Institutos de ciência e tecnologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre realizam trabalho de referência em Saúde
Trabalho realizado nos INCTs apresentam significativo impacto científico e tecnológico à sociedade e são fundamentais para o desenvolvimento profissional de pesquisadores e bolsistas brasileiros
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A ciência, por definição, é um mecanismo que oferece meios para a compreensão e a aplicação do conhecimento acumulado pela humanidade ao longo da existência. Além de proporcionar novas descobertas, estabelece critérios para que sejam validadas, registradas com segurança e transmitidas de forma fidedigna entre gerações.
Os aprendizados conquistados a partir de estudos, pesquisas e testes práticos formam e expandem as inúmeras as áreas do saber que nos ajudam a entender o mundo e moldam cotidianamente a vida em sociedade. E um dos campos do conhecimento que instrumentaliza o avanço humano é a Saúde.
São inúmeros os exemplos de conquistas que, de tempos em tempos, revolucionam o que se sabe sobre o corpo e as doenças que o acometem. Ato contínuo, surgem medicações, tratamentos e técnicas capazes de proporcionar bem-estar e longevidade.
Entrar em uma farmácia e pedir um antibiótico, algo tão recorrente nos dias atuais, só é possível por conta da associação entre curiosidade, práticas científicas e tecnologia. A Penicilina, que revolucionou o combate de infecções, a partir de 1928, não teria sido descoberta sem os avanços nos estudos sobre o comportamento de bactérias e outros micro-organismos, iniciados em 1673, e que, por sua vez, só ficaram visíveis a partir da invenção do microscópio, no fim do século 16.
Descobrir e aprimorar
O avanço científico na área da Saúde está diretamente ligado à pesquisa. Pelo mundo inteiro, profissionais, estudantes, centros universitários e conglomerados médicos e indústria farmacêutica dedicam-se a viabilizar novas técnicas e produtos que melhoram procedimentos, possibilitam curas, e ofertam mais qualidade de vida à população. Um destes polos de desenvolvimento é o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Além de ser um hospital público, geral e universitário, que atende pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em cerca de 60 especialidades e contribui para a formação de novos médicos desde 1971, a instituição é referência no Brasil e na América do Sul em pesquisa e inovação.
O Clínicas integra a rede de hospitais universitários Ministério da Educação (MEC), estando vinculado academicamente à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). E as pesquisas desenvolvidas no hospital possibilitam o tratamento de doenças raras e melhora até mesmo a eficácia de protocolos já consagrados.
Atualmente, a Diretoria de Pesquisa (Dipe) tem sob gestão 1,7 mil projetos voltados a humanos e animais. Mais de 7 mil pessoas estão envolvidas nos estudos, que conta ainda com mais de 29,4 mil voluntários atendidos no Centro de Pesquisa Clínica (CPC).
“A pesquisa é um dos eixos de atuação do HCPA, que busca gerar inovações para tratamentos, diagnósticos e prevenção de doenças na população. Ir a um hospital para realizar um exame é possível graças aos pesquisadores do passado. E quando, no futuro, estivermos comemorado a cura de uma doença grave, um novo exame diagnóstico, lembremos dos pesquisadores do presente”, sintetiza a diretoria de Pesquisa do HCPA, professora Ursula da Silveira Matte.
Parte destas iniciativas vêm do trabalho feito nos seis Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) sediados pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), são responsáveis por projetos de pesquisa de longo prazo e permitem a formação de redes de cooperação nacionais e internacionais. Além de apresentarem à sociedade de significativo impacto científico e tecnológico, são importantes para o desenvolvimento profissional de pesquisadores e bolsistas.
Resistência Antimicrobiana
Aprimorar o combate a micro-organismo nocivos à saúde de humanos e animais é missão do Instituto Nacional de Pesquisa em Resistência Antimicrobiana (Inpra). Além de desenvolver novas formas de detecção e ampliar o conhecimento dos mecanismos de resistência, este INCT atua de modo integrado com pesquisadores e instituições de outros estados brasileiros, compartilhando técnicas e instrumentalizando laboratórios para produção de dados que retratam a realidade deste campo científico no país.
“A epidemiologia no Brasil é diversa, como em todo o mundo. Embora as bactérias sejam as mesmas, os mecanismos de resistência são diferentes conforme as regiões”, exemplifica o coordenador do Inpra, professor Afonso Luis Barth.
Um dos trabalhos conduzidos pelo Inpra é o mapeamento e a avaliação das principais bactérias que causam infecções hospitalares no Brasil. Compreender as características e seus mecanismos de resistência, torna tratamentos mais eficazes e deixa os hospitais mais seguros do ponto de vista do controle da propagação de infecções.
O trabalho de pesquisa de doutorado da farmacêutica Laura Czekster Antochevis reúne bactérias coletadas em 14 hospitais de quatro das cinco regiões do país. São dados importantes, alguns inéditos, segundo o Inpra.
“É um estudo de prevalência. Estamos avaliando as bactérias multirresistentes em infeções de corrente sanguínea em pacientes hospitalizados em enfermaria e UTI. A primeira parte foi coletar amostras, 412 ao todo, e identificar quais bactérias associadas, o impacto de mortalidade destas infecções; não há no Brasil trabalho neste nível de detalhamento proposto”, explica a bolsista.
