Mais do que produção de alimento, uma ferramenta de dignidade: essa foi a principal mensagem defendida por representantes de cozinhas solidárias do Rio Grande do Sul em uma manifestação organizada nesta quarta-feira, em frente à Praça da Matriz, em Porto Alegre. A mobilização reuniu, na véspera do Dia Mundial da Alimentação, movimentos sociais e cozinhas de todo o Estado, exigindo desburocratização de editais públicos e apoio financeiro à estrutura de funcionamento das cozinhas por parte da prefeitura e do governo estadual. Os manifestantes deslocaram-se até o Palácio Piratini e, após, à Câmara de Porto Alegre.
Lucas Monteiro, do movimento Mãos Solidárias, defende que as cozinhas solidárias não podem ser vistas somente como emergenciais, mas como instrumentos permanentes organizados pelas comunidades para oferecer alimento digno à população vulnerável. “Nós produzimos uma carta aos governantes para que a gente possa apresentar qual é a realidade hoje das periferias brasileiras, sobretudo as gaúchas, e garantir os editais e o dinheiro que está previsto realmente sejam efetivados”, disse. Ele faz parte da Cozinha Solidária Vila Jardim, que servia refeições três vezes por semana, mas precisou reduzir para uma vez por semana por conta da baixa quantidade de doações.
A maioria das cozinhas são mantidas por meio de programas do governo federal, como o de Aquisição de Alimentos (PAA), e por meio de doações de Organizações Não-Governamentais e por movimentos sociais. “As cozinhas solidárias não são só a produção de alimento, elas são também a possibilidade que as pessoas têm de socialização, de acolhimento, de combate à violência institucional, doméstica, de todas as formas. O principal objetivo desse ato é que a gente consiga do poder público, principalmente do Estado e da prefeitura de Porto Alegre, mais direitos e orçamentos para as cozinhas”, afirmou.
Mariana Dambros, do grupo Levante Popular da Juventude, lembra que as cozinhas solidárias tiveram importante atuação durante a pandemia e a enchente, alimentando a população na periferia. “Em Porto Alegre, são 165 pontos populares de alimentação, que alimentam o povo no almoço, na janta e no café da manhã. Que são espaços de socialização, de educação. A gente constrói um processo de alfabetização com essas cozinhas. São ferramentas de organização popular também, além de garantir o prato de alimento, uma ferramenta de dignidade, de garantia de segurança alimentar e de organização”, diz.
"A gente quer que as cozinhas tenham vistas. Que a gente tenha recursos para a cozinha. A minha cozinha iniciou na enchente, né, quando as pessoas tavam precisando. A gente tem uma sede que é alugada. Não tem recurso com aluguel, com gás. É tudo por conta da gente, por conta da comunidade”, afirma Cristiane Silva de Oliveira, da Cozinha Solidária Prato Cheio. O espaço, localizada no bairro Glória, serve cerca de 900 refeições por semana, e conta com 20 voluntários.
Os manifestantes afirmaram que, apesar do governo do Estado ter, recentemente, mapeado Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional para se tornarem passíveis de recebimento de apoios financeiro e técnico de projetos e programas, ainda não foram contemplados com algum benefício. Ainda, que está tramitando um projeto de autoria na Câmara de Porto Alegre, da vereadora Comandante Nádia (PL), que estabelece regras para a distribuição de alimentos a pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade social na Capital. A reportagem entrou em contato com a secretaria municipal de Assistência Social e aguarda posicionamento. Nesta tarde, lideranças da manifestação serão recebidos pelo secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos, para discutir o assunto.
A Secretaria estadual de Desenvolvimento Social informou, em nota, que o governo estadual prevê a publicação de um edital até o fim do ano para transferência de alimentos aos Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PPSSAN) certificados, com investimento de R$ 20 milhões provenientes do Movimento Rio Grande contra a Fome. Ainda, que, em 2024, foi lançado o III Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Pesan), com vigência até 2027, para planejamento, gestão, execução e monitoramento da Política de Segurança Alimentar e Nutricional no RS. Outra iniciativa informada pela pasta foi o aumento no número de municípios gaúchos que integram o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que cresceu 1160% entre 2023 e 2025, passando de 5 para 63, abrangendo 40% da população gaúcha.
Outra ação foi a distribuição de mais de 149 mil cestas básicas para famílias em vulnerabilidade social de 415 municípios gaúchos entre 2023 e 2024. Parte dos alimentos foi adquirida da agricultura familiar e atenderam quem mais precisa ao mesmo tempo que garantiram apoio à agricultura familiar diversificada.
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Na última sexta-feira, dia 10, a Cozinha Solidária da Azenha, administrada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), foi interditada após ação entre o Corpo de Bombeiros. Mariana relaciona a situação a um ataque, e afirma que os pontos não têm estrutura adequada para se manterem. “A gente precisa que as cozinhas tenham segurança para funcionar, e não sejam fechadas de forma arbitrária, mas que sejam uma ferramenta de dignidade, de garantia de segurança alimentar e de organização”, afirmou.