Paulo, situada na indesejada liderança global entre elas. A qualidade do ar porto-alegrense medida pela companhia foi de 154 no período da manhã, conforme a concentração de material particulado (MP2,5), considerado “insalubre”, apenas quatro pontos abaixo da capital paulista. O resultado é visível na atmosfera, e principalmente no céu acinzentado, apesar do tempo firme e do calor.

Segundo a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), o MP2,5 é um dos principais poluentes atmosféricos, sendo o conjunto de partículas sólidas ou líquidas suspensas no ar inferiores a 2,5 micrômetros. A exposição prolongada a este material, capaz de penetrar profundamente nos pulmões e na corrente sanguínea quando inalado, está associada a problemas de saúde, como asma, bronquite e enfisema, além de aumentar o risco de ataques cardíacos, derrames e câncer de pulmão.

Contribui ainda para problemas de nascimento prematuro e baixo peso de bebês ao nascer. De acordo com a MetSul Meteorologia, a fumaça das queimadas na América do Sul vem causando o efeito de céu cinza, trazendo também ao estado o ar quente, elevando as temperaturas a marcas superiores a 30 graus. Não apenas o Rio Grande do Sul sofre com o problema, mas ainda áreas das regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e toda a região Sul.

A IQAir, que trabalha em apoio com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), diz que a medição em Porto Alegre foi feita utilizando estimativas de satélite, já que não há estações de monitoramento da qualidade do ar na cidade com a maior população e frota veicular do RS. E mesmo com a presença da pluma cinza dificultando a vista do horizonte e perturbando os moradores, o Boletim de Qualidade do Ar da Fepam afirmava que a classificação do ar na última segunda era “boa” em todas elas, localizadas em Canoas, Esteio, Gravataí e Guaíba, na região metropolitana.

Infográfico mostra causas da fumaça em suspensão no Rio Grande do Sul | Foto: Leandro Maciel

Além destas, há ainda mais duas no estado, dentro da Rede Ar do Sul, instituída em dezembro de 2001, em Triunfo e Rio Grande. Porém, em tese, nenhuma das que funciona é de responsabilidade da própria Fepam, mas de empresas, e todas só são atualizadas uma vez ao dia. A Capital em si chegou a ter três, nos bairros Santa Cecília, Centro Histórico, ambas descontinuadas, e Jardim Botânico, esta inoperante. As estações do estado não funcionam desde 2010, enquanto as de responsabilidade da Prefeitura, no Centro Histórico, Humaitá e Azenha, foram desligados em 2015.

Porto Alegre, emitiu em 2022, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, 2,3 milhões de dióxido de carbono equivalente (CO2e), com a maioria concentrada na área de transporte de passageiros e resíduos em saneamento básico. Até 2006, conforme a plataforma, a Capital emitia cerca de um terço do que solta na atmosfera agora, porém houve um salto nas emissões após 2007 e uma ligeira queda em 2020 e 2021, durante a pandemia da Covid-19.

A Prefeitura também já fez duas edições do Inventário Municipal de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), em parceria com consultorias, com resultados similares. Em dezembro de 2023, Administração estimava investir R$ 3 milhões para instalação de equipamentos de monitoramento do ar na cidade, segundo disse o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade e atual chefe do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática, Germano Bremm, disse na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O que dizem os órgãos públicos

A ideia, conforme a Smamus, era priorizar bairros identificados pelo Plano de Ação Climática, como Bom Jesus, Vila João Pessoa, Bom Fim e Cidade Baixa, assim como áreas de grande fluxo veicular. Procurada para atualizações do projeto, a secretaria disse que a contratação “ainda está em fase de elaboração de Termo de Referência para depois seguir para licitação”. “Trabalhamos para contratar serviço de qualidade o mais breve possível”, disse a Smamus.

A Fepam, por sua vez, chegou a pedir ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) a utilização de recursos do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL) para ampliar a rede de monitoramento e reduzir o tempo de atualização dos dados, mas, também segundo a Fepam, o órgão não concedeu aprovação, justificando que o valor pedido era maior do que o teto disponível. Atualmente, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) realizou novo projeto e está em busca de ampliação, com recursos próprios do estado.

Questionada, a fundação não revelou onde seriam estas novas estações. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), nove em cada dez habitantes globais respira ar com altos níveis de contaminantes, enquanto sete milhões de pessoas, das quais 650 mil crianças, morrem anualmente pela exposição a partículas finas. Na segunda-feira, 100% da população brasileira estava exposta ao ar com concentração de MP2,5 acima do recomendado pela OMS. Em Porto Alegre, o índice de qualidade do ar estava doze vezes além do considerado adequado.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895