“Tem sido um pesadelo”, diz morador há dois meses alojado em barraca na Ilha do Pavão
Além da frustração de não poder voltar depois da enchente, Ademir Rodrigues diz ainda que foi alvo de furtos

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Está sendo um desafio diário a vida de Ademir Soares Rodrigues e da esposa, Célia Regina Teixeira, moradores da ilha do Pavão, em Porto Alegre, há mais de dois meses morando em uma pequena barraca improvisada junto a BR 290, a cerca de cem metros da casa onde viviam antes das enchentes. A cheia devastou o local, impondo a eles também o medo da atuação de ladrões, que não faz muito tempo, levaram o pouco que sobrou da precária residência de madeira.
“Só estamos aqui porque precisamos. Tem sido um inferno e um pesadelo isto daqui”, desabafa ele, enquanto observa a estrutura temporária. Ademir disse que trabalhava consertando guarda-chuvas, sombrinhas e fogões a gás. Agora, passa os dias à espera de uma nova oportunidade de poder voltar, algo que ainda não foi possível. A esperança dele tem diminuído a cada dia. Há poucas semanas, ele foi surpreendido pelo furto do motor da geladeira e uma bicicleta, que haviam permanecido na casa.
Nos fundos da casa antiga, onde agora se amontoam entulhos e barro, moravam também uma filha do casal e mais dois netos, que foram para Alvorada. “Fizemos a papelada para pegar os R$ 5,1 mil [do Auxílio Reconstrução], só que ainda não apareceu para nós. E agora? Vamos tirar dinheiro de onde? Queria ir na madeireira comprar coisas pra voltamos pra cá. Não estamos atrapalhando ninguém. A gente mesmo não vai roubar”, comenta o morador do Pavão.
Segundo ele, logo no começo da enchente, ele recebeu o convite para ir a abrigos, mas recusou, preferindo se instalar junto a antiga ponte do Guaíba, onde ficou por cerca de 30 dias. Orientado a deixar o local depois da baixa da água, ele e a mulher se mudaram para onde estão atualmente. As lonas foram doadas por voluntários. Não há banheiro no abrigo ou próximo a ele, nem mesmo químico, e eles precisam se banhar e fazer suas necessidades onde é possível.
A água vem “às vezes” de um caminhão-pipa. Já a fiação de luz foi improvisada da barraca diretamente para um poste próximo por funcionários da CEEE Equatorial. Enquanto isso, o lixo é recolhido com alguma frequência. “A polícia vinha nos trazer doação de alimentos, só que vinham mais os policiais de São Paulo e do Rio de Janeiro, que até batiam papo conosco. A Brigada daqui não vinha tanto”, relembra.
A única distração do grupo é um aparelho de som, um dos poucos eletroeletrônicos que segue funcionando depois da tragédia. Conforme Ademir, a maior frustração é com a indiferença e a falta de apoio. “Aqui não tem outra coisa para se fazer. Não temos para onde ir. Se pudesse ir para minha casa, iria. Porque aqui a gente dorme muito mal, dá até dor nas costas. No outro dia, levanta todo duro. E esse barulho dos caminhões tira nosso sono”, salientou ele.