Dólar sobe a R$ 5,26 com mau humor externo e temor de piora fiscal

Dólar sobe a R$ 5,26 com mau humor externo e temor de piora fiscal

Este é o maior valor de fechamento desde 4 de fevereiro

AE

Moeda norte-americana fechou com alta de R$ 0,069 (+1,3%) nesta terça-feira

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Uma deterioração aguda do ambiente externo ao longo da tarde, com as bolsas em Nova York apresentando perdas pesadas, respingou no mercado doméstico de câmbio e levou o dólar a encerrar a sessão desta terça-feira em alta firme, na casa de R$ 5,26, no maior valor de fechamento desde 4 de fevereiro.

O aumento da percepção de risco fiscal com a expectativa pelo desenho final dos benefícios sociais acoplados ao parecer da PEC dos Combustíveis (com divulgação prevista para depois do fechamento dos mercados) e o início de ajuste de posições para disputa da última Ptax de junho contribuíram para a perda de fôlego do real.

O azedume no mercado se deu em meio a temores de desaceleração mais forte da economia norte-americana, após resultado abaixo do esperado da confiança do consumidor dos EUA em junho e falas duras de dirigentes do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) ao longo da tarde.

Segundo analistas, a tese de que o BC americano poderia ser mais cauteloso no ajuste da política monetária, que sustentou recuperação dos ativos de risco lá fora na semana passada, parece fazer água. Um quadro de estagflação, com perda de força da atividade combinada com inflação ainda elevada, volta à mesa.

Pela manhã, o real até conseguiu se descolar da tendência global de fortalecimento do dólar, graças ao avanço das commodities em razão da reabertura da economia chinesa, dada a redução de casos de Covid-19. O minério de ferro subiu 3,80% em Qingdao, na China, escorado na melhora de dados do setor imobiliário chinês e na retomada de atividades de siderúrgicas.

Na mínima, nas primeiras horas de negócios, o dólar chegou a furar o piso de R$ 5,20 e descer até 5,1891 (-0,87%). No início da tarde, a moeda virou para o lado positivo e, com sucessivas máximas nas últimas horas do pregão, chegou a esboçar romper R$ 5,27, tocando pontualmente 5,2790. No fim do dia, o dólar à vista avançava 0,60%, cotado a R$ 5,2660 - maior patamar desde 4 de fevereiro (R$ 5,3220). Em junho, a moeda já acumula alta de 10,80%.

"Houve uma virada de chave no mercado externo à tarde que culminou em piora dos ativos domésticos e alta do dólar aqui", afirma o especialista da Valor Investimentos Gabriel Meira, acrescentando que a proximidade da formação da Ptax final de junho e da rolagem dos contratos futuros de dólar, na quinta-feira (30), contribuem para pressionar a taxa de câmbio.

O mercado lá fora começou a virar no fim da manhã com a informação de que o índice de confiança do consumidor nos EUA recuou de 103,2 em maio para 98,7 em junho, abaixo da previsão de analistas (100) e no menor nível desde fevereiro de 2021. A piora mais aguda veio na esteira de falas de dirigentes do BC americano.

O presidente do Fed de St. Louis, James Bullard, tido como o principal "falcão" da autoridade monetária, disse que as altas de juros previstas nas projeções do Fed são "um passo deliberado" para ajudar a autoridade a "mover a política mais rapidamente" de modo a levar a inflação à meta de 2%. A presidente do Federal Reserve de São Francisco, Mary Daly, disse à tarde que projeta crescimento menor da economia dos Estados Unidos, mas que não vê uma recessão. Daly afirmou que o Fed pode lidar "ao menos parcialmente" com a inflação, contendo a demanda, que seria "cerca de metade da causa" da escalada dos preços.

O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, observa que, embora a economia americana ainda apresente crescimento "considerado robusto", sondagens regionais do Fed apontam para desaquecimento. Em relação ao resultado da confiança do consumidor nos EUA, Velho chama a atenção para o fato de o subíndice de expectativas ter decido ao menor nível em dez anos.

Do lado doméstico, Velho afirma que, com arrecadação e crescimento superando as expectativas, o Congresso tende a "pesar mais no gasto". Dados do Caged divulgados pela manhã surpreenderam ao mostrar abertura líquida de 277.018 vagas de trabalho com carteira assinadas em maio, acima da mediana de Projeções Broadcast, de 181.250 vagas.

"O pacotão fiscal de benesses e vales deverá superar R$ 40 bilhões, mas ainda manterá um déficit relativamente reduzido em 2022", afirma Velho, ressaltando que esse conjunto de fatores externos e internos leva a expectativa de dólar em níveis mais elevados.

Fontes ouvidas pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) afirmam que, além da mudança do vale-gás de bimestral para mensal e do voucher aos caminhoneiros, a ala política do governo quer incluir na PEC dos Combustíveis a proposta de zerar a fila do Auxílio Brasil, cujo valor subiria dos atuais R$ 400 para R$ 600.

Em cerimônia de entrega de conjuntos residenciais em Maceió (AL), o presidente Jair Bolsonaro disse que com "o aumento do Auxílio Brasil, mulheres em certas condições vão ganhar R$ 1.200 por mês".

