Verba do Natal Luz teria financiado viagem para a Finlândia

Verba do Natal Luz teria financiado viagem para a Finlândia

MP denunciou 34 pessoas por formação de quadrilha e pediu ressarcimento de R$ 7,8 milhões

Halder Ramos / Correio do Povo

Prefeito Nestor Tissot e o procurador Marcelo Drecksler na coletiva de imprensa

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Os promotores Antônio Képes e Max Guazzelli, do Ministério Público, explicaram, em entrevista coletiva na tarde desta sexta-feira, alguns detalhes sobre os recursos utilizados pelas últimas gestões do Natal Luz, em Gramado, na Serra, supostamente de forma irregular.

Segundo investigação do MP, a verba do evento teria sido usada para custear churrascos, uma viagem à Finlândia (onde, segundo a lenda, moraria o Papai Noel), estadas para a Páscoa e pagamento de anúncios elogiosos à presidência da comissão do evento. A investigação iniciou há um ano e meio e foram analisadas as contas do evento entre 2006 e 2010.

O MP entrou com pedido liminar na 2ª Vara de Justiça de Gramado para o afastamento de membros das comissões anteriores na execução das próximas edições do evento. Além da ação criminal, o órgão ingressou com uma ação de improbidade administrativa contra o prefeito Nestor Tissot, o vice Luiz Antônio Barbacovi, o atual presidente da comissão executiva e secretário de Turismo, Gilberto Tomasini, o ex-prefeito Pedro Bertolucci e o ex-secretário de Turismo Alemir Coletto. Ao todo, 34 pessoas foram denunciadas.

Operação Papai Noel

Na manhã desta sexta-feira, o MP desencadeou a Operação Papai Noel, que recolheu livros de contabilidade, notas fiscais, arquivos de computadores, planilhas e outros documentos relacionados ao Natal Luz. Com apoio da Polícia Civil e da Brigada Militar, o MP cumpriu oito mandados de busca e apreensão em Gramado, Canela e Bento Gonçalves.

Para o MP, as autoridades municipais não atuaram na defesa do patrimônio público. “O Natal Luz é talvez o maior bem público de Gramado, mas foi totalmente privatizado. O evento não trazia nenhum lucro para a comunidade. Beneficiava apenas uma família e pessoas de sua relação”, afirmou o promotor Antônio Képes.

Ele observou que o MP tentou regularizar o evento através de um Termo de Ajustamento de Conduta, que o prefeito Nestor Tissot não quis assinar. “Inclusive eximimos o prefeito de qualquer responsabilidade pelos eventos anteriores, mas ele não quis assinar mesmo assim. Fica claro que houve omissão na defesa do patrimônio”, afirmou Képes.

“Associação de fachada”

O promotor Max Guazzelli acredita que o Natal Luz foi privatizado pela comissão executiva com a concordância dos gestores públicos, que nomearam as comissões através de portarias públicas. Conforme o ele, a Associação de Cultura & Turismo de Gramado (ACTG), que deveria gerir o evento, não passava de uma associação de fachada. O órgão foi criado após processo semelhante na Justiça Federal envolvendo o gerenciamento de eventos locais.

“O presidente da associação alega não ter conhecimento sobre a forma como eram feitos os contratos com prestadores de serviços. Tudo não passava de fachada para realizar os pagamentos de forma aparentemente legal. Com a liminar extinguindo a participação da Câmara da Indústria e Comércio nos eventos, o ex-prefeito criou a nova associação e os eventos continuaram com a mesma aparência de legalidade”, explicou.

Prestação de contas

Guazzelli observa ainda que as prestações de contas não condiziam com a realidade. “O Natal Luz arrecadava R$ 17 milhões e gastava R$ 17 milhões. Existem indícios de superfaturamento de serviços. O evento não trazia nenhum retorno para a comunidade”, afirmou. “O Natal Luz acabou sendo transformado no melhor negócio do mundo. Além de utilizar os espaços públicos do município, os membros das comissões celebravam contratos com as suas próprias empresas e de familiares. Também usam dos benefícios de captar recursos via leis de incentivo”, completou Képes.

De acordo com o promotor de Justiça Regional de Combate à Improbidade e Corrupção, Adrio Gelatti, a formação de quadrilha ficou configurada. Gelatti destaca que foi possível identificar claramente a estabilidade do grupo ao longo dos anos, com uma estrutura definida da divisão de tarefas. “Possuíam um claro organograma, com chefia e demais escalões bem delineados”, concluiu.

Segundo os promotores, o valor total dos possíveis desvios não foi apurado. No entanto, foram identificados pagamentos ilegais que chegam a R$ 7,8 milhões referentes a contas entre 2007 a 2010. O MP pede o ressarcimento do valor, além da aplicação de multa cível. O atual prefeito e o ex teriam que devolver R$ 500 mil cada por aplicação de recurso público de maneira irregular. Também com aplicação de multa cível, que é de três vezes do valor exigido.

Escutas telefônicas

Em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, o MP rastreou diálogos entre os responsáveis pela realização do evento. Nas ligações grampeadas, os envolvidos na promoção e execução do Natal Luz negociam o acerto de prestações de contas fraudulentas, reclamam do superfaturamento de serviços e até sugerem em tom irônico o assassinato do promotor Antônio Képes, que iniciou as investigações. Conforme o promotor, foram diversas as ameaças sofridas durante o período de investigações. “Não quero entrar nessa questão, mas sofri ameaças sim”, disse.

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