A publicidade como principal fator de propagação de impulsionamento do consumo de jogos de apostas – conhecidas como bets – e principal alvo para regulamentação foi defendida por especialistas em diálogo sobre os impactos das apostas esportivas online na saúde mental, na legislação, na economia e na ética. O tema foi discutido nesta terça-feira na reunião-almoço Menu POA, da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), com a presença de Carlos Salgado, psiquiatra, especialista em dependência química; Luciano Iob, advogado criminalista, professor e pesquisador e Tiago Simon, deputado estadual (MDB-RS), no Salão Nobre do Palácio do Comércio, em Porto Alegre.
O deputado Tiago Simon afirmou que, atualmente, há uma ausência de mecanismos protetivos para regulamentação dos jogos de apostas, deixando a população vulnerável e exposta. O deputado é autor do Projeto de Lei (PL) que estabelece vedações à veiculação de publicidade das apostas online. O projeto foi protocolado na última quinta-feira, está tramitando na Assembleia Legislativa e vai ser encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, e teve participação do Ministério Público e da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. O PL também pretende substituir a contra-propaganda com frases que reforçam que o jogo provoca o superendividamento, efetivando o alerta.
Mesmo que a maioria dos patrocinadores de clubes de futebol também sejam de apostas, o parlamentar defende que o principal fator de propagação de impulsionamento do consumo de apostas é a publicidade. "Um dos maiores talvez maior, patrocinadores de mídia do Brasil é justamente as bets", justifica, acrescentando que, cada vez mais, a transferência de renda da população trabalhadora do país tem ido para as apostas. Ele diz que entidades médicas já afirmaram que publicidade agressiva gera distorção cognitiva ao jogar compulsivamente.
"Ela une uma questão comportamental, que é psicológica, com uma questão tecnológica, que é o digital. São dois mecanismos que têm gerado dependência, de maneira muito acentuada. Mas o que nós temos visto é que a população brasileira, nesse modelo de ausência regulatória, está completamente vulnerável e exposta", afirma.
O psiquiatra Carlos Salgado corrobora. "Se a gente quiser sugerir ao legislador algo a fazer, é remover a publicidade e a promoção do produto. A gente muda muito esse quadro em termos de futuro imediato, como ocorreu com o tabaco e como não se consegue fazer com o álcool, que é promovido e consumido". O profissional lembra que existe um conjunto de variáveis que determinam o vício em muitos indivíduos viciados no jogo digital, como o baixo custo no início dos jogos, a agilidade e a facilidade de acesso, e que já realiza tratamentos em pessoas que têm comportamentos semelhantes aos de uma pessoa com dependência química, e que apresenta dificuldades sérias financeiras ao jogar compulsivamente.
"Há descontrole na atitude diante de jogar como haveria descontrole diante do tabaco, da cocaína, da maconha, do álcool", diz. Já há, também, grupos de auto-ajuda para jogadores anônimos, que segue os mesmos modelos condutivos de 12 passos, tradição no tratamento de alcoólicos anônimos, para uma mudança de atitude em relação à substância - incluindo, em casos mais graves, o recurso extremo da internação.
O advogado criminalista Luciano Iob reforçou que há uma responsabilidade objetiva de todas as esferas, federal, estadual e municipal. Também comentou que os mecanismos de controle por meio da legislação podem auxiliar no controle ao consumidor-usuário, como o estabelecimento de limites para maiores de 18 anos. Mas, se de fato essa regulação vai ser alcançada, é outro problema, comenta. "É fato, movimenta bilhões. É muito dinheiro. O Brasil tem esse histórico de jogo do bicho e de outras modalidades de jogo. Isso se transforma, inclusive, em um transtorno, quando a pessoa sequer consegue ter esse controle de fazer algo que, em tese, deveria ser saudável", diz.