Ruas da Cidade Baixa trazem caminhos cheios de contradições em Porto Alegre

Ruas da Cidade Baixa trazem caminhos cheios de contradições em Porto Alegre

Bairro traz risadas e diversão de um lado e insegurança e sujeira de outro

Marco Aurélio Ruas e Mauren Xavier

Ruas da Cidade Baixa trazem caminhos cheios de contradições em Porto Alegre

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Não há como caracterizar o bairro Cidade Baixa sem levar em consideração o momento e as suas contradições. A região vive em constante transformação, influenciada por diferentes comunidades que a habitam. Moradores, frequentadores e trabalhadores, cada um deixa seu rastro ou marca. Neste universo, apenas uma característica é atemporal: a boemia. As dezenas de bares e casas noturnas, lado a lado, atraem pessoas de todas as partes de Porto Alegre e da região Metropolitana, movimentam as ruas, especialmente no final do dia até o final da madrugada.

O desafio é conseguir equilibrar o clima festivo com as demandas do comércio e as necessidades dos moradores. Neste panorama, assim como suas qualidades, seus defeitos são evidentes, especialmente nos últimos anos, como é o caso da presença de moradores de rua, das pichações, sujeira, vandalismos, entre outros.

Para mostrar um pouco dessas contradições, percorremos algumas ruas do bairro. Em menos de dois minutos na calçada da rua Lima e Silva, a principal da Cidade Baixa, aparece a primeira pessoa pedindo dinheiro. A prática se tornou comum na região. A abordagem daqueles que estão nas mesas em frente aos bares é considerada uma prática comum. E não é só de pessoas pedindo dinheiro, mas também vendendo artesanatos e outros produtos, como incenso, colares ou brincos.

O aumento na presença de moradores de rua é uma das mudanças mais perceptíveis nos últimos anos, como relata o vendedor autônomo Eduardo Chittolina, 53. “Os frequentadores saem de restaurantes e dão comida, além de cigarro ou bebida”, relata. Na prática, eles estão presentes em quase todas as ruas, onde se vê, não raramente, colchões e roupas deixadas em frente a alguns prédios. Há quase dez anos morando no bairro, o vendedor ainda conta que, entre outras coisas, a criminalidade na região preocupa há anos. “Fiquei quase um ano sem sair à noite. Não vou ficar me arriscando”, declara.

Seguindo a caminhada, em menos de quinze minutos, a quantidade de pessoas circulando pela rua da República não impede dois jovens de urinarem em uma árvore. O ato é ainda mais comum que o anterior, principalmente nas ruas escuras e, consequentemente, menos frequentadas.

“A Cidade Baixa pode ser separada em três momentos: o familiar, durante o dia; o da noite, com a abertura dos bares; e o da madrugada, que é de outro mundo”, avalia com clareza a professora Leonor Pereira, 73. Moradora há quase 17 anos, ela ressalta que poderia escrever um livro com as coisas que viu acontecer na região. “Já vi um caminhão virar um contêiner de lixo com um homem dentro e uma mulher procurar o marido dentro de outro contêiner desses”, conta, entre outras histórias. Segundo ela, o público que frequenta o bairro à noite é “camaleão”. “A Cidade Baixa nunca é igual, seja pro bom ou pro ruim.”

O tom camaleão indicado por ela é visto sem dificuldade nas pessoas que caminham pelas ruas. São todas as idades, os estilos e os gostos. O que justifica ainda a variedade de tipos de bares e restaurantes. Há os mais tradicionais, para aqueles que não se importam de pagar mais caro pelo chope e o jantar. Há outros mais simples, em que o público quer “xis”’ com batata frita. Mas não se engane, a variedade é maior. Há estabelecimentos para comer sushi, pizza, petiscos, comida típica italiana e por aí vai. Nos anos mais recentes, o surgimento de bares temáticos também cresceu, o que prolongou a ocupação da Lima e Silva, especialmente porque muitos estão em antigos casarões, que agora abrigam boêmios ao invés de moradores.

Há ainda pequenos espaços que basicamente só comercializam bebidas. A festa é na calçada mesmo e, quando avança a noite, interfere no sossego dos moradores. O incomodo para quem reside no bairro vem também do som alto dos carros que circulam ou param em frente a prédios, animando a festa de alguns e estragando o descanso de outros.

Caminhar pela Cidade Baixa também é testemunhar sorrisos. Não há como negar que a região é o refúgio escolhido por muitas pessoas frente ao estresse do dia a dia. “A CB (Cidade Baixa) é onde encontro amigos, bebo uma cerveja e me permito ter momentos de diversão e alegria”, confessa o estudante Rogério Bensani, 29.

A rua João Alfredo, que corta o bairro, é um dos locais onde principalmente os jovens apostam em bons momentos. Assim que os bares abrem suas portas, especialmente depois das 20h, é questão de tempo para a calçada ficar pequena e os frequentadores tomarem a rua com filas.

Da mesma forma, o trânsito quase inexistente à luz do dia se transforma em uma dança de carros à noite, todos à espreita, tentando encontrar a melhor vaga. Assim, seus donos podem buscar sua festa. Os dias mais movimentados são quinta, sexta e sábado, quando praticamente todos os lugares estão abertos. Mas nos outros dias, dependendo das festas, a circulação também acontece. “A João Alfredo é mais objetiva do que a Lima e Silva e a José do Patrocínio. Quem vem aqui sabe o que quer”, resume a estudante Roberta Napine, 29.

Assim como em todo o bairro, o público do local é heterogêneo. Enquanto um grupo bebe ao som de funk, próximo a um bar de rock, do outro lado da rua os primeiros frequentadores de um bar de samba começam a aparecer. Os estilos ficam em evidência nas roupas, maquiagens e conversas. Mais adiante, um grupo com mais de 50 pessoas toma conta de uma das vias. Elas são observadas pelos diversos agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) que passam em comboio com outros veículos da Brigada Militar. Ninguém parece preocupado.

Próximo ao Largo Zumbi dos Palmares, palco tradicional para manifestações e protestos, a batida do bumbo e outros instrumentos dá impressão de que, a qualquer momento, aparecerá uma multidão que entoará cânticos de um estádio de futebol, mas é apenas uma banda de estudantes ensaiando. “Há nove meses tocamos uma vez por semana aqui. Como participamos muito em eventos de rua, acabamos nos colocando entre o conflito dos bares versus moradores”, relata o músico e agente socioeducador, Gustavo Toreti, 24.

Percorrendo uma das quadras mais movimentadas, ingressamos na Rua da República, com bares que se prolongam com mesas e cadeiras na calçada. Em direção à rua Lima e Silva, se vê que outros grupos e estabelecimentos que seguem o mesmo espírito de descontração.


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