Saneamento ainda está longe da universalização

Saneamento ainda está longe da universalização

Coleta e tratamento do esgoto são um gargalo no saneamento básico brasileiro

Cíntia Marchi e Jéssica Mello

Saneamento ainda é longe do ideal no Brasil

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“O Rio de Janeiro era insalubre, repleto de doenças espalhadas pela miríade de insetos que infestavam os pântanos e os esgotos sem tratamento. Na falta de banheiros, o lixo e os dejetos das casas eram atirados à rua ou despejados nas praias”

O trecho de “1822”, livro de Laurentino Gomes, retrata um cenário de quase 200 anos que, alarmantemente, ainda se aplica ao Brasil de hoje. Duas situações provam isso: especialistas citam a carência de saneamento básico como um dos motivos para a proliferação do Aedes aegypti e o fato de 4 milhões de brasileiros ainda não terem acesso a banheiro, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2014.

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Dois séculos separam a chegada da corte portuguesa ao Brasil dos dias atuais, no entanto a coleta e o tratamento do esgoto continuam sendo um gargalo no saneamento básico. Se o país ainda tropeça nos serviços de abastecimento de água, é no esgotamento sanitário que ele resvala de vez. Afinal, por que o Brasil não consegue avançar neste tema, fundamental para a qualidade de vida, para a saúde pública e para boas condições do meio ambiente?

O diagnóstico publicado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) mostrou, em 2014, que 3,1 milhões de gaúchos têm acesso às redes coletoras de esgoto, o equivalente a 28% da população. Porém, apenas 15,5% do esgoto é tratado. A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que assiste 316 municípios, aponta dados inferiores – apenas 12,8% da população urbana no Rio Grande do Sul conta com coleta e tratamento de esgoto.

Os números são tímidos para quem precisa alcançar a meta de universalização dos quatro serviços do saneamento (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, coleta e destinação de resíduos e sistemas de drenagem) até o ano de 2033, segundo previsão do Plano Nacional de Saneamento Básico.

De acordo com a Corsan, serão necessários de R$ 11 bilhões a R$ 15 bilhões para o Rio Grande do Sul cumprir a meta. “É imponderável. Teremos que ter uma fonte que vá suportar este investimento, mas hoje não conseguimos ter garantias”, ressalta o presidente da companhia, Flávio Presser. Ele acredita que uma parceria público-privada poderia ser capaz de acelerar esse processo. “Essa discussão já existe. O que inexiste é uma boa proposta, porque a parceria público-privada tem que preservar o controle público, tem que ser transparente para que se evitem maracutaias”.

Resistência da população ao tratamento

Além da falta de orçamento para realização de obras na área do esgoto, Presser afirma que o Estado encontra resistência da própria população. “A água tem um valor econômico, tem um preço. As pessoas compreendem que é preciso pagar pela água, mas não compreendem que têm que pagar pelo esgoto”, ressalta. De acordo com a Corsan, existem hoje 63,6 mil ligações à rede coletora de esgoto que nunca foram feitas por opção daqueles que não querem pagar a tarifa. “Não existem dispositivos, leis nem órgãos que obriguem as pessoas a se ligarem à rede. Se as companhias fizerem pressão estarão infringindo o Código de Defesa do Consumidor. As prefeituras têm que cobrar isso por meio de legislação”, defende Presser. No momento, há 172,5 mil economias pagando a taxa à Corsan.

Ao compartilhar a opinião sobre o desinteresse da população, o conselheiro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Beto Moesh, defende a ideia de que cada condomínio ou loteamento pudesse investir na sua própria estação de tratamento de esgoto. “Por que não descentralizar o tratamento do esgoto doméstico e cada condomínio fazer a gestão do tratamento do seu esgoto, o que seria menos custoso, mais eficiente e mais educativo? Só que a Corsan e o Dmae não deixam, porque perderiam a arrecadação da taxa”, critica.

Para Moesh, a evolução do tratamento de esgoto passa por uma mudança cultural. “O poder público e a sociedade não compreendem que têm que reverter suas prioridades. A coleta e tratamento do esgoto sempre ficam num segundo plano, porque primeiro as pessoas querem asfalto, rodovias.”

Planos de saneamento

Na opinião da diretora da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes/RS), Deisy Maria Andrade Batista, os municípios deverão fazer seus planos de saneamento se quiserem avançar no tema, além de trabalharem no âmbito das bacias hidrográficas. “A melhoria dos índices só ocorrerá com visão de planejamento integrado e com o efetivo acompanhamento das ações propostas e do cumprimento de objetivos e metas traçados para curto, médio e longo prazos”, enfatiza a diretora.

No entanto, as prefeituras já demonstraram dificuldade de dar, inclusive, o primeiro passo. A lei federal 11.445, de 2007, obrigava os municípios a elaborarem os planos de saneamento básico até 2010. Em 2014, um levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS) mostrou que 47,3% das prefeituras gaúchas ainda não tinham providenciado esse instrumento de gestão. O prazo, agora ampliado, é dezembro de 2017 para conclusão dos planos.

De acordo com a Corsan, 214 municípios da sua área de abrangência possuem o plano, mas apenas 29 apresentaram estudo de viabilidade econômico-financeira. “A elaboração dos planos traz à tona a triste realidade de carência de informações e da necessidade de se organizar administrativa e institucionalmente para o desafio de universalizar os serviços”, complementa Deisy. No Brasil, 48,6% da população tem acesso à coleta de esgoto e uma média de 40% é tratado, segundo o Snis. A outra parcela não é coletada nem tratada continua provocando doenças na população, degradando a natureza, empobrecendo o Brasil.

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