Em relatório, o banco Wells Fargo afirma que, embora seja uma das moedas com melhor desempenho neste ano, o real pode apagar ganhos e se enfraquecer até o fim de 2023. O banco trabalha com um aumento de R$ 0,10 na cotação a cada trimestre: R$ 5,30 (3tri2022), R$ 5,40 (4tri2022), R$ 5,50(1tri2023), R$ 5,60 (2tri2023), R$ 5,70 (3tri2023) e R$ 5,80 (4tri2023).

"Esperamos que o risco político aumente antes da eleição presidencial deste ano, já que o presidente Jair Bolsonaro provavelmente ampliará e aumentará os gastos sociais com programas em um esforço para angariar apoio eleitoral", afirma o Wells Fargo. "Mais gastos fiscais e uma maior carga de dívida devem prejudicar o sentimento em relação ao Brasil, enquanto cortes nas taxas de juros ao longo de 2023 devem contribuir para uma moeda mais fraca".

Taxas de juros

Os juros futuros voltaram a disparar nesta terça-feira, refletindo principalmente a piora na percepção de risco fiscal em meio a dados locais fortes de atividade, com efeito potencializado pela ampliação da cautela no exterior.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 fechou em 13,79%, de 13,669% na segunda-feira no ajuste, e a do DI para janeiro de 2024 subiu de 13,31% para 13,58%. O DI para janeiro de 2025 fechou com taxa de 12,875%, de 12,554% na segunda-feira, e o DI para janeiro de 2027 terminou em 12,82%, de 12,509%.

"O dia começou ruim para a curva por causa do fiscal afetando bastante a ponta longa, depois veio o Caged e a piora em Nova York foi a cereja do bolo", enumerou o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, ainda no meio da tarde. Depois disso, o risco fiscal voltou a se sobrepor.

O adiamento da apresentação do relatório da PEC pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE), das 11 horas para as 18 horas, com os mercados já fechados, foi visto como um sinal negativo, de que mais gastos fiscais poderiam estar sendo negociados.

O governo já elevou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, fechou o Bolsa-Caminhoneiro de R$ 1 mil e negociava na proposta a gratuidade a idosos nos transportes públicos urbanos e metropolitanos, que é lei mas para o qual prefeitos reivindicam ajuda financeira do governo federal. No começo da tarde, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), confirmou a intenção de conceder o vale-gás a famílias de baixa renda mensalmente, como antecipou o Broadcast. Hoje, o benefício é dado a cada dois meses.

Ainda, a ala política quer aumentar ainda mais os recursos do Auxílio Brasil na PEC para zerar a fila do programa. Para isso, será preciso orçamento além do custo de subir o piso do benefício de R$ 400 para R$ 600. Os recursos ficam fora do teto de gastos, reforçando o já crescente temor de decretação de estado de calamidade, que livraria os gastos das amarras fiscais. "A cada hora surge uma despesa nova, não se sabe onde isso vai parar", comentou Lima.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o pacote não afetará o resultado fiscal, pois será custeado por recursos extraordinários que não estavam no Orçamento, vindo de dividendos e privatizações. No raciocínio do mercado, porém, é grande a possibilidade de os benefícios se tornarem permanentes, e, neste caso, sem receitas fixas que possam bancá-los, resultará num problema para o próximo governo.

Os dados forte do Caged, na esteira da melhora da confiança da indústria e do comércio que saíram mais cedo, acabaram por alimentar a ideia de que o Banco Central pode ter de esticar o ciclo de ajuste da Selic. Para Alexandre Cabral, especialista em renda fixa e professor ligado a Mercado Financeiro na B3, na Anbima e FIA, o Caged "excelente" pode atrapalhar a política monetária. "A inflação de serviços é altamente influenciada por contratações", disse, via Twitter. Para o BC, prossegue, pode ser um problema a mais, que precise subir mais os juros ou ficar com eles mais tempo em um nível mais alto.

Não bastasse o clima interno pesado, o exterior não ajudou. O tombo da confiança do consumidor nos Estados Unidos, informado pelo Conference Board, e declarações "hawkish" de dirigentes do Federal Reserve acentuaram a sensação de que o país pode chegar num quadro de estagflação, resultando em busca por ativos seguros, como Treasuries e dólar. Com isso, o dólar passou a subir ante o real, fechando na casa de R$ 5,26, num dia em que o petróleo também avançou, numa combinação ruim do ponto de vista inflacionário e da curva de juros.

Bolsa

O Ibovespa, que chegou pela manhã aos 102.237,09 pontos na máxima do dia, não conseguiu sustentar a recuperação e, acompanhando a piora em Nova York ao longo da tarde, fechou em baixa de 0,17%, aos 100.591,41 pontos, após avanços de 2,12% e de 0,60% nas duas sessões anteriores.

Nesta terça, saiu de abertura aos 100.765,65 pontos e, na mínima, chegou a perder a linha de 100 mil, aos 99.956,21. Moderado, mas superior ao de segunda-feira, o giro financeiro foi a R$ 24,6 bilhões. Na semana, o Ibovespa segue no positivo (+1,94%), ainda cedendo 9,66% no mês e 4,04% no ano.

