Dois meses depois das primeiras mortes, Brasil registra quase 20 mil óbitos por Covid-19

Dois meses depois das primeiras mortes, Brasil registra quase 20 mil óbitos por Covid-19

Pandemia segue em curva ascendente no país

Gabriel Guedes

Brasil registra quase 20 mil óbitos por Covid-19

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No dia 20 de março, o Brasil tinha 779 casos de coronavírus e somente 20 mortos. Nesta quarta-feira, dois meses depois, temos 291.579 infectados e colecionamos 19.951  mortes. Uma marca difícil até mesmo de anotá-la em porcentagem: é um crescimento de 99.655% no número de óbitos. Na terça-feira também batemos o triste recorde de mortes em um só dia: 1.179. Ontem, uma oscilação nestes números e o Brasil teve 888 mortes, o que ainda assim é muito. 

Se este choque não é o suficiente para convencê-lo a utilizar máscara e a seguir as recomendações de distanciamento ou de adequar seu negócio que está reabrindo, então imagine que somente no dia de ontem ocorreu a queda de cinco aviões de 220 lugares. A tragédia não é anunciada. Ela está entre nós. Poucos países tiveram mais de mil por dia e o Brasil passa a integrar o “clube” que tem Estados Unidos, França, Reino Unido e China.

Nem mesmo na Espanha e na Itália, dois dos países mais afetados pelo novo coronavírus na Europa, isso aconteceu. Por lá, o pico diário se aproximou do milhar: em 27 de março a Itália registrou 919 mortos e a Espanha 961 em 2 de abril. Os números significam uma inequívoca aceleração da doença, o que preocupa ainda mais os especialistas da área da saúde no Rio Grande do Sul, que temem que o País possa enfrentar em semanas mortes causadas pelo colapso do serviço de saúde, seja ele o SUS ou o privado.

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que os Estados Unidos chegaram a registrar mais de mil mortos todos os dias por um mês inteiro - entre 4 de abril e 3 de maio. “Na verdade, o que a gente tem visto aqui, é que vai ter aumento tanto no número de infectados, quanto de mortos. Significa que está aumentando a disseminação da doença entre a população”, analisa o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Eduardo Trindade, ao acreditar que estamos apenas no começo. “No geral, a gente tem colocado que tem pessoas morrendo por falta de assistência”, aponta o presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS), Daniel Menezes de Souza.

Índices de monitoramento da pandemia no Brasil mostram que a “falta de assistência”, referida por Souza tem sido determinante no agravamento do cenário. As regiões, Norte, Nordeste e Sudeste do país, por exemplo, possuem taxas de mortalidade por 100 mil habitantes de 18,5, 9,3 e 9,9, enquanto o Centro-Oeste e Sul estão empatados em 1,2. No Sul, onde a estrutura de saúde é mais robusta, morreram 371 pessoas pela doença. No Norte já foram 3.404 mortes. “A estrutura prévia no Norte já era precária antes da pandemia, com poucos leitos de UTI e falta de especialistas em medicina intensiva. Já o Rio e São Paulo até têm uma boa estrutura, mas que não deu conta do volume de casos”, acredita Trindade. “Nas outras regiões, a não adesão da população ao isolamento e não seguimento às orientações das autoridades também contribui para puxar estes números”, acrescenta o presidente do Coren-RS.

Menezes lembra que países que conseguiram superar a pandemia fizeram testagem em massa da população. O que não é o caso do Brasil, que falha em distribuir testes da Covid-19 e não tem ideia de quantos exames já realizou, apesar de o Ministério da Saúde ter afirmado em 12 maio já ter distribuído 6,9 milhões de testes para detectar a doença. “Falta até a testagem dos profissionais de saúde. Cerca de 70% das pessoas são assintomáticos e têm colegas assim no serviço de saúde. Mas não há falta de testes no mercado. Este é um ponto que está influenciando nestes índices alarmantes. Há uma grande subnotificação”, coloca Menezes. Só na área da enfermagem, o Rio Grande do Sul tem 578 profissionais afastados - confirmados ou com suspeita; destes são apenas 80 os casos positivos, conforme levantamento do Coren-RS.

O médico de família e epidemiologista, que atua como professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Airton Stein, elenca uma série de fatores numa tentativa de responder sobre o fracasso do Brasil no combate ao novo coronavírus. “O sistema de saúde já vinha com subfinanciamento. Investimentos em ciência aquém do necessário. Muitos produtos de proteção e quase tudo vem importado, além dos ventiladores.

Produtos que a indústria brasileira não vinha produzindo. Evidentemente isso é um problema sério. Também o problema da comunicação.  Há uma necessidade de orientar as pessoas. Mas as pessoas estão confiando mais no amigo. O brasileiro não confia nem nos serviços de saúde, muitas vezes”, aponta. Além do mais, o professor acredita que o país possa estar enfrentando uma dura combinação de fatores que acabam acarretando na tragédia em andamento. Segundo ele muitos portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, simplesmente abandonaram seus tratamentos. “No caso das pessoas de não irem no posto de saúde para se tratar de diabetes ou hipertensão, estas vão ter uma piora em caso de infecção por Covid-19. Vai ser uma tempestade perfeita”, acredita.

Para que o vírus deixe de contaminar mais pessoas, Stein reforça a necessidade dos cuidados recomendados pelas autoridades de saúde, como as distâncias entre uma pessoa e outra, o isolamento social, bem como as restrições de funcionamento de atividades comerciais. “Não tem medicamento, nem vacina. O que funciona são medidas não farmacológicas. Não tem solução mágica”, reforça o professor. De acordo com ele, a redução no número de casos tem a ver com a capacidade de poder tratar adequadamente o maior número possível de doentes. “O achatamento da curva (de contágio) é necessário para que o sistema de saúde se preparasse para ter um número maior de leitos com UTI. O tempo médio de internação em UTI, por Covid, é de 10 dias ou tempo maior. E 5% vão para a UTI e muitos deles podem morrer”, explica.

O presidente do Cremers defende que a abertura de negócios seja regrada, de forma a controlar melhor a evolução dos casos. “Queremos evitar aquelas mortes por colapso. Evitar que se faça uma ‘Escolha de Sofia’”, defende, ao se referir ao risco de os médicos terem que escolher quem será internado na UTI: os idosos ou os mais jovens, com maior chance de sobrevida e que tomarão o lugar dos mais velhos na disputa por um respirador?


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