Ministério Público mira publicidade infantil no YouTube

Ministério Público mira publicidade infantil no YouTube

Nos vídeos, os jovens influenciadores digitais aparecem desembrulhando brinquedos e mostrando detalhes

AE

Para o MPE, a estratégia da fabricante serviria para estimular o consumo por parte das crianças, grupo considerado vulnerável

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Apresentadora de um canal com 4.257.198 seguidores no Youtube, a estudante Julia Silva, de 13 anos, está se sentindo exposta pela primeira vez. A menina que faz sucesso na internet abrindo bonecas novas em frente à câmera, mostrando o próprio quarto ou compartilhando passeios com a família foi alvo de uma série de notícias nesta semana, após o Ministério Público de São Paulo (MPE) pedir à Justiça que o Google derrube 102 vídeos dela e de outros seis youtubers mirins. Para a promotoria, eles estariam sendo usados por empresas para driblar a lei e fazer propaganda infantil abusiva.

Nos vídeos, os jovens influenciadores digitais aparecem desembrulhando brinquedos e mostrando detalhes, modalidade conhecida por "unboxing". Também exibem material escolar, falam de novidades no cinema ou programas na TV - segundo o MPE, formas de propaganda disfarçada e ilegal. O inquérito foi instaurado após denúncia do Instituto Alana, ONG voltada para direito das crianças. No caso de Julia, a promotoria questiona uma serie de 12 vídeos, feitos em 2012, que foram contratados pela fabricante de brinquedos Mattel.

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Na sequência, a youtuber mirim brinca com bonecas Monster High (franquia de fashion dolls) e promove "desafios culturais" para as crianças. Os vencedores conheceriam a sede da empresa e se encontrariam com a youtuber. Os responsáveis por Julia negam irregularidades e se dizem preocupados com o impacto da repercussão para a garota.

"É uma situação revoltante porque estão imputando à minha filha um delito que ela não cometeu, foi tudo legal", afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o engenheiro eletrônico Dreyfus Silva, de 42 anos, o pai da youtuber. "Ela não consegue entender por que está sendo exposta", disse. Segundo o pai, Julia estaria "triste", mas disposta a continuar com a atividade do canal.

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Para o MPE, a estratégia da fabricante serviria para estimular o consumo por parte das crianças, grupo considerado vulnerável. "A informação de que se trata de promoção paga e de que o patrocínio da campanha era daquela empresa aparecem de forma não destacada", grifou na petição o promotor Eduardo Dias de Souza Ferreira. "Ambos podem passar despercebidos para um adulto, quanto mais por uma criança." Já a família de Julia alega que a campanha é uma "publicidade clara" - e não velada - e representaria menos de 10% do conteúdo do canal. Também diz ter comprado todos os brinquedos exibidos no Youtube, mesmo os da Mattel.

"Os outros vídeos são conteúdos editoriais. A intenção sempre foi mostrar o que Julia gosta de fazer. Nunca foi estimular o consumo", afirma a mãe e advogada Paula Queiroz, de 40 anos. Os pais argumentam que o material publicitário não foi veiculado na plataforma Youtube Kids, estaria sinalizado com "todas as ferramentas" disponíveis na rede social e tinha mecanismos para evitar que crianças conseguissem participar sem anuência dos pais. "O concurso exigia que o responsável preenchesse um formulário com dados, inclusive CPF", diz Paula.

Segundo a família, a série alvo do MPE foi gravada em São José dos Campos (SP), onde eles moravam na época. "Tudo foi acompanhado por um promotor local e havia um alvará da Justiça permitindo que Julia fizesse a publicidade", diz Silva. "Foi um contrato profissional."

Há cerca de dois anos, a youtuber mirim mora em Quebec, no Canadá, onde estuda em tempo integral. Ela cursa o equivalente ao 9.º ano do sistema brasileiro e foi premiada por manter média global acima de 90%. É fluente em inglês e francês e publicou três livros - um deles em Portugal.

"O canal no Youtube não atrapalha, ela grava de duas a três vezes por semana, quando tem tempo, mas o estudo é prioridade", diz a mãe. Para os pais, falta clareza à regulamentação e restrições legais sobre publicidade infantil no Brasil. "Acho justo abrir um debate sobre o tema, o que não é correto é perseguir uma criança", afirma Silva. "Se algum vídeo estiver ferindo a legislação, não vamos ter problema nenhum em tirar do ar."

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