Centro Histórico de Porto Alegre é casa dos que não têm mais nada

Centro Histórico de Porto Alegre é casa dos que não têm mais nada

Contingente de moradores de rua sobrevive no viaduto da Borges e nas praças da Matriz e da Alfândega

Mauren Xavier e Jéssica Hübler

Número de pessoas que vive debaixo do viaduto da Borges de Medeiros aumenta a cada dia

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Não é apenas o comércio ambulante que impacta a paisagem do Centro de Porto Alegre. Os moradores de rua estão espalhados por vários pontos da região. Muitos dormem em bancos, papelões ou até mesmo no chão cru. Os decks de madeira localizados no Largo Glênio Peres durante à noite se transformam em dormitórios ou banheiros. Seguindo pela rua Sete de Setembro, em direção à Praça da Alfândega, há ainda famílias (muitas de origem indígena) nas calçadas pedindo dinheiro ou carrinheiros recolhendo lixo reciclável, mesmo que uma lei tenha entrado em vigor no último dia 10 de março, proibindo a atividade, mas sem fiscalização. Eles são vistos em vários pontos da região, como junto aos contêineres.

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Na Praça da Alfândega, que passou por reforma, os desafios são grandes. Barracas improvisadas se tornam moradia de artesãos. Há aqueles que usufruem do espaço para o consumo de drogas, não se importando com o horário. Bancos são disputados por moradores de rua e por aqueles poucos que querem apenas um espaço para contemplar a linda paisagem escondida em meio a tantas distrações. A situação também se repete na Praça da Matriz, em que há uma espécie de moradia improvisada com faixas e restos de madeira. Não é difícil vê-los intimidar moradores que tentam usar a área para lazer.


                                                                       Foto: Samuel Maciel

No viaduto Otávio Rocha, conhecido cartão-postal, a situação se repete. Sofás, colchões, lonas e papelões se transformam em dormitórios. Muitos comerciantes da escadaria abandonaram o local. Quem aguarda pelo transporte público nas paradas acaba dividindo o espaço com moradores de rua e se incomoda com o forte cheiro concentrado embaixo do viaduto.

A presença de moradores de rua no Centro é justificada. De acordo com a pedagoga e técnica social do Serviço de Abordagem Social da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Patrícia Monaco, o último relatório concluiu que há cerca de 2,2 mil pessoas adultas em situação de rua na Capital. “A nossa percepção é de que, realmente, há uma concentração maior na região central por conta da capacidade de sobrevivência”, afirmou.

Segundo ela, há grande circulação de dinheiro no Centro, há o eixo de reciclagem na avenida Voluntários da Pátria, o Restaurante Popular, além de estabelecimentos que fornecem comida e o viaduto da Conceição, que fica próximo à Rodoviária. “No Centro, muitos moradores de rua conseguem gerar renda através de atividades informais, como guardadores de carro”, disse.

Muitos vieram da periferia ou do interior do Estado. “Eles vêm para a Capital com a ideia de que vão encontrar mais oportunidades e acabam não as encontrando, então ficam nas ruas”, explicou. Sobre aqueles que saem da periferia, diz que são encontradas as seguintes situações: a pessoa se envolveu com o tráfico e recebeu ameaças, então saiu da periferia para sobreviver; a que não quis se envolver com o tráfico e foi ameaçada, então foi morar na rua para fugir da periferia ou a que costumava usar drogas, acabou criando dívidas e também teve que fugir, acabando nas ruas.

Para resolver a situação dessa população, Patrícia diz que é necessário desenvolver políticas próprias, através da união de todas as secretarias, pois a Fasc não tem como “fazer tudo sozinha”. Foi criado inclusive um Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua), que nunca saiu do papel. “A intenção é buscar unidade para que cada secretaria, cada departamento, possa auxiliar de alguma forma. Inclusive a sociedade civil”, disse.

Conforme o coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos do Ministério Público (MP), Mauro Souza, que participa do Grupo de Trabalho (GT) criado para buscar, juntamente com outras entidades e órgãos envolvidos, soluções para a questão dos moradores de rua em Porto Alegre, o MP pretende revitalizar o Comitê PopRua. “O GT irá se integrar ao Comitê para auxiliar no monitoramento dessas políticas na prefeitura”, afirmou Souza.

Situação dos locais mais utilizados

Viaduto Otávio Rocha 

Reconhecido como ponto turístico de Porto Alegre, o Viaduto Otávio Rocha também é alvo do descaso. Tombado pelo município há 29 anos, o local, que possuía 34 lojas dos mais diversos produtos, hoje tem um número bem inferior. A grande presença de moradores em situação de rua acabou afastando os comerciantes.

Embaixo do viaduto, na avenida Borges de Medeiros, também existem paradas de ônibus. Por lá, quem precisa aguardar pelo transporte coletivo precisa dividir espaço com moradores. Além de aguentar o forte cheiro de urina no local, que possui banheiro público.

No final de 2016, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e a Guarda Municipal realizaram força-tarefa e retiraram os moradores de rua que residiam no viaduto. A ação não adiantou muito. Em janeiro de 2017, moradores já haviam retornado ao local, onde ainda estão. Diversos colchões, lonas, papelões, carrinhos de supermercado e até barracas de acampamento são observados.

Praça da Alfândega

Coração do desenvolvimento do Centro de Porto Alegre, a Praça da Alfândega sempre foi referência cultural da cidade. No século passado, a população se concentrava para aguardar o início das sessões nos então cinemas da Rua dos Andradas. Com o tempo, o perfil foi sofrendo alterações.

Nos últimos anos, após uma reforma que remodelou a praça, deixando-a com mais claridade e iluminação, buscou-se recuperar o vigor da área. Inúmeros projetos culturais são promovidos neste sentido. Porém, no dia a dia, o que se vê são poucos bancos ocupados efetivamente para a sua finalidade.

Há casos em que moradores de rua dormem, sem nenhum constrangimento. Além de grupos que se reúnem para o consumo de drogas. À noite, a situação fica ainda mais preocupante, porque a praça fica deserta, com pontos escuros e o registro constante de assaltos.

Praça da Matriz 

Unindo os três poderes, Palácio Piratini, Assembleia Legislativa e Poder Judiciário, a Praça da Matriz tem muito pouco da sua vitalidade nos dias atuais. No seu entorno também é possível observar a Catedral Metropolitana de Porto Alegre e o Theatro São Pedro.

Os seus espaços, que deveriam ser utilizados para ações de lazer, se tornaram moradia, afastando assim aqueles que gostariam de usufruir do local, mas se sentem constrangidos e até intimidados pela presença dos moradores de rua. Pichações e lixo também contribuem na deterioração do local.

Na semana passada foi formado um grupo de trabalho pela prefeitura e Assembleia Legislativa para revitalizar o local, buscando apoio da iniciativa privada para qualificar a iluminação e garantir a limpeza e a segurança, além de duas obras que já estão previstas.

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