Casas de adoção sofrem os impactos da Covid-19

Casas de adoção sofrem os impactos da Covid-19

Se em outros tempos as casas ficavam lotadas, atualmente sobram 150 vagas na Fundação de Assistência e Cidadania

Felipe Samuel

Conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), 3.879 crianças e adolescentes foram acolhidos no Rio Grande do Sul

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A qualificação do sistema de entrada a casas de acolhimento na Capital e o aumento do número de juízes que atuam na vara da Infância e Juventude reduziram à metade o número de crianças e adolescentes que ingressaram na Fundação de Assistência e Cidadania (Fasc) desde 2016. Naquele ano, a fundação contabilizou 1,2 mil crianças e adolescentes em casas lar ou abrigos residenciais, enquanto este ano - mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus - são 622. Se em outros tempos as casas ficavam lotadas, atualmente sobram 150 vagas. Conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), 3.879 crianças e adolescentes foram acolhidos no Rio Grande do Sul. 

Além de alterar o modelo de ingresso nas casas lar e abrigos residencias - que em 2017 passou a ser realizado exclusivamente pela entrada AR7, na rua Caldre Fião - as adoções tardias envolvendo crianças com mais de 5 anos e até mesmo adolescentes também ganharam força nos últimos anos. A presidente da Fasc, Vera Ponzio, reforça a importância da atuação conjunta com juizados e as ações emergenciais colocadas em prática com os Conselhos Tutelares. "É possível realizar atendimento, verificar se a criança corre risco importante e afastá-la da família, com juizado garantindo audiência rapidamente no máximo em 10 dias para que a família ou responsável legal consiga se posicionar", observa. Em Porto Alegre, são 32 casas lar e 20 abrigos residenciais.

Ao afirmar que atualmente há maior dinamismo no processo, Vera ressalta que o formato anterior de acolhimento era fracionado, com várias casa de acolhimento, o que gerava insegurança para quem já estava e quem chegava às casas. Do total de acolhidos, 269 estão no modelo casa lar, que são casas com espaço para até 10 crianças com um casal social ou mãe social contratada por organização. "É um atendimento mais individualizado do que abrigo residencial", observa. Os abrigos residenciais reúnem 353 crianças e adolescentes. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, os maiores beneficiários do SNA são crianças e adolescentes em acolhimento familiar e institucional, que aguardam o retorno à família de origem ou a sua adoção. O SNA aponta que 780 crianças estão disponíveis para adoção no RS.

Vera observa que o maior desafio para adoção é o perfil exigido pelas famílias. "Na maioria das vezes querem uma criança branca, dentro de um determinado padrão", alerta. Aqueles que têm problemas de saúde crônico ou têm irmãos podem esperar mais tempo na fila da adoção. Mas nem isso tira o ânimo de quem trabalha na Fasc. "Colocamos a criança em contato com os possíveis pais para eles conhecerem um pouco da história dela. Isso facilita para os pais que vão receber. Mostramos que não é um conto de fadas, que é vida real", alerta. Outra situação nova é a adoção tardia. "Se abriu um canal não só para menores de 5 anos, mas também para que adolescentes possam ser adotados por famílias com interesse em crianças não tão pequenas", avalia.

Entre os aspectos positivos que contribuíram para a melhoria do atendimento a crianças e adolescentes ela aponta, entre outras coisas, o cadastro nacional, que permite a adoção por outras famílias de outras regiões do país, e o aumento das comarcas na Capital, que passaram a contar com quatro juízes: dois titulares e dois de exceção. As ações permitem a realização de audiências concentradas e um plano individual de atendimento. Conforme Vera, um estudo de 2019 revela que das 355 em situação de acolhimento emergencial, 35% permaneceram nas casas. As demais retornaram para família extensa ou biológica. "É preciso sensibilidade de ampliar olhar e reconhecer que todos merecem uma família. Ter família é mais importante que cor, idade. O conceito de família culturalmente vem se modificando", justifica

Ela reforça que o número de devolução de crianças também diminui, fruto de uma mudança de cultura. "Crianças necessitam de uma família, não tem família certa com padrão. Crianças trazem consigo coisas peculiares, necessidades de acompanhamento psicológico", frisa. Vera alerta que as pessoas que querem adotar precisam entender que existem momentos de dificuldades e é preciso estar preparado para enfrentá-los. "Adoção não é para ser agradável", destaca.

No período da pandemia, os hábitos de higiene foram reforçados, com uso de álcool em gel, afastamento das camas e isolamento social. "No caso dos adolescentes, existe dificuldade maior de se manter no isolamento, por isso tem muita conversa e diálogo. Nesse momento está restrita visita familiar, dos técnicos do acolhimento. A porta de entrada da junção da AR7 e AR8 foram destinadas para quem está gripado e exige cuidados específicos. "Isso é para evitar contágio", observa, embora nenhum caso da Covid-19 tenha sido registrado entre os acolhidos.

Titular da Coordenadoria da Infância e Juventude do RS, a juíza-corregedora Nara Cristina Cano Neumann Saraiva afirma que há crescimento no número de adoções no Estado. Ela explica que os interessados precisam estar habilitados no SNA para iniciar período de aproximação com a criança. Em geral, os encontros são realizados de forma presencial, em ambientes públicos. Com a pandemia e as recomendações de isolamento social, os juizados precisaram adaptar a aproximação. "As adoções continuam sendo feitas dentro dessas limitações", observa. Conforme Nara, o órgãos da Justiça recomendam aos magistrados encaminhar adolescente para adoção por meio de guarda provisória, se tiver respaldo para essa situação.

Ela salienta que a pandemia do novo coronavírus trouxe algumas dificuldades no contato presencial entre as famílias e as crianças à disposição para adoção."Estamos incentivando aproximação virtual e investindo em situações de guarda provisória quando há indicativo de adoção", frisa. Apesar do esforço da Justiça, Nara garante que o ritmo não é o mesmo. "No ambiente virtual é preciso número maior de contatos, pois o tempo é reduzido. É uma adaptação e um desafio para todos", reconhece. Em casos de situação de abandono de recém-nascidos, no entanto, o processo é mais rápido. "Magistrados buscam de forma liminar uma família substituta. Vivemos momento de pandemia, é preciso encaminhar para pretende devidamente habilitado. A situação se dá de forma liminar, com todos os riscos", adverte.

Ela explica que nos casos de mãe ou gestante que acabou de dar à luz, pode ocorrer a entrega responsável, que vai encaminhar para adoção no período norma. "Juiz colhe manifestação da mãe, destitui poder familiar. Temos prazo de 10 dias para recorrer", destaca. Nara concorda que no últimos anos o aumento do número de juiz na Infância e Juventude agilizou os processo de adoção. "Juiz tem contato desde início do acolhimento. É um trabalho mais objetivo, mudando fluxo e dando agilidade maior", afirma.


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