ECA completa 25 anos com avanços em Porto Alegre

ECA completa 25 anos com avanços em Porto Alegre

Ato irá comemorar aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente

Heron Vidal

ECA tirou da cena jurídica brasileira o Código de Menores

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Há um quarto de século o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tirou da cena jurídica brasileira o Código de Menores e trouxe uma legislação considerada avançada, embora falte ainda contrapartida do poder público (município, estado e União) à altura das necessidades das crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade, para uma boa proteção e, quando preciso, ressocialização. Nesta segunda-feira completam-se os 25 anos de vigência do ECA. Na sede da Fundação Pão dos Pobres, em Porto Alegre, a Comissão Especial da Criança e do Adolescente da seccional Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) manterá sua tradição de comemorar o aniversário do Estatuto. Às 14h haverá ato e as crianças da Fundação farão apresentação musical.

Na última quarta-feira, o registro estatístico na página da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do RS (Fase), na Internet, apresentou uma pequena amostra da realidade. A população das 13 unidades de internação da Fase no Estado era de 1.072 adolescentes, dos quais 453 estavam nas seis unidades de Porto Alegre. Em outras dez casas de semiliberdade estavam mais 114 adolescentes. Ao todo o sistema abrigava 1.186 adolescentes para uma capacidade populacional de 944. O déficit, ou a superpopulação, exigia 242 novas vagas, naquele dia.

O desembargador Daltoé Cezar, da 7º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RS), comemora os 25 anos do ECA. O Estatuto, diz, “mudou de forma positiva o atendimento e criou uma rede de políticas públicas à criança e ao adolescente, apesar das deficiências”. Na opinião do magistrado, duas mudanças são fundamentais. Uma delas é aumentar o tempo de permanência do adolescente envolvido em delitos graves nas casas de acolhimento. “Na Grande Porto Alegre há 2,5 mil condenados fora da cadeia. Usam tornozeleira eletrônica ou estão em prisão domiciliar devido o esgotamento do sistema prisional”, compara.

Para o desembargador, que ministra aulas na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é melhor o adolescente infrator estar numa unidade da Fase do que nas ruas. Uma fórmula para reter o jovem propõe sua internação por um tempo igual à metade do que cumpriria um adulto na prisão, pelo mesmo crime. A outra mudança é tornar a adoção de crianças mais flexível. “O ECA criou vínculo biológico da criança com sua família, que muitas vezes é a razão do problema”, comenta. Porém, segundo o Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2014 só 4% dos pretendentes tinham disposição para adotar crianças até 6 anos de idade. Para os 7 anos o interesse caiu para 2,5%. “É urgente desengessar essa questão”, defende o desembargador.

Por ainda ser vanguarda na garantia dos direitos às crianças e aos adolescentes, o ECA é defendido por Júlio Almeida, diretor da Promotoria da Infância e Juventude de Porto Alegre. Mas ele recomenda alterações no Estatuto. “São medidas de consenso entre a magistratura e já tramitam no Congresso”, acrescenta. Aumentar a permanência dos adolescentes nas unidades públicas de abrigo por delitos classificados como hediondos, em vez da redução da maioridade penal, é uma delas.

"Investir em educação"

Por que o ECA é avançado? É porque mudou o paradigma, a cultura arcaica do Código de Menores. O Código confundia carência com delinquência, recolhia crianças. O juiz era um intervencionista na vida da criança e do adolescente. Era, ao mesmo tempo, acusador, defensor e julgador. Hoje, o juiz precisa ser provocado para decidir. Crianças e adolescentes, depois do ECA, passaram a ser sujeitos de direitos iguais aos adultos, são protagonistas na busca da justiça e da reparação de direitos violados. As explicações e conceitos são do advogado Carlos Kremer, presidente da seccional da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB/RS.

Contra a eficiência do ECA atua a falta de apoio e de recursos das políticas públicas. “Isto leva uma grande parcela da sociedade a pensar com a cabeça no Código”, afirma Kremer. No perfil dos adolescentes infratores, mapeado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destacam-se o baixo grau de instrução, famílias desestruturadas e um quadro econômico de pobreza. “Se o poder público investisse em educação, saúde e estruturação das famílias, ninguém defenderia o absurdo da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos”, entende Kremer.

Na Espanha, onde o problema do adolescente infrator foi grave, a situação foi resolvida com a criação do Ministério da Família, exemplifica Kremer. Hoje, em vez de superpopulação,há sobra de vagas nas casas de internação. A redução da maioridade penal, conforme o presidente da seccional da Comissão, “é como a proposta de emenda constitucional 171, que propõe a medida: é um estelionato”, diz numa alusão ao artigo de mesmo número do Código Penal. “Ironicamente, é também estelionato induzir a ver no adolescente a causa da violência”, comenta o advogado. “A redução só aumentará a população dos presídios. O ECA tem a saída, justa, da ressocialização”, conclui.

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