World Wide Web celebra 30 anos com revolução, esperança e perigos

World Wide Web celebra 30 anos com revolução, esperança e perigos

Diretora da Web Foundation projeta os principais tópicos para o futuro da internet

Bernardo Bercht

Tim Berners-Lee e Sonia Jorge comentam primórdios e futuro da Web

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O fogo, a roda, a escrita, a máquina a vapor... Invenções que transformaram a humanidade, criações que mudaram a história do mundo, separadas por milênios, séculos. Há exatos 30 anos, porém, uma revolução recente foi disparada pelo homem. Nascia a World Wide Web, sob a liderança do cientista inglês Tim Berners-Lee. O famoso WWW começou a interligar o planeta e trouxe para o cidadão comum o acesso à internet, até então restrita aos centros de pesquisa.

De forma exponencial, a rede que começou pelo compartilhamento de textos, imagens de baixa resolução, fóruns de opiniões, multiplicou suas funcionalidades, primeiro nos computadores e agora nos smartphones. Comércio, redes sociais, comunicação por áudio e vídeo, streaming... "Eu espero que a internet não tire as relações humanas e pessoais no lado físico. Mas agora todos podem conversar, se reunir pelo Skype, almoçarem 'juntos', assistirem lançamentos de espaçonaves, compartilharem a informação e seguirem interligados", salienta Sonia Jorge, diretora do Programa de Inclusão Digital da Web Foundation.

Criada sob a orientação de Berners-Lee, a organização tem como foco incentivar meios para garantir a navegação de todos na internet, certificar o acesso seguro e privado, além de impedir a utilização maliciosa da informação pública e dos dados pessoais.

Em carta pública mundial, Berners-Lee salientou o extenso trabalho que ainda é necessário para atingir os objetivos originais da Web.  "A divisão entre os que estão online e aqueles que seguem offline aumentou, o que torna imperativo fazer a internet acessível para todo mundo", destacou. "A web criou oportunidades, deu voz a grupos marginalizados e deixou nossa vida mais fácil. Ao mesmo tempo, criou oportunidade para fraudadores e deu voz aos que espalham ódio e facilitam a execução de todos os tipos de crimes", alertou o especialista.

Em entrevista com o Correio do Povo, Sonia Jorge destacou 30 tópicos que a Web precisa enfrentar ou desenvolver para um futuro que beneficie a todos e corrija as distorções, nos próximos 30 anos.

Metade do mundo está conectado, 50% segue "às escuras"

É fato que 50% da população está online, refletindo os benefícios e oportunidades que a web traz ao mundo. É uma ferramenta essencial e muito única pelo nível de desenvolvimento que tem levado a várias regiões. Para os que trabalham nesta área, é muito importante que os outros 50% tenham a oportunidade de ter acesso a isso.

A medida que uns têm o acesso, quem não tem passar a ser mais marginalizado. Além das falhas do mundo em geral, as do mundo digital se repetem e se agravam. Cria um grupo de ainda mais excluídos. Se não tiver cuidado, passa a contribuir para a segregação. Não é de nenhuma forma a intenção do desenvolvimento digital

Conexões nunca feitas antes na história

A web nos tornou muito mais próximos um dos outros, uma relação de mundo quase inédita na comparação com 30 anos atrás. São muitos pontos positivos. A web traz oportunidades únicas. Nos anos 90 a web era uma criancinha, um bebê e nem se imaginava o que surgiriam logo depois.

Eu espero que a internet não tire as relações humanas e pessoais no lado físico. Mas, agora, todos podem conversar, se reunir pelo Skype, almoçarem "juntos", assistir lançamentos de espaçonaves, compartilharem a informação e seguirem interligados. É comum também fazer cursos online, especializações etc.

Garantir o objetivo original: acesso a todos

É importante reconhecer que o benefício de ter acesso à informação é muito maior do que algumas pessoas não terem. Mas é preciso equilibrar nesse ponto. Nós da Web Foundation usamos os 30 anos da web para alertar o mundo de que precisamos proteger a internet da forma como foi idealizada para trazer os benefícios para todos

A Web Foundation tem várias áreas de foco. Nossa estratégia tem sido apoiar o desenvolvimento da internet como uma ferramenta de serviço para o bem público geral. Todos no mundo tem direito a esse acesso.

