Calote de incorporadora chinesa ameaça exportações brasileiras

Calote de incorporadora chinesa ameaça exportações brasileiras

Temores com principal parceiro comercial do Brasil podem criar aversão aos países emergentes, mas reduzir preços internos

R7

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Os temores a respeito do possível calote de  R$ 1,6 trilhão (US$ 300 bilhões) da Evergrande, segunda maior incorporadora da China, preocupa a economia de todo o mundo no início desta semana e pode afetar diretamente as exportações brasileiras, a depender do auxílio a ser dado para salvar a empresa.

De acordo com Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos, o efeito da crise seria ocasionado pela possível desaceleração da economia chinesa. Para ele, a situação com a principal parceira comercial do Brasil seria “bastante ruim”, principalmente para o setor de matérias-primas.

“O mercado comercial, principalmente o de commodities [matérias-primas], como minério de ferro, siderurgia e proteína animal, tem um risco que está sendo monitorado”, diz Chinchila ao avaliar que pode haver ainda um “efeito cascata” no mercado global com a confirmação de um calote a empresa chinesa.

De acordo com dados do Ministério da Economia compilados pela FGV (Fundação Getulio Vargas), somente neste ano a China comprou 63% das vendas externas brasileiras de minério de ferro, 69% da soja em grão e 49% do petróleo. O país asiático também registrou elevada participação nas compras de carne bovina (57%) e celulose (42%),

"Os ventos favoráveis da balança comercial estão estritamente associados ao desempenho no mercado chinês. Supondo que este continue favorável, os possíveis riscos seriam: aumento das importações com a retomada de um crescimento sustentado do país", avalia o último Icomex (Indicador Mensal de Comércio Exterior), com dados do mês de agosto.

"Um terço do PIB chinês tem origem na construção civil. Se quebrar uma grande construtora na China, a demanda por minério de ferro e outra commodities tende a cair bastante", analisa Murillo Torelli, professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Inflação

Para o bolso das famílias, a eventual quebra da incorporadora e o efeito cascata sobre as exportações brasileiras pode trazer um cenário positivo: a maior oferta de produtos dentro do território nacional e, consequentemente, uma redução nos preços desses itens muito vendidos para a China.

“A economia tende a ficar menos aquecida com a restrição das exportações e pode existir uma deflação de preços”, avalia Torelli. Ainda assim, ele diz não ver sinalização de altas mais contidas na taxa básica de juros para conter os preços no mercado nacional.

Atualmente, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumula uma alta de 9,68% nos 12 meses encerrados em agosto, patamar mais de 4 pontos percentuais superior ao teto da meta estabelecida pelo governo para o índice deste ano, de 5,25%.

Aversão aos emergentes

Outro efeito negativo ocasionado pelo possível calote da incorporadora asiática seria uma aversão ao risco do mundo em relação a outros países emergentes, como o Brasil, e apostarem na busca por mais segurança.

“Com a quebra de uma empesa muito grande, todos ficam com um pouco de meia racionalidade dentro do mercado em busca por mais segurança, e os países emergentes serão considerados como investimentos de risco”, afirma Torelli ao ver uma “tempestade perfeita” para a economia nacional em um momento que já é negativo.

Se a operação for efetiva, o professor ressalta que a menor injeção de dinheiro em território nacional tende a derrubar a Bolsa de Valores e a concessão de crédito no Brasil. “O investidor estrangeiro vai tirar o dinheiro daqui com medo do risco e também não empresta dinheiro. Sem crédito, as empresas não crescem e nem se desenvolvem”,completa ele.

Mercado financeiro

Os sinais de que a incorporadora enfrenta dificuldades financeiras surgiram em agosto do ano passado e aumentaram com o anunciou feito aos credores de que ela não pagaria os juros das dívidas com vencimento nesta semana. Foi suficiente para o colapso dos mercados mundiais.

Nesta segunda-feira (20), o temor com o eventual calote da incorporadora fez o Ibovespa, principal índice acionário do Brasil, recuar 2,33% e atingir o pior nível em quase 10 meses. O dólar, por sua vez, saltou 0,78% e fechou o dia cotado a R$ 5,329.

As principais perdas do dia foram justamente ocasionadas pelas empresas relacionadas com matérias-primas, como Vale (-3,3%) e Petrobras (-1,12%), produtoras dos produtos mais exportados pelo Brasil. "O Brasil sofre muito, já que duas das principais ações do Ibovespa são diretamente afetadas pelas commodities", avalia Filipe Fradinho, analista da Clear Corretora.

Na manhã desta terça-feira (21), o mercado nacional dava sinais de recuperação, mas ainda não revertia as perdas da véspera. Às 11h40, enquanto o Ibovespa avançava 0,38%, aos 109.258 pontos, o dólar recuava 0,17% e era corado a R$ 5,322.

Incorporadoras brasileiras

No caso das empresas que atuam no mesmo segmento da Evergrande, Torelli ressalta que a legislação nacional inibe que possíveis falência resultem em prejuízo aos compradores de imóveis na planta devido a uma regulação mais efetiva.

"Os clientes podem ficar com medo de investir com essa notícia de que uma grande incorporadora quebrando. Isso pode ser um problema, mas o Brasil tem uma segurança jurídica que é o patrimônio de afetação, criado após a quebra da Encol nos anos 1990", explica ele.

Torelli afirma que a medida faz com que todos os recursos alocados para a construção de um empreendimento fiquem direcionados apenas para a obra, sem ingressar no patrimônio das empresas.

"Caso tenha falência, os próprios proprietários que compraram os apartamentos na planta continuam a obra com o dinheiro que já investiram. É uma situação que tenta proteger os brasileiros de uma quebra como a da Evergrande, que pode deixar milhares de chineses sem receber seus apartamentos e nunca vão receber nada", completa o professor.


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