Campanha incentiva adoção de crianças de diferentes perfis no RS

Campanha incentiva adoção de crianças de diferentes perfis no RS

Estado contabiliza 5,2 mil candidatos a adotantes habilitados pela Justiça

Jessica Hübler

Mariana, hoje com 11 anos, foi adotada aos nove por Flávio Dutra e Viviane Wildner

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A criança, que nesta matéria vamos chamar de Sofia (nome fictício), foi encontrada em um carrinho de papeleiro, completamente imunda, com apenas dez meses de vida, em fevereiro de 2011. A mãe achou que a diligência do Conselho Tutelar fosse da Polícia e temendo ser presa, saiu correndo, deixando a criança para trás. Mais tarde, veio à tona o motivo: ela estava envolvida com o tráfico de drogas, por isso temia a presença de uma viatura. Quando a pequena Sofia chegou ao abrigo, foi constatado que ela era portadora do vírus HIV.

“Desde o início sabíamos que ela tinha HIV e isso nunca foi um problema”, lembra o administrador de empresas, um dos pais que adotaram a pequena Sofia. Ele e um professor formam um casal homoafetivo, pais adotivos da menina. Com o objetivo de preservar a individualidade e a privacidade da criança, eles decidiram não falar abertamente sobre o assunto, pois têm medo que ela sofra com preconceitos e, infelizmente, eles têm razão. Quando questionada sobre como é ter dois pais, Sofia, que chegou à casa deles perto dos dois anos de idade e hoje tem seis, diz que “nasceu do coração” dos dois. E, segundo ela, é muito bom “porque ninguém tem dois pais, só eu”.

Eles formalizaram a união estável há nove anos e moram juntos há oito. Cada um deles tinha vontade de ser pai. As bisavós de Sofia estão sempre presentes em todos os aniversários. Aprovam a adoção e também a união entre os dois. Na escola, a questão é tratada com muita naturalidade tanto pelos colegas como pelos professores.

Ela ainda mantém contato com as amigas que fez no abrigo e com uma das cuidadoras que a acolheu desde o primeiro momento e ficou com ela durante um ano. “É uma mãe para ela. Criamos um vínculo. Ela faz parte da nossa história”, avaliou um dos pais sobre o papel da cuidadora na criação de Sofia. Em casa, o assunto é tratado com cautela e sinceridade: “Obviamente não se dá muita explicação para a criança, não precisa, mas é importante falar o básico”.

Segundo ele, na escola é realizado um acompanhamento psicológico “bem importante”. O processo de aproximação entre eles e a filha durou cerca de um mês. “Não aguentava mais pegá-la de manhã e devolvê-la à noite”, lembra o administrador de empresas sobre o período. “Ela não queria sair do meu carro e entrar no abrigo. Começamos a sofrer. A assistente social tinha que tirar ela à força.”

A conta que não fecha

Histórias como a de Sofia retratam uma dura realidade no Rio Grande do Sul. O Estado tem atualmente 600 crianças e adolescentes disponíveis para adoção e mais de 5,2 mil candidatos a adotantes já habilitados pela Justiça. A conta que não fecha retrata que a maioria procura por uma criança saudável de até 3 anos. De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), das 399 crianças e adolescentes que estão em processo de adoção, 214 (53,64%) têm entre 0 e 3 anos. Já crianças com mais de 10 anos, grupos de irmãos e jovens portadores ou não de alguma deficiência representam a grande maioria do cadastro que ainda aguarda na fila: 543 têm 10 anos ou mais (90,5%); 411 possuem irmãos (68.5%) e 217 têm problemas de saúde (36,17%).

Com o objetivo de chamar atenção da sociedade para este quadro, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou a campanha “Deixa o Amor te Surpreender”. O objetivo é incentivar a adoção de crianças com mais de 10 anos, adolescentes, grupos de irmãos e jovens com deficiência.

Além da campanha, a Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul está desenvolvendo outros projetos para propiciar a convivência familiar nas diversas comarcas do Estado, entre elas estão o programa “Apadrinhar”, de apadrinhamento afetivo, o “Preparação para Adoção”, de sistematização dos encontros preparatórios com os candidatos à adoção, o “Entrega Responsável”, com orientações para mães e gestantes que manifestam o interesse em entregar seu filho em adoção, e o “Busca Se(R)”, de ações de busca ativa para a localização de famílias para as crianças e adolescentes que não tiveram possibilidades de adoção imediata pelo Cadastro Nacional de Adoção e que ainda aguardam um lar.



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