Gravidez precoce ainda preocupa e se mantém como desafio para rede pública de saúde

Gravidez precoce ainda preocupa e se mantém como desafio para rede pública de saúde

Somente em 2016, mais de 19 mil jovens gaúchas, com idade entre 10 e 19 anos, deram à luz

Jézica Bruno

Somente em 2016, mais de 19 mil jovens gaúchas, com idade entre 10 e 19 anos, deram à luz

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Apesar de o Brasil ter registrado uma queda de 17% em casos de adolescentes grávidas, o país ainda enfrenta alta taxa de fecundidade entre grupo de mães de 10 a 19 anos, principalmente nas classes mais pobres. Os dados preliminares do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), divulgados neste ano pelo Ministério da Saúde, apontam que, em números absolutos, a redução foi de 661.290 nascidos vivos de mães adolescentes em 2004 para 546.529 em 2015. A queda é relacionada a fatores como ampliação do acesso a métodos contraceptivos e à expansão do Programa Saúde da Família no país. No entanto, apesar da redução dos números, o tema ainda requer cuidados em todo o mundo, onde, a cada ano, nascem 14 milhões de crianças de mães adolescentes.

Países da América Latina, assim como do Caribe, carregam uma das maiores taxas de fecundidade entre mães de 15 a 19 anos, sendo 73,2 registros por mil nascimentos, o que representa quase o dobro dos níveis de outras regiões do mundo, que é de 48,9 por mil. O índice só é superado pela África, país que atinge 103 por mil, conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2016. A realidade aponta para que em cada cinco mulheres, uma seja mãe antes de terminar a adolescência nos países do Cone Sul.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a região com mais filhos de mães adolescentes é o Nordeste, que contabiliza 180.072 nascimentos (32%), seguida da região Sudeste, que registra 179.213 (32%). A região Norte vem em terceiro lugar com 81.427 (14%) nascidos vivos, seguido da região Sul, que possui 62.475 (11%), e Centro-Oeste, com 43.342 (8%). O número de crianças nascidas de mães adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos representou 18% do total de 3 milhões de nascidos vivos no Brasil em 2015.

Ainda conforme o Ministério da Saúde, atualmente 66% dos casos de gravidez em adolescentes não são planejados. Para reduzir esse índice o governo distribui gratuitamente, através do Sistema Único de Saúde (SUS), pílula combinada, pílula anticoncepcional de emergência, diafragma, minipílula, anticoncepcional injetável mensal e trimestral, assim como preservativos feminino e masculino. Além disso, deu início à oferta de Dispositivo Intrauterino (DIU) de cobre em todas as maternidades brasileiras.

No Rio Grande do Sul, as adolescentes foram responsáveis por 19.720 nascidos vivos (13,98%) em 2016, conforme dados preliminares da Secretaria Estadual de Saúde (SES). Número menor que o de 2015, quando havia 21.553 nascidos vivos (14,54%) de mães adolescentes no Estado. Em 2015 as três maternidades com maior número de nascimentos no Estado foram o Hospital Universitário de Canoas, o Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, e o Hospital Moinhos de Vento, também na Capital.

A partir deste ano, o Ministério da Saúde, através do Sispacto, sistema online utilizado para o registro da pactuação de diretrizes do SUS, instituiu o “Indicador 14 - Proporção de gravidez na adolescência entre as faixas etárias de 10 a 19 anos”, que será supervisionado pelo Estado do Rio Grande do Sul. O indicador monitora a tendência de gravidez de adolescentes no Brasil com o objetivo de nortear as ações de saúde nas unidades básicas, escolas e maternidades de todo o país. Os dados também subsidiam processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas e ações voltadas para a promoção da saúde sexual e reprodutiva de adolescentes.

Gravidez não programada

A descoberta de uma gravidez é um momento único para a mulher. Os motivos são variados, assim como os sentimentos. Da felicidade à aflição, a reação está ligada a fatores como a maturidade, o desejo, a surpresa, entre outros. No caso das adolescentes, a gestação dificilmente é programada. “A maioria das vezes é ao acaso. É o pensamento de que nada vai acontecer e não precisa se proteger”, afirma a médica do setor de Gestação de Alto Risco do Hospital Conceição, Ângela Kalil. Há 37 anos trabalhando no mesmo local, ela relata que determinados comportamentos tendem a se repetir quando se trata de adolescentes grávidas.

Desde a menstruação que está atrasada há meses até a divulgação da notícia para a família e o abandono do parceiro, certos fatos são corriqueiros com relação ao tema. “Ela (adolescente) se surpreende com o atraso menstrual e muitas vezes isso é omitido da família. Ela acaba chegando ao hospital com gestação bastante adiantada”, conta Ângela. A médica também relata que, normalmente, as gestantes adolescentes que chegam ao Conceição são de um nível socioeconômico mais baixo e foram concebidas por mães ainda adolescentes. “As coisas se repetem”, considera.

Segundo Ângela, nestes casos a criação do bebê acaba sendo realizada pelas avós. A médica ainda conta que há casos em que as bisavós destes bebês têm cerca de 50 anos. “Elas (adolescentes) chegam ao SUS em função da incidência maior de complicações. Muitas vezes o corpo não está adaptado a gestar, e também porque muitas vezes elas chegam tarde, sem exames e com infecções associadas. Dessa forma, aumenta a incidência de internação”, explica.

Um dos reflexos da gravidez percebido por Ângela é a evasão escolar. “A grande maioria acaba saindo da escola. Elas não se sentem à vontade para manter uma vida social e acabam ficando mais em casa. Além disso, depois do fato ocorrido, a família puxa a rédea”, conta. Por outro lado, a atuação da médica e da equipe que lida com estas adolescentes procura mostrar a importância de se continuar na escola e ter uma vida social ao mesmo tempo que as prepara para serem mães. “Além da orientação verbal e dos cuidados, a anticoncepção também é trabalhada para que a gravidez não ocorra novamente de forma não planejada”, ressalta a médica.

O trabalho é realizado durante o período de pré-natal. Nesta época, as meninas costumam ser acompanhadas por familiares. “A grande maioria não tem o parceiro. Normalmente ele é um adolescente que descobre a gravidez, se assusta e sai da história. As meninas acabam assumindo com a família”, disse Ângela.

Mesmo com o trabalho realizado no local também há reincidências. “Não é tão raro a adolescente com mais de uma gravidez”, salienta a médica. Conforme ela, há casos de mulheres de 25 anos que já têm cinco filhos, com os partos sendo realizados desde a adolescência. “E quase nunca os pais se repetem nos casos de adolescentes com mais de uma gravidez”, destaca. Um dos fatores motivadores para esse tipo de caso é a ausência familiar. “Normalmente não há o triângulo familiar - entre pai, mãe e filha. É raro uma família estruturada”, alega. Dessa maneira, de forma geral, a gravidez precoce é tratada como uma sina familiar. Por outro lado, as adolescentes costumam desenvolver um vínculo com a criança, com índices baixos de abandono.


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