Responsabilidade coletiva, governamental e privada

Dentro desta ideia da web e do desenvolvimento que ela trouxe, governos e companhias precisam ser responsáveis pelas ações que fazem com a ferramenta.

Somos conscientes do poder que ela traz e sem responsabilidade é muito fácil as coisas irem em direção errada.

Oportunidades iguais na criação e acesso ao conteúdo

Buscamos garantir que todas e todos tenham oportunidade igual para usufruir daquilo que a web pode trazer. Claro, agora tem que focar em dar voz aos que no momento são excluídos, discriminados

Se eu sei que um país tem mulheres e homens marginalizados, certos grupos podem ser atacados online, sofrerem desrespeito... Pode ser em qualquer assunto, ser vítima por causa de sua voz, não está correto.

Neutralidade de rede e pioneirismo brasileiro

É essencial a neutralidade de rede. O Brasil é um país muito pioneiro e desenvolvido nesta área, com o Marco Civil da Internet (sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2014).

A forma como foi pensado e redigido engloba essa perspectiva de se respeitar os direitos de acesso, sem privilegiar certo conteúdo. Dar oportunidades seguras e protegidas de acessar a rede.

Discurso de ódio e ataques à privacidade

Privacidade e ataques pessoais são problemas que nem se pensavam lá nos anos 90. É preciso ter perspectiva de que a tecnologia pode trazer coisas difíceis, coisas complicadas. Nunca podemos perder este foco, seria uma infantilidade ignorar os aspectos negativos que podem surgir.

Nós temos uma responsabilidade muito grande, pois ao mesmo tempo que trazemos a tecnologias, com seus vários benefícios, não podemos pensar que ela é uma solução igual para todos ao mesmo tempo. O acesso precisa ser útil, mas seguro para todas as pessoas. Se não temos sistemas viciosos de discriminação e marginalização, que inclusive replica o que vemos no mundo offline.

Temos que trabalhar para que a privacidade, a segurança e a proteção de dados sejam cada vez mais importantes. Isso cria a possibilidade para que todos possam participar de forma mais segura online.

Mundo digital como modelo para o real

Temos muita esperança na Web Foundation que nosso mundo digital possa ser modelo para o mundo físico. Não apenas seguro, mas diverso, e que lide com temas que ainda são problemas na sociedade real.

Eu espero uma internet como ferramenta para trazer igualdade nos próximos 30 anos. Uma ferramenta democrática e que realmente gere desenvolvimento social e econômico. É uma responsabilidade que temos de que a web e seus recursos tenham utilidades boas e nunca discriminatórias. Quero uma internet que seja apoiadora de igualdade, oportunidade e democracia.

Discriminação pela qualidade da rede

É uma política pública muito importante ter marcos claros e firmes de qualidade de acesso à internet. Precisa ser igual para todos os lugares. Existe uma discriminação neste sentido, há redes melhores nas áreas urbanas que nas rurais, com problemas em vários pontos.

Todos os atores, tanto governos quanto sociedade civil, e já conversamos bastantes com todos, precisam trabalhar. No Brasil, algumas coisas são boas, tem-se uma visão clara do que quer fazer da universalidade de acesso, mas isso ainda não aconteceu de forma equalitária.

Enfrentando fake news, roubo de dados: a internet "do mal"

Existem as pessoas que preferem usar a tecnologia para o mal do que para o bem. elas tentam ao máximo usar essas possibilidades. Por isso a Web Foundation trabalha num contrato mundial para a web. Isso é para que todos na sociedade, governo, companhias, tenham responsabilidade coletiva para garantir que a população seja informada e que saiba o que é verdade e o que é falso. Existem métodos e modelos para evitar este tipo de ação negativa e oportunista.

Uma das razões do que fazemos é por ser importante enfatizar que todos os atores da comunicação tem responsabilidade nesse processo. Pode ser em eleições - como neste último pleito brasileiro, marcado pelas notícias falsas -, mas em outros temas também.

Claro que nas eleições é muito problemático. É importante que todos tenhamos a responsabilidade por isso e trabalhemos para desenvolver de forma coletiva maneiras de resolver este problemas. Assim como desenvolver ferramentas na web que minimizem o impacto de situações oportunistas.

