Testamento, doação ou holding familiar: como planejar a sucessão da herança

Testamento, doação ou holding familiar: como planejar a sucessão da herança

Especialistas explicam vantagens e desvantagens de cada modalidade

Correio do Povo

Transferência de bens e condicionantes de herança podem ser feitas de diferentes formas

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O tema da sucessão nos negócios e divisão do patrimônio familiar esteve em foco nos debates recentemente. O final da saga da família Roy na série Succession, uma das grandes premiadas no Globo de Ouro na noite deste domingo e também líder de indicações ao Emmy, atraiu a atenção do público. No Brasil, a batalha da atriz Larissa Manoela para gerir o patrimônio conquistado desde a infância tomou as páginas dos jornais no segundo semestre de 2023. Uma holding familiar chegou a ser criada, mas não integralizou os bens e as empresas da artista, cujos pais seguiam como sócios majoritários.

A administração de bens e negócios pode ser uma dor de cabeça para as famílias. Embora ninguém queira pensar em conflitos graves ou mesmo no evento morte, discussões podem surgir e problemas pré-existentes se agravar quando eles chegam sem que a sucessão esteja bem delineada. A transferência de bens e condicionantes de herança podem ser feitas de diferentes formas: testamento, codicilo, doação direta ou para holding familiar.

Herdeiros necessários

É preciso entender antes que, no Brasil, o Direito de Família é pouco flexível quanto à partilha, e os herdeiros necessários - descendentes, ascendentes e cônjuge - devem receber ao menos 50% dos bens deixados, independentemente de testamento. Além disso, o inventário gera impostos que podem chegar a 6% do patrimônio - sem contar as custas judiciais e os honorários. Por isso, famílias com muitos bens e de valor relevante optam por diferentes modelos de transferência e planejamento sucessório, que podem ser encaminhados em vida, para cuidar do patrimônio familiar e reduzir os custos.

“Para além da economia, a doação em vida e a constituição de holding familiar promovem uma blindagem patrimonial. Geralmente, o objetivo é impedir que os herdeiros dilapidem o patrimônio, já que não se pode deixar tudo para um único filho, em que se confie mais, por exemplo, e evitar que a administração de empresas e bens caia em mãos de quem não tenha tanta aptidão”, explica Ardala Corso, professora de Direito de Família e Sucessões da UniRitter.

Por isso mesmo, a figura da doação gera certa insegurança jurídica. “Será sempre em benefício de algum herdeiro em detrimento de outro. Infelizmente, é muito comum a exclusão de mulheres da administração do patrimônio”, comenta. E se um dos herdeiros ficar insatisfeito com a partilha e contestá-la, pode-se resultar em valores e bens imobilizados. “Quando não se chega a consenso, muitas vezes imóveis bloqueados acabam se deteriorando. Geralmente, casas que vemos abandonadas por aí são fruto desses litígios”, diz a professora.

Testamento e codicilo

O testamento sempre se sobrepõe a contratos empresariais, e deverá ser cumprido se não houver vícios. Porém, caso já se tenha constituído uma holding familiar, a Pessoa Física não disporá mais desse patrimônio. Ela só poderá colocar em testamento bens que estejam em seu nome. Não é recomendável incluir numa holding bens que depreciam rápido, como veículos de uso cotidiano - estes sempre convém deixar para a partilha.

A herança também pode ser condicionada, impondo determinadas regras aos herdeiros. A escritora Nélida Piñon, por exemplo, que faleceu no ano passado, não tinha filhos e deixou o apartamento onde morava para sua cuidadora, com a condição de que este não fosse vendido até a morte de suas cachorrinhas. Aliás, os animais de estimação também podem entrar na partilha.

Segundo Ardala, o melhor instrumento para isso seria o codicilo. “É uma manifestação de última vontade, uma espécie de testamento com menos rigor legal, que serve à destinação de pequenas coisas, como jóias ou obras de arte de menor valor. Esse documento pode ser redigido de próprio punho”, detalha.

