Em meio à crise, fé tem importância renovada

Em meio à crise, fé tem importância renovada

Consideradas essenciais nos momentos mais difíceis, religiões tentam manter trabalhos sociais e espirituais apesar de restrições

Correio do Povo

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A fé é um aliado importante para a saúde do corpo e da mente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) inclusive define a espiritualidade como um fator positivo na saúde psíquica, social, biológica e de promoção do bem-estar.

Conforme o IBGE, no Brasil pelo menos 92% da população diz ter alguma religião. Apesar disso, práticas religiosas foram suspensas em níveis estaduais e municipais, contrariando o decreto do governo federal que inclui os cultos como atividades essenciais. Mais de 500 cidades brasileiras ainda proíbem a abertura de espaços religiosos. Em diversas localidades do país, inclusive, templos e igrejas têm sido surpreendidos com fiscalizações ostensivas, mesmo quando estão nos espaços apenas para realizar transmissões virtuais.

O presidente da União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (Unigrejas), bispo Eduardo Bravo, sempre defendeu que as igrejas ficassem com as portas abertas, obedecendo às normas de segurança. Segundo ele, “muitos prefeitos entenderam isso e flexibilizaram o funcionamento das igrejas. Foram inteligentes, porque têm na igreja um apoio de cuidado da população. Agora, há prefeitos que não entenderam isso, tivemos muitos decretos abusivos.”

Em Porto Alegre, o último decreto da prefeitura com medidas restritivas para igrejas e templos foi publicado em 23 de junho. O documento diz que “fica permitido o trabalho social nas igrejas e templos de qualquer natureza que envolva o recebimento e a entrega de doações de alimentos, agasalhos e similares, cuja entrega poderá ocorrer somente no sistema pegue e leve, sendo vedado o ingresso nos estabelecimentos e a formação de filas, mesmo que externas”.

O arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, ressalta que é preciso lembrar que a religiosidade faz parte da estrutura humana e a prática religiosa é marcada por ritos e também por tradições. “Certamente este momento que estamos vivendo não está nos permitindo vivenciar a ritualidade da prática religiosa. No entanto, na intimidade dos nossos lares buscamos manter viva a experiência da fé, porque ela nos oferece horizontes. A partir da fé podemos alimentar a esperança também”, afirma. Além disso, dom Jaime enfatiza que o cultivo da fé é fundamental. “Se trata também de uma questão inclusive espiritual e psíquica”, assinala.

A comunidade que se encontra no templo, conforme Dom Jaime, é um aspecto fundamental da fé cristã e católica. “O cristianismo é essencialmente comunitário. Então certamente neste momento essa limitação que nos é imposta nos faz sofrer. Isso para nós é um grande desafio, imagina para as pessoas o que significa não poder se encontrar semanalmente ou até diariamente”, comenta. A Arquidiocese de Porto Alegre, conforme dom Jaime, realiza doações de alimentos e implementou o TelePaz, um serviço telefônico que busca atender quem precisa expressar as preocupações trazidas pela pandemia e uma companhia para rezar. Também publicam mensagens diárias nas redes sociais partindo da perspectiva da fé e fazendo uma relação com a crise sanitária. “É uma forma de estarmos em contato com o nosso povo em geral, da forma que é possível atualmente”, pontua.

O pastor Devane Araújo, da Universal e líder da União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos no RS, ressalta que as igrejas realizam o trabalho social e espiritual em apoio às pessoas que estão aflitas em meio à pandemia. “Precisam de alguém para escutá-las e orientá-las e cabe aos bispos e pastores fazer este acompanhamento. A igreja é o pronto-socorro da alma em toda a sua extensão”, observa, ao lamentar, contudo, as restrições. Araújo ressalta que os templos se adequaram às normas do Ministério da Saúde e, mesmo assim, em alguns municípios, como a capital gaúcha, permanecem fechados.

Segundo ele, a restrição torna mais difícil o trabalho essencial das igrejas em um momento de incertezas, com aumento dos casos de depressão e violência doméstica, que resulta em agressões praticadas contra mulheres, idosos e crianças. De acordo com o pastor, “as igrejas não contaminam as pessoas”. “É inadmissível um decreto absurdo que dificulta o trabalho social, inclusive a arrecadação de alimentos e roupas para doação. A igreja é a maior parceira das prefeituras, pois vai onde os governantes não conseguem chegar. Por isso, é essencialmente necessário que permaneçam abertas e com cultos presenciais”, completa.

O rabino da Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (Sibra), Guershon Kwasniewski, destaca que a comunidade judaica desde meados de março se tornou 100% virtual por conta das restrições previstas nos decretos municipais e estaduais, que tratam da proibição de receber as pessoas nas sinagogas. “Nosso acompanhamento espiritual lamentavelmente também é via telefone ou Internet, porque estão proibidas as visitas aos hospitais. Tudo aquilo que antes era presencial se tornou virtual”, afirma, comentando que as sinagogas já estão se preparando para cumprir os protocolos de distanciamento e higiene para retomar as atividades com as portas abertas.

Kwasniewski enfatiza que o mundo entrou em quarentena, mas as religiões não. “Devemos manter as nossas práticas nesses momentos de fraquezas. Reforçamos nossos contatos virtuais, muito especialmente acompanhando as pessoas que moram sozinhas, para tentar estar ao lado dos que necessitam”, reitera, lembrando que esse acompanhamento transcende religiões. “Está faltando o abraço, o beijo, os cumprimentos, mas entendemos que isso é passageiro”, define.

Durante a pandemia da Covid-19, não são apenas as igrejas que têm sentido os impactos das restrições. Em Osório, o pai de santo Cleber José da Silva, que atua há 30 anos na casa Ilê Axé de Iemanjá com as religiões de matriz africana Nação, Umbanda e Quimbanda, também precisou suspender as sessões. “Estamos nos adaptando do jeito que dá, mas nesse momento de pandemia as pessoas estão precisando ainda mais da conexão com as religiões. Tem muita gente deprimida por estar há tanto tempo em casa, sem poder exercer sua religião plenamente”, reforça. “Sejam as igrejas, os templos, as casas de matriz africana, de uma maneira ou de outra a gente ajuda as pessoas. Agora fecharam tudo, vamos ajudar como?”, questiona.


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