Impedidos ou receosos: moradores de áreas atingidas pela cheia em Porto Alegre não conseguem voltar para casa
Parte das famílias afetadas no extremo sul da Capital não têm mais onde morar; na zona Norte, alguns proprietários optaram por abandonar imóveis
publicidade
Passados mais de dois meses, as comunidades que vivem em diversos pontos de Porto Alegre transformados pela enchente lidam com uma nova realidade: lugares antes habitados agora estão praticamente vazios, e mesmo onde há a tentativa de restabelecer a rotina, há quem tenha abandonado seus imóveis.
As placas anunciando venda ou aluguel de prédios comerciais e residenciais estão por toda parte nos bairros São Geraldo, Vila Farrapos e Humaitá, na zona Norte da Capital. Os telefones de contato estampados nas publicidades representam a esperança de deixar para trás os dias difíceis vividos há décadas por conta de recorrentes alagamentos, transtornos ampliados pela inundação histórica de 2024.
“A dona já tinha vontade de vender, só que agora, se ela não negociar, vai alugar, porque não quer mais voltar”, afirma o aposentado Fernando Fernandes, que agora cuida o imóvel, uma casa com garagem localizada Avenida Padre Leopoldo Brentano, a poucos metros da Arena do Grêmio.
“Deixar a casa sozinha não é bom, por isso estou cuidando dia e noite”, explica Fernandes.
O entorno do estádio gremista tem outros exemplos de imóveis esvaziados depois da cheia. Na rua Victor Ely Von Frankenberg, nenhuma casa na quadra entre as ruas Affonso Robles Filho e Luiz Carlos Pinheiro Cabral estava aberta. O trecho, inclusive ainda está coberto pela lama trazida pela cheia. Duas ou três moradias apresentam grades e muros pintados, indicando que já foram recuperadas, uma delas oferecendo aluguel.
Na Frederico Mentz, além de casas, imóveis comerciais estão à venda. O proprietário de um dos prédios, que pediu para não ter o nome divulgado, afirma que não deseja mais permanecer no bairro Farrapos. “Perdi a confiança, alagava a rua quando chovia, mas o que aconteceu desta vez foi um trauma. O problema é negociar um prédio em uma região que todo mundo sabe ser frágil a este tipo de situação; para vender, tenho que aceitar um valor bem mais baixo do que vale”, lamenta.
Na zona Sul de Porto Alegre, a situação é semelhante. Locais próximos das margens do Guaíba permanecem tomados por escombros do que um dia foram bares, restaurantes e moradias. A destruição causada pela água no Lami e no Serraria tornou trechos mais próximos da orla em áreas praticamente sem habitantes.
No acesso 491, um beco do Serraria, praticamente todas as casas foram destruídas. A diarista Thayani Batista Rodrigo mora no local há 8 anos e perdeu a residência na qual vivia com o marido, Cássio.
“Só ficou a parte da frente, a porta e a área, que no caso era mais nova do que as outras partes”, explica a diarista, que completa 40 anos nesta sexta-feira e agora vive de aluguel.
“Fomos para casa do vizinho, ele nos alugou até que a gente consiga saber se vai dar para reconstruir no nosso terreno ou vamos embora”, conta.