Nesta terça-feira, o desempenho positivo de Petrobras (ON +1,46%, PN +1,25%) e Vale (ON +1,79%) contribuiu para moderar as perdas da referência da B3, em sessão negativa para os grandes bancos à exceção de BB ON (+0,36%), com destaque para Itaú PN (-1,10%) e Bradesco PN (-1,43%). Na ponta do Ibovespa, Pão de Açúcar (+2,86%), BB Seguridade (+2,13%) e Vale (+1,79%). Do lado perdedor, destaque para Hapvida (-5,78%), Via (-5,45%), Positivo (-5,38%) e CVC (-5,06%).

Além da fraca leitura sobre o índice de confiança do consumidor nos Estados Unidos, do Conference Board, a 98,7 em junho, ante expectativa a 100,0 para o mês, falas de autoridades do Federal Reserve seguiram no radar dos investidores nesta terça-feira - aqui, as preocupações em torno da situação fiscal em meio à discussão sobre alargamento de benefícios e transferências sociais, o que tem se refletido não apenas na Bolsa, mas especialmente nos DIs e no câmbio.

"Do ponto de vista dos fundamentos, seria até um momento de comprar o quanto se conseguisse, com os indicadores técnicos mostrando também que se está chegando a uma região de sobrevenda, especialmente se olharmos de forma setorial para a Bolsa. Mas há muita incerteza, ruído, e isso atrapalha bastante, com o governo entrando em uma agenda mais populista", diz Edmar de Oliveira, operador da mesa de renda variável da One Investimentos, acrescentando que, além da B3, os mercados americanos têm mostrado também desempenho mais fraco, em termos de fluxo.

"O cenário de desaceleração da economia ainda é majoritário, em relação ao de recessão (nos Estados Unidos). E a reabertura da China, caso se firme, tende a ser positiva para as commodities, a que a Bolsa aqui tem exposição", observa Oliveira, que vê espaço para o Ibovespa retomar os 110 ou mesmo os 112 mil pontos caso a melhor combinação de cenários para EUA e China se materialize e, do lado oposto, para voltar aos 92 ou 90 mil pontos caso o pior aconteça.

Por enquanto, a tendência é de que o Ibovespa se mantenha de lado, na faixa de 98 a 100 mil pontos, até que se tenha clareza sobre o efeito da elevação de juros na economia americana e também sobre o fôlego e o grau de normalização da atividade chinesa, com relação à Covid-19.

Nos Estados Unidos, o presidente da distrital do Federal Reserve em Nova York, John Williams, afirmou nesta terça que considera "razoável" a projeção de que os juros básicos terão de chegar a um nível entre 3,5% e 4% para controlar a escalada inflacionária. Em entrevista à CNBC, ele ressaltou que a taxa de juros real neutra está mais alta do que o normal por causa da inflação elevada. Dessa forma, os juros de referência precisarão avançar a um patamar restritivo até o próximo ano, na visão de Williams.

Por sua vez, a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, atualmente sem direito a voto no comitê de política monetária (Fomc), disse, em evento, que projeta crescimento menor na economia dos Estados Unidos, mas não uma recessão. E James Bullard, do Fed de St. Louis, em texto publicado no site da distrital, apontou que as altas de juros previstas para as próximas reuniões, nas projeções do Fed, são "um passo deliberado para ajudar" os dirigentes a "mover a política mais rapidamente, conforme necessário para levar a inflação de volta à meta de 2%". Bullard tem direito a voto este ano no Fomc.

"O mercado ficou pesado para a bolsa brasileira após o dia ter começado bem lá fora, da Ásia para a Europa. Aqui, o que segurou um pouco, ante a piora vista à tarde também em Nova York, foi o desempenho positivo dos setores de energia e commodities. Nos Estados Unidos, o índice de confiança dos consumidores veio abaixo das expectativas, o que afetou os mercados de Nova York (desde o fim da manhã), frustrando percepção para a economia americana em meio à elevação de juros. Com a piora, o dólar subiu", aponta Ariane Benedito, economista da CM Capital.

"Os dados sobre a confiança do consumidor americano, do Conference Board, vieram hoje muito ruins, após leitura também negativa de outro índice de sentimento, o da Universidade de Michigan, na sexta-feira. Os números de junho sobre a economia dos Estados Unidos têm vindo bem fracos - por enquanto, temos apenas os 'soft data' do mês, como as sondagens e os índices de confiança", diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.

"Os 'hard data' de abril e maio até que não foram ruins, mas o conjunto de dados já disponíveis para junho - o que inclui as prévias dos PMIs e dados regionais das distritais do Fed, como os de Richmond, Dallas, Filadélfia e Nova York - tem estado no pior nível do ano, em indicação clara da desaceleração americana. Junho pode se confirmar como o mês em que atividade está começando a parar, e isso vai ter que ser levado em conta pelo Fed no atual ciclo de aperto monetário", acrescenta o economista.


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