Festa universitária se transforma na maior tragédia do Estado

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Um ano após incêndio na boate Kiss, quatro presos foram soltos

Correio do Povo

Incêndio na Boate Kiss mata 242 jovens

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Maior tragédia da história do Rio Grande do Sul, o incêndio na boate Kiss vitimou 242 pessoas na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. O fogo começou por volta das 2h30min, no Centro de Santa Maria e deixou mais de 620 feridos. Os jovens participavam de uma festa – chamada de Agromerados – organizada por estudantes do curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

À época, quatro pessoas foram presas: os sócios da casa noturna Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que tocava no evento, Marcelo de Jesus dos Santos; e o produtor do grupo, Luciano Bonilha Leão. Eles receberam habeas corpus quatro meses depois.

De acordo com testemunhas, as chamas começaram quando um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira acendeu um artefato pirotécnico no palco. Uma faísca originada pelo objeto encostou no teto forrado de espuma da casa noturna. As pessoas demoraram para perceber o fogo e, para piorar a situação, os extintores posicionados na frente do palco não funcionaram, conforme relatos. O incêndio se espalhou rapidamente. A falta de saídas suficientes prejudicou a evacuação do lugar.

Em pânico, muitos não conseguiram encontrar a única porta da boate e correram para os banheiros, mas as basculantes estavam bloqueadas por tábuas. Alguns conseguiram fugir em direção à saída, mas ficaram presos nos corrimãos usados para organizar as filas. A boate foi tomada por uma fumaça preta e isso dificultou a visão das pessoas. A maioria morreu asfixiada dentro dos banheiros ou na parte dos fundos.

A espuma usada para abafar o som do ambiente era imprópria para uso interno e produziu substâncias tóxicas, como cianeto, o que teria causado a maioria das mortes. A boate funcionava com documentação irregular e estava superlotada. O sinistro foi considerado o segundo maior no Brasil em número de vítimas em um incêndio. Foi superado apenas pela tragédia do Gran Circus Norte-Americano, ocorrida em 1961, em Niterói, no Rio de Janeiro, que causou 503 mortes.

Indiciados

A Polícia Civil indiciou 16 pessoas pelo ocorrido na boate Kiss. O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, foi investigado por improbidade administrativa, mas o processo acabou arquivado. Os resultados do inquérito policial sobre a tragédia foram listados em um documento com cerca de 13 mil páginas. Conforme exames do Instituto Geral de Perícia (IGP), 100% dos óbitos ocorreram pela inalação de dióxido de carbono com cianeto.

Cinco delegados atuaram na investigação durante 55 dias. Entre os pontos abordados pela comissão estava a superlotação da casa noturna. Segundo o delegado Marcelo Arigony, 119 pessoas afirmaram em depoimento que havia mais de mil pessoas no local. “Com porta adequada, com ventilação, extintores, rota de fuga, sinalização e sem as barras de contenção que havia na saída, a boate Kiss poderia, talvez, comportar até 761 pessoas”, revelou na época Arigony.

Conforme a investigação, 108 pessoas declararam que o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus do Santos, usou fogo de artifício quando estava no palco e ergueu o objeto em direção ao teto. Depois, o cantor tentou apagar os focos de incêndio com um extintor, que não funcionou. Em 40 segundos, o ambiente foi tomado pela fumaça preta provocada pelas chamas.

Problemas na fiscalização

O comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros (CRB) e mais sete policiais militares foram indiciados no Inquérito Policial Militar (IPM) que investigou o incêndio na Kiss. Seis foram denunciados no artigo 324 do Código Penal Militar, que trata de inobservância de lei, regulamento ou instrução. Eles não teriam observado uma central de gás na boate Kiss, que não poderia existir, além de não cobrarem treinamento dos funcionários em caso de incêndio.

Um sargento foi indiciado pelos artigos 299 – falsidade ideológica – e 47, da Lei de Contravenções Penais, exercício ilegal da profissão ou atividade. Desde 2008, ele era sócio-majoritário de uma empresa de prevenção de incêndios, o que não é permitido por força do serviço militar.

CPI gera mais revolta

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a tragédia na Kiss foi instalada na Câmara de Vereadores de Santa Maria no começo de março. Os parlamentares terminaram a investigação afirmando que o trabalho não seria de julgar ou condenar pessoas pelo ocorrido na boate. No final, foi entregue um documento com 90 páginas, onde integrantes da comissão fizeram um pedido de desculpas em nome da cidade pelo sinistro. A CPI, na verdade, foi marcada principalmente por pontos polêmicos.

Uma gravação foi vazada com uma conversa entre dois vereadores, que discutiam os rumos da comissão e disseram que a orientação era de “não dar em nada”. Eles também se mostram preocupados com a decisão de chamar um advogado da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) para compor a mesa. O diálogo deixou os familiares das vítimas em dúvida quanto ao rumo que as investigações tomariam e um grupo de manifestantes ocupou a Casa após o vazamento do áudio.

Nova Legislação tenta evitar tragédias semelhantes

Com o objetivo de tornar a fiscalização mais rígida e evitar futuras tragédias em casas noturnas, novas leis foram analisadas e propostas por parlamentares. No Rio Grade do Sul, uma regulamentação sobre a prevenção e proteção contra incêndios foi sancionada pelo governador Tarso Genro no Palácio Piratini.

Um dos pontos da lei aprovada foi a obrigatoriedade de do Plano de Prevenção de Incêndios ser atualizado anualmente para casos de médio a grande risco e, a cada três anos, para baixo risco de incêndio. “Foram acrescentados novos parâmetros referenciais para projetos de prevenção a incêndio para além da área e altura, que era o que se usava. Vamos acrescentar mais ocupação e uso da edificação, quantidade de pessoas que frequentariam o local, controle de fumaça e carga de incêndio, que nada mais que é o potencial à combustão existente dentro da edificação”, destacou o autor do projeto, Adão Villaverde.

As penalidades podem ser de três tipos: advertência, multa, interdição e embargo. “As três primeiras são de responsabilidade do Corpo de Bombeiros, enquanto que o embargo fica sob responsabilidade do órgão municipal”, esclareceu. Segundo ele, nenhuma edificação poderá entrar em funcionamento sem o Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI).

Em Santa Maria, o prefeito Cezar Schirmer sancionou a Lei Municipal nº 5.480, que passou a obrigar as casas noturnas a informar a quantidade de público em placar eletrônico. Com isso, casas de shows e de espetáculos sem assentos marcados, além boates e danceterias, terão de instalar os equipamentos de contagem simultânea, que deverá ser realizada desde a abertura até o encerramento, em local visível ao público, dentro e fora do ambiente, indicando também a capacidade total.

A lei prevê ainda um limite de 95% da lotação para que o proprietário ou promotor do evento “inicie procedimentos para que, em hipótese alguma, a capacidade seja ultrapassada”. Também deve constar em um dispositivo visível junto ao acesso principal os seguintes dizeres: “Se ultrapassou o limite de população, denuncie imediatamente ao Corpo de Bombeiros e/ou setor de fiscalização do Executivo Municipal.”

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