A poluição invisível do Guaíba

A poluição invisível do Guaíba

Estudo revelou presença de zinco, chumbo, cobre, cromo e níquel, entre outros metais pesados

Marco Aurélio Ruas

Resultados mostraram que a poluição é derivada, principalmente, do fluxo urbano

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A poluição do Guaíba é um problema antigo e que se arrasta ao longo dos anos. Suprindo água para cerca de 2 milhões de habitantes e com uma bacia hidrográfica cobrindo 14 municípios, o Guaíba exerce diversas funções, como abastecimento hídrico, destinação de efluentes, navegação, recreação e pesca. A abordagem sobre sua poluição ainda é complexa, entre outros fatores, pela falta de estudos sobre o tema. Mas além da sujeira que se vê ao longo do manancial, há também a contaminação invisível, que vem principalmente por meio de seus afluentes. E o problema não está apenas na água, mas também nas margens e nos animais que fazem parte do Guaíba. Por isso, as ações de despoluição não devem ser concentradas apenas no manancial em si.




Um estudo sobre a poluição por sedimentos nas margens do Guaíba revelou presença de zinco, chumbo, cobre, cromo e níquel, entre outros metais pesados, além da variação de fósforo, carbono e nitrogênio, conforme a região do manancial. O artigo “Poluição do sedimento nas margens do Lago Guaíba” (Sediment pollution in margins of the Lake Guaíba, Southern Brazil), do engenheiro ambiental e mestre em ciência do solo Leonardo Capeleto, junto com outros autores, foi publicado em dezembro na revista Environmental Monitoring and Assessment (da editora internacional Springer) e analisou a poluição em 12 pontos da margem leste do lago, desde a Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, até a praia de Itapuã, em Viamão.

O estudo faz parte da tese de doutorado do autor, que está sendo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), e foi produzido com a participação de pesquisadores da instituição e universidades parceiras. O projeto iniciou em 2014, com as amostras sendo coletadas em novembro de 2015. Na época, diversos encontros estavam sendo promovidos na Capital para tratar do tema. “Participei de todos. Fui percebendo que o tema era nebuloso. Participei também de reuniões promovidas pela Câmara de Vereadores, Fepam. Ficamos alarmado com a falta de dados públicos”, contou.



Os resultados mostraram que a poluição é derivada, principalmente, do fluxo urbano. Os pontos mais preocupantes, com maior concentração de metais pesados, foram os dois próximos ao arroio Dilúvio e também ao arroio Cavalhada. Os três se mostraram ambientes propícios ao acúmulo de metais pela maior presença de carbono, pelo despejamento de esgoto e pela ação dos veículos no entorno, principalmente do Dilúvio. “Não é mais poluído nas margens porque as margens são mais arenosas. Quanto menor o tamanho do sedimento, da granulometria, maior é a capacidade de retenção de metais. Os arroios acumulam mais finos e, consequentemente, mais metais pesados”, explicou o engenheiro ambiental. De acordo com Capeleto, o sedimento atua como uma “caixa preta” do Guaíba, gravando a memória das suas mudanças ambientais. No caso deste estudo, a camada analisada pode representar até dez anos. “Assim, estou analisando o que foi recordado em todo aquele período. É como se fosse um histórico da poluição.” Os resultados de outros estudos que estão sendo desenvolvidos na tese mostraram que as concentrações de metais são maiores em bacias que drenam áreas urbanas com uso industrial, assim como ocorre nos rios Caí e dos Sinos e se repete no arroio Dilúvio.

O engenheiro ambiental ressaltou que determinadas formas de utilização do lago necessitam de água de alta qualidade. “É para consumo, pesca, banho, recreação”, disse. Capeleto também se referiu a outro estudo, publicado na revista do Dmae, no ano 2000, onde foram encontrados, em moluscos bivalves do Guaíba, concentrações de três a quatro vezes superiores, de cádmio, cobre e zinco, comparado ao encontrado no sedimento. Em outra análise, publicada em 2009, foram identificadas concentrações até 15 vezes maiores de cádmio em peixes do que as achadas nos sedimentos. “O metal não é dissolvido. Normalmente ele fica acumulado nos órgãos mais gordurosos, como o fígado. Em estudos, já citaram que a presença nos músculos era bem menor do que nas entranhas do peixe. E eles (metais) podem causar doenças crônicas ou agudas”, explicou o engenheiro ambiental. Dessa forma, o risco no consumo se demonstra maior do que no caso do banhista, já que os metais pesados não ficam, necessariamente, em contato na água. “Imagina um pescador que vive constantemente dessa pesca. Ele vai acumular metais com o passar do tempo. Se ele passar a vida toda consumindo esses peixes, vai acumular metais. Não pode se considerar somente o uso do lago. O Guaíba é uma biota, com animais”, afirmou.

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