Papel de empresas na internet

Há muita responsabilidade das empresas que facilitam que fake news sejam publicadas ou compartilhadas. Por isso, temos que trabalhar em ferramentas que vão atacar este tipo de situação. Muitas das companhias (como Facebook, Whatsapp, Twitter) estão preocupadas e trabalhando para modificar o que acontece.

Estamos trabalhando isso em conjunto. Sistemas que impactam a sociedade numa totalidade, não podem ter mensagens só de um lado. Sejam ferramentas, códigos, mensagens. Precisa de uma consulta pública, a partilha de como funciona e que todos fiquem conscientes do que precisam fazer.

Mecanismos ativos contra atos maliciosos

Estamos muito longe de chegar num sistema que evite este tipo de situação. Mas acreditamos que até o fim de 2019 teremos princípios muito claros para trabalhar com todos os atores sérios. Certamente não vai ser uma tarefa fácil, mas é uma tarefa que não podemos deixar de fazer.

Educação para prevenir os crimes digitais

Tem a ver muito com educação também. Temos um termo "capacidade digital" (digital skills). Toda a população precisa ser educada em como consumir e cuidar ao abordar certos temas. A humanidade sempre precisa se adaptar às suas evoluções.

Uns anos atrás, ninguém acreditava no movimento ambientalista. Eu lembro perfeitamente de nos anos 90 de fazer parte com muitos amigos de atos para criar consciência do impacto de não reciclar, do que aconteceria com a Terra. E muita gente não era receptiva, não acreditavam, apenas seguiam o que queriam crer. De certa forma, porém, chegou para algumas pessoas e o impacto da informação surgiu.

Papel e importância do jornalismo contra "a loucura"

Neste ponto, os jornalistas têm uma responsabilidade enorme. A mídia tem que informar e manter a sensibilidade para desmentir coisas completamente loucas. Só que, infelizmente, a raça humana não é muito lógica, às vezes.

Precisa sentir na pele o impacto de uma coisa negativa para tomar atenção, abrir os olhos. Espero que não cheguem a este ponto. Apesar de que já chegou nas eleições de vários países pelo mundo. Foi de abrir os olhos, o modo como usaram este tipo de informação no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos...

Discriminação na web, acesso feminino

A realidade do mundo também se replica no mundo online. No Brasil e em vários países que trabalhamos, é uma realidade desigual. Entre homens e mulheres, por exemplo, há diferenças em vários níveis. As mulheres ainda tem muito menos acesso à internet.

Desde rendimentos mais baixos, passando por problemas relacionados ao machismo, o veto dentro de casa a que usem e aprendam. E mesmo aquelas que tem acesso sofrem o problema de que a web não é definido dentro de uma perspectiva feminina. Isso cria contextos que tornam a internet inóspita para meninas e mulheres. Elas não são bem recebidas, sofrem discriminação, abusos, violações de toda a forma dos seus direitos.

Agilidade no combate aos crimes digitais

O acesso pode ser muito positivo, e inclusive ser usado para combater a falsa informação. Mas vamos precisar ser muito mais ágeis e inteligentes para fazer da web uma ferramenta de educar e que todos entendam com que tipo de informação podem contar.

Daqui para o futuro vão se desenvolver formas, mecanismos e modelos para garantir que as fontes sejam realmente sérias. É nisso que temos que trabalhar agora, não podemos acreditar que isso vai se desenvolver sozinho.

Tenho muita esperança de que muitas pessoas inteligentes no mundo irão conseguir chegar a um ponto para evitar isso. Mas sempre vão existir pessoas tentando burlar.

Combate às notícias falsas não é censura

Eu digo para todos que é muito claro o que é censura e o que é informação falsa. É muito lamentável que pessoas possam ligar o combate à desinformação e ser contra liberdade de expressão.

Muitos atores do mundo, vários segmentos da sociedade estão desenvolvendo formas para tratar disso. Temos uma web muito sofisticada que pode trazer muitos benefícios, mas temos que usar isso para minimizar o impacto dessas situações. Vai ser difícil, mas vamos usar a tecnologia para fazer. Sem comprometer a liberdade de expressão e as oportunidades da web para todas as populações.

Web construída por todos

Precisamos de um WWW que tenha muitas pessoas participando e, claro, definindo como a internet é. Muita gente que