Teste com base no DNA pode prever remédio mais eficaz para tratamentos

Teste com base no DNA pode prever remédio mais eficaz para tratamentos

Chamado de farmacogenético, exame ajuda a criar uma espécie de "receita personalizada"

R7

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Iniciar tratamentos com remédios de uso prolongado pode ser um desafio, seja no ajuste da dose, na adaptação aos efeitos colaterais ou até mesmo na eficácia do medicamento para determinada pessoa. Mas já existem exames capazes de identificar, com base no DNA do paciente, quais remédios vão funcionar melhor e estimar se a dose precisa ser maior, igual ou menor do que a indicada na bula, com base no perfil genético do metabolismo do indivíduo.

São os chamados testes farmacogenéticos, que começaram a ser comercializados no Brasil há cerca de cinco anos, e já auxiliam médicos a evitar o tradicional método de tentativa e erro.

O exame estabelece uma interação gene-droga a partir de variantes de genes de enzimas metabolizadoras de drogas, variantes de genes de transportadores de drogas e variantes de genes que foram relacionadas a uma predisposição para certos eventos adversos. A partir daí, cria-se para cada paciente uma escala de risco e até mesmo sugestões de doses. 

As áreas que mais se utilizam destes exames são a oncologia e a psiquiatria, mas também é possível descobrir como o seu organismo vai responder a mais de uma centena de medicamentos, inclusive aqueles usados esporadicamente, por meio de uma simples coleta de células da bochecha – feita em casa pelo próprio paciente.

O psiquiatra Guido Boabaid May, fundador da GnTech, laboratório catarinense que oferece este tipo de exame desde 2014, conta que cerca de 70% dos pacientes em tratamento psiquiátrico com medicamentos "estão com respostas parciais ou têm algum efeito colateral", as quais, segundo ele, "são grandes causas de abandono" do uso dos remédios.

Na prática, o indivíduo recebe um kit de autoteste em casa, coleta células da bochecha utilizando um swab (cotonete estéril), coloca em um envelope e devolve para o laboratório. A amostra será sequenciada a fim de cruzar os genes associados aos medicamentos mais comuns para determinada doença e quais alterações eventualmente possa haver que vão interferir na resposta a um ou outro fármaco.

"Tem pessoas com um grande número de genes farmacogenéticos com mutações que vão impactar nos medicamentos, mas também há indivíduos que têm muito pouca mutação nestes gentes e vão apresentar resposta padrão para um grande número de medicamentos", explica o psiquiatra.

Na GnTech, é possível fazer um painel farmacogenético que inclui 175 fármacos disponíveis para tratamento psiquiátrico, oncológico, cardiovascular e para doenças infecciosas. Os exames também podem ser feitos separadamente.

Ricardo di Lazzaro, sócio-fundador do laboratório Genera, que também realiza este tipo de exame, explica que as bases de dados são revisadas e atualizadas periodicamente para aumentar a precisão dos testes. "São vários artigos na literatura, estudos, que vão correlacionando esses marcadores genéticos com o metabolismo de um determinado medicamento. A gente busca na literatura, para fazer esse relatório. São mais de mil artigos científicos."

O teste fármacogenético da Genera inclui, por exemplo, a chance de adesão maior ou menor à reposição de nicotina em pacientes que desejam parar de fumar. Um indivíduo cujo exame traga o genótipo AA terá maior possibilidade de cessação do tabagismo, ao contrário dos que possuem genótipos AG e GG.

Oncologia

Outra área em que o uso da farmacogenética está consolidado é a oncologia. Atualmente, este tipo de medicina individualizada leva em conta o DNA da célula tumoral. Com base em estudos científicos, os médicos conseguem prescrever os medicamentos com melhor resposta.

"A oncologia passou por uma etapa do genoma descritivo, de ver as mutações, quais eram os genes defeituosos e não sabia nem o que aquele gene fazia. Hoje em dia, já se relacionam algumas mutações com o melhor ou pior tratamento, qual é o tumor que vai ser resistente ao tratamento e vai voltar, qual tumor é mais sensível ao tratamento...", explica a professora Eugenia Costanzi-Strauss, do Laboratório de Terapia Gênica do Instituto de Ciências Biológicas da USP (Universidade de São Paulo).

Estes testes já estão disponíveis inclusive em hospitais de referência do SUS, como é o caso do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo). "O que geralmente se faz é remover uma amostra do tumor – grandes centros utilizam até biópsia líquida, de células tumorais que estão circulando no sangue do indivíduo – e se faz o sequenciamento genético. E aí você pode escolher um ou outro medicamento que vai funcionar melhor contra um tumor com aquela assinatura genética", acrescenta a docente.

Orientação médica

Embora alguns testes farmacogenéticos possam ser comprados pela internet, eles não devem ser usados pelo próprio indivíduo na hora de escolher ou trocar um medicamento.

"Sem exceção, é um exame que traz informações para serem utilizadas sempre pelo médico, nunca pelo próprio paciente. A intepretação vai gerar decisões farmacológicas, escolhas de medicamentos, ajustes de doses, eventuais substituições, associações de medicamentos", orienta May.

Prevendo doenças 

Outro uso dos testes genéticos é para saber se você corre mais ou menos risco de desenvolver determinadas doenças. O exame procura no seu DNA marcadores específicos associados a Alzheimer, alguns tipos de câncer, entre outras.

"Como a gente está olhando milhares de pontos do DNA ao mesmo tempo, isto tem uma sensibilidade e uma especificidade. Recomendamos que, se aparecer (predisposição), muito provavelmente é. Mas sugere-se fazer um exame confirmatório específico para isso", ressalta Lazzaro.

Ainda precisam ser considerados fatores ambientais, como alimentação e prática de exercícios físicos. No caso de diabetes tipo 2, por exemplo, estes fatores contribuem 60% para o desenvolvimento da doença. Um dos casos mais emblemáticos de testes genéticos que preveem o risco de doenças foi o da atriz Angelina Jolie. Com histórico familiar de câncer, ela resolveu fazer um exame para saber o risco que tinha.

Descobriu ser portadora de um gene mutante chamado BRCA1 – síndrome genética mama-ovário. Devido a essa hereditariedade, a atriz tinha uma chance que poderia chegar a 85% de desenvolver um tumor de mama ao longo da vida e 55% de ter um câncer de ovário. Angelina decidiu, então, remover as mamas e o ovário em uma cirurgia realizada em maio de 2013.

Custo

A relação custo x benefício sempre foi uma variável considerada por pacientes e médicos na hora de solicitar exames genéticos. Para quem descobriu um câncer e quer buscar o tratamento com maior chance de sucesso, pode ser extremamente útil este gasto. Todavia, não é todo paciente que inicia um tratamento psiquiátrico que vai ter condições de arcar com um um teste que chega a custar mais de R$ 3.000.

Pelo lado do benefício, Guido May defende que a possibilidade de ter um tratamento personalizado também tem impacto econômico para o paciente. "O tratamento se torna mais rápido, mais seguro e eficaz, além de economizar com medicamentos ineficazes, com internações e faltas ao trabalho."

A tendência, na avaliação dele e de Lazzaro, é que estes exames se tornem cada vez mais baratos. Nos Estados Unidos, por exemplo, planos de saúde já cobrem a realização de testes farmacogenéticos para iniciar alguns tratamentos.

Mesmo assim, a FDA não recomenda o uso destes testes antes da prescrição de um remédio. "Os testes que são essenciais para o uso seguro e eficaz de um produto terapêutico, incluindo aqueles que identificam pacientes para os quais o medicamento é contraindicado, são diagnósticos complementares", salienta a agência estadunidense.


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