“Conhecendo detalhes dos agentes infecciosos em ambiente hospitalar, é possível reduzir o tempo de identificação da bactéria e aplicar o antibiótico de melhor desempenho já no início do tratamento. Quando o agente causador é desconhecido, até que os exames indiquem o caminho ao médico, a alternativa é aplicar os chamados antibióticos de amplo espectro, o que aumenta o risco de resistência e até mesmo elimina algumas das bactérias que estão presentes em nosso organismo mas que não são nocivas”, completa Barth.
Uma das pesquisadoras do Inpra é a professora do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFRGS, Andreza Francisco Martins. Ela coordena as atividades de sequenciamento e análise de dados.
“A gente consegue saber se a bactéria tem um mecanismo de resistência a determinado grupo de antibióticos. Por exemplo, a bactéria tem um gene que codifica uma proteína e degrada (anula) um antibiótico. Como sequenciamento, conseguimos olhar para o genoma dela e entender porque ela é resistente. Desta forma podemos auxiliar na melhor escolha de tratamento que será adotado pelo hospital”, detalha.
Esta tecnologia de sequenciamento foi aplicada pelo HCPA inclusive durante a pandemia do coronavírus. “Na época do SARS-CoV-2, quando os pacientes do Norte vieram aqui para o hospital, a direção pediu para fazermos a análise do genoma viral para identificarmos quais cepas do vírus estavam causando a infecção naqueles pacientes, para auxiliar no protocolo de tratamento e controle da disseminação”, relatou Andreza.
Além do sequenciamento, os projetos do laboratório utilizam outras técnicas como o PCR Digital para detectar genes que são exclusivos da bactéria e genes relacionados à resistência a antibióticos. Outro equipamento que também é utilizado no laboratório, MALDI-TOF, identifica a presença de proteínas bacterianas antes mesmo do crescimento abundante da bactéria. Na comparação com os métodos tradicionais, os resultados desta técnica apresentaram concordância em torno de 95% e sua principal vantagem é a rapidez do resultado, o que impacta na escolha do tratamento dos pacientes.
Oncologia pediátrica
Outro exemplo de ação importante vem do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia do Câncer Infantil e Oncologia Pediátrica (INCT BioOncoPed). Neste centro de pesquisa, uma das metas é integrar a comunidade de pesquisa no Brasil, em colaboração com grupos internacionais de excelência. Os estudos biológicos e clínicos desenvolvidos buscam modernizar protocolos de tratamento existentes e aumento dos índices de cura. Em Porto Alegre, integram o projeto o Instituto do câncer Infantil, a Ufrgs e o Hcpa.
“No adulto, conseguimos associar alguns tipos de câncer há décadas de exposição a um fator de risco, como cigarro, luz solar, mas como uma criança nasce com um tumor? Então, buscamos outro tipo de origem biológica. Felizmente, é mais raro do que o câncer adulto, apesar de ser a principal causa de morte por doenças em crianças”, define o coordenador do INCT BioOncoPed, professor Rafael Roesler.
A Bruna Almeida dos Santos é aluna de doutorado da Ufrgs e estuda desde 2019 a incidência do sarcoma de Ewing, um tipo agressivo de câncer que afeta sobretudo os ossos durante a infância. “Estamos investigando alguns alvos biológicos para entender a importância na evolução do tumor. Queremos saber se, ao bloquearmos os alvos, temos uma desaceleração da progressão tumorosa”, explica Bruna.
“Este estudo abrange pacientes de Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. São cerca de 800 pacientes acompanhados por dez meses em 35 hospitais do Brasil e outras 15 instituições fora dele”, revela o médico e professor da Ufrgs Lauro José Gregianin, um dos coordenadores da pesquisa.
A também mestranda da Ufrgs, Julia Vanini, pesquisa o medulbostoma, tumor que acomete principalmente o cérebro infantil. “Identificar inibidores de processos biológicos específicos permite a identificação de medicamentos que impeçam o crescimento do tumor”, resumiu.
Investimentos
Os avanços científicos na saúde são possíveis por meio de análises genômicas avançadas, sequenciamento, bioinformática, modelos celulares, desenho e síntese de novos compostos terapêuticos e ensaios clínicos, por exemplo. Contudo, é uma área que requer elevado investimento, que em países menos desenvolvidos dependem quase que exclusivamente de instituições governamentais.
“Quanto mais numerosas e ricas forem as populações, mais interessante é o investimento para a cura de uma doença. Enquanto que, nos países mais pobres, fica estagnado do ponto de vista de investimento privado para doenças mais raras. O câncer infantil pode ser considerado uma doença negligenciada pela indústria e depende de esforço público e de ONGs para pesquisa”, comenta Rafael Roesler.
Saiba mais – o HCPA sedia seis INCT do CNPq:
● Avaliação de Tecnologia em Saúde (Iats)
● Genética Médica Populacional (Inagemp)
● Hormônios e Saúde da Mulher (Hormona)
● Resistência Antimicrobiana (Inpra)
● Biologia do Câncer Infantil e Oncologia Pediátrica (BioOncoPed)
● Doenças Raras (InRaras)
“O fato de o HCPA sediar diversos INCTs é um motivo de orgulho para a instituição e se reflete diretamente no cuidado com os pacientes pelo do acesso a exames e tecnologias diferenciados, do desenvolvimento de estratégias terapêuticas e mesmo da avaliação do uso dessas novas tecnologias e sua aplicação mais ampla no sistema de saúde", reforça a diretora de Pesquisa do HCPA, professora Ursula da Silveira Matte.