Já o testamento tem regras mais rígidas, mas pode ser feito de diferentes formas. “Ele pode ser registrado em tabelionato ou ser um testamento particular, guardado em casa. Mas, neste caso, deverá haver testemunhas”, explica a especialista. A busca de eventuais testamentos - ou das negativas de testamento - é obrigatória antes da abertura do inventário, mas ela se dá de forma oficial. Um rascunho de testamento guardado em casa, sem ter sido comunicado a ninguém, não tem valor legal.

Doação em vida

Os bens podem ser doados em vida a outras pessoas. Esta transferência também terá custos, mas é uma maneira do proprietário garantir quem vai ficar com determinada posse. Pode ser uma boa saída, por exemplo, para quem possui muitos imóveis e mesmo herdeiros vivendo neles - especialmente se não forem herdeiros necessários, como no caso de sobrinhos.

Por mais que a doação seja uma forma de proteger o patrimônio, ela ainda poderá ser contestada, caso sejam descobertos herdeiros necessários, que fossem desconhecidos pela família antes da divisão dos bens. “O testamento pode ser rompido e nada impede que esses herdeiros busquem, inclusive, a anulação de doações, caso ultrapasse os 50% disponíveis, e da criação de holding”, aponta.

“Se é descoberta uma família paralela, o cônjuge ‘concubino’ não será reconhecido como herdeiro, mesmo que haja uma união estável, pois há o entendimento de que nosso ordenamento jurídico é regido pelo Princípio da Monogamia. Assim, não se admitem casamentos múltiplos ou uma união paralela ao casamento. Mas os filhos desta relação terão os mesmos direitos, tendo sido registrados ou não. A Constituição veda diferença de direitos entre filhos”, exemplifica Ardala.

Holding familiar

Por definição, holding é uma empresa que controla e administra outras empresas ou determinado patrimônio. Uma holding familiar constitui-se mediante a integralização do patrimônio no capital social de Pessoa Jurídica constituída pela família. Assim, posteriormente, a divisão dos bens se dá por cessão de cotas aos herdeiros, sem depender de testamentos ou inventários. No Brasil, não existe a figura jurídica específica de holding, mas Nicolas Michellon, professor de Direito das Empresas da UniRitter, explica que esse movimento societário está mais ligado à forma de atuação que ao nome.

“Poderíamos entender como holding uma sociedade limitada ou anônima, que concentra ou ancora diferentes empresas, marcas ou determinado patrimônio. Quando se trata de um patrimônio familiar, a vantagem é a flexibilização das regras do direito sucessório, facilitando o inventário e permitindo que o proprietário do patrimônio decida em vida de que forma os bens serão distribuídos, podendo impor critérios, como tornar cotas incomunicáveis ou intransferíveis por casamento, por exemplo”, detalha o especialista. Normalmente, sua administração é feita por um dos herdeiros, e os demais recebem os lucros gerados.

Quando vale a pena?

A constituição de um modelo de holding é indicada a famílias que tenham patrimônio com potencial de ficar de legado para as próximas gerações. Além de permitir flexibilidade na divisão de bens, a doação destes à empresa tem alíquota em torno de 4%, enquanto o imposto em caso de morte pode chegar a 6%. “Esses 2% de economia são significativos num grande patrimônio, mas podem não compensar em todos os casos. Afinal, a constituição de uma sociedade implica na necessidade de contabilidade financeira e demais custos administrativos de longo prazo”, aponta Michellon.

Ainda assim, em relação a outros países, o Brasil tem uma alíquota baixa para a transmissão de herança. Porém, existe sinalização para aumento dessas taxas num futuro próximo. Portanto, a integralização do patrimônio como holding familiar pode ser vista como investimento, prevendo o aumento da taxa no futuro. Além da economia na transmissão da herança, a holding pode aliviar as relações familiares, evitando desavenças por patrimônio e preparando os herdeiros para a sucessão.


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