Terminais de ônibus em Porto Alegre: espaço dividido com moradores de rua

Terminais de ônibus em Porto Alegre: espaço dividido com moradores de rua

Empresários e usuários do transporte lamentam falta de solução para problema social

Henrique Massaro

Moradores de rua têm criado residência nos terminais de ônibus em Porto Alegre

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Em meio ao entra e sai diário de dezenas de milhares de pessoas em dois terminais de ônibus de Porto Alegre revela-se parte das consequências de um problema histórico da cidade. Debaixo do Viaduto da Conceição e do POP Center, onde estão concentrados os pontos de embarque e desembarque do transporte coletivo da Região Metropolitana, vive também parte do público em situação de rua da Capital.

A falta de soluções para o problema social em si tem incomodado empresários, que se veem obrigados a tomar medidas que não seriam de sua responsabilidade. “Apesar de entender o problema social deles, precisamos de uma ação que corrija isso”, comentou Joaquim Cavalheiro, gerente operacional da Sogil, de Gravataí, uma das empresas que utiliza o terminal do POP Center e responsável por transportar pelo menos 6 mil passageiros por dia. Outra empresa de transporte seletivo, a Transcal, segundo o gerente Cliferson Pelisson, também registrou o mesmo número de usuários diariamente.

Além de relatos de furtos, ao perceberem uma redução de 8% no número de clientes nos últimos anos, as companhias passaram a tomar responsabilidades que seriam do Poder Público, como identificação dos boxes, pintura, iluminação e lavagem semanal do local devido às necessidades fisiológicas dos moradores de rua e da sujeira de maneira geral. Com isso, cada empresa tem investido R$ 1 mil mensais, em média.

“Seguro e sem regras”

Um ambiente seguro e sem as regras dos abrigos municipais. É assim que veem o espaço sob o POP Center parte das pessoas que ali vive. “Aqui, para nós, nunca dá nada”, afirmou Mário da Silva Neto, de 41 anos, de Uruguaiana, que vive há cinco meses no espaço.

Conforme ele e o também morador de rua Bruno Koppes, 35 anos, aproximadamente 40 pessoas vivem nas imediações do terminal de ônibus e, pelo menos na área onde ficam, asseguram que não ocorrem assaltos. Os dois homens afirmaram que consideram difícil serem retirados dali como ocorreu com o público do viaduto Otávio Rocha, na avenida Borges de Medeiros, que, na sua visão, tinha apelo maior por ser região central.

Situação chama atenção de usuários

Entre os usuários do transporte, os relatos são semelhantes aos dos empresários. Estudante de Enfermagem em Porto Alegre, a moradora de Cachoeirinha Débora Rodrigues, 18 anos, precisa utilizar o terminal de segunda a sexta-feira para ir para a aula. No início da manhã, quando chega no local e o movimento é acentuado, costuma sentir forte cheiro de urina e ver pessoas usando drogas. Ela afirmou que nunca presenciou assaltos e também relatou que, em dias de chuva, o espaço fica alagado.

Também de Cachoeirinha, Rosane Campos pega ônibus no local, mas com uma frequência semanal em função de um tratamento médico que faz na Capital. Ela disse que a situação não chega a incomodá-la e que só lhe chama a atenção o número de pedidos de esmola. “Tem que abrir o olho”, alertou, ao mesmo tempo que disse nunca ter sido assaltada ou presenciado crime assim.

Há 18 anos morando pelas ruas

No viaduto da Conceição, a situação de rua é mais explícita. Em um dos pontos, próximo a uma goteira na cobertura que pinga água mesmo em dia de sol, uma casa foi improvisada. Cozinha, cama, mesa com enfeites e vaso de flores compõem o espaço montado por Linda Barbosa. Há 18 dos seus 34 anos vivendo na rua, a porto-alegrense que chegou a esse cenário por desavenças com a família contou que foi acumulando os objetos descartados pela população. Ela, que já perambulou por vários pontos da cidade, está sob o viaduto há 5 meses.

Desde sábado passado, Linda divide seu canto com Jonatha Guimarães, 27 anos, que atribuiu seu caso ao desemprego. Ele afirmou ter trabalhado três anos na Cootravipa, terceirizada de limpeza da Prefeitura, e conta que não consegue obedecer às regras de abrigos, como horário para acordar e dormir. Apesar de não ver futuro na rua e reconhecer suas dificuldades – contou, por exemplo, que não consegue fazer suas necessidades sob o viaduto e que procura banheiros públicos para isso – , ele revelou o que torna possível sua permanência ali. “Aqui, fome o cara não passa.”

Trabalhador de um dos quiosques enfileirados em meio ao terminal, Miguel Vieira disse que aos finais de semana restaurantes entregam comida aos moradores de rua do local, que também recebem refeições de igrejas e entidades. O vendedor declarou que o uso de drogas é frequente e, por isso, entende que se trata de um problema de saúde pública. Mas, além desse tipo de suporte, o Poder Público se mostra ausente com o terminal, já que, segundo ele, desde janeiro o caminhão que fazia a limpeza não é mais usado.

Investimento do próprio bolso

Ao todo, de acordo com a Metroplan, quatro empresas da Região Metropolitana fazem transporte de passageiros no terminal: Vicasa, Real, Central e Soul. Esta última, de Alvorada, é responsável pelo maior número de usuários. Segundo o gerente de operações Marcelo Ternus, são mil viagens com cerca de 30 mil passageiros por dia.

Ele explicou que, assim como no terminal do POP Center, no viaduto da Conceição as empresas precisam investir para arrumar o local. Além de toda a questão envolvendo o público em situação de rua, relatou que, como o lugar não foi projetado para ser um terminal, há problemas estruturais, como falta de luz, água em excesso vindo da superfície do viaduto em dias de chuva e pouco espaço de calçada em função acúmulo de bancas comerciais.

Prefeitura faz abordagem

A coordenadora da Habitação Social Especial da Fasc, Vanessa Baldini, explicou que as equipes da Prefeitura fazem um serviço de abordagem social já há algum tempo. Ao todo, são 12 grupos para cobrir toda a cidade, sendo que dois deles se concentram no Centro por ter o maior número de pessoas em situação de rua. As abordagens ocorrem de forma sistemática – semanalmente – e através de demandas da comunidade.

Segundo ela, cada morador de rua é orientado sobre os serviços assistenciais do município, mas as opções de abrigo ou albergue costumam ter resistências devido às regras. Ela também comentou que remoções podem ser soluções parciais, por atender a uma demanda de um local específico. O problema como um todo, no entanto, tende a persistir. Conforme Vanessa, parte do público que deixou o viaduto Otávio Rocha, por exemplo, se fixou em outras ruas da Capital.

Por entender que o uso de drogas é um dos principais fatores que contribuem com o aumento da população de rua, a Prefeitura lançou, em maio, o Plano Municipal de Superação da Situação de Rua. Com foco na implantação de mais serviços de saúde, especialmente a mental, o Executivo deixou a coordenação com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Segundo Vanessa, reuniões periódicas têm ocorrido entre a pasta e a Fasc, e algumas pessoas já entraram no Moradia Primeiro, um dos pilares do Plano. A SMS disse que cinco pessoas já estão em residências e que mais de 30 retomaram laços familiares e voltaram aos municípios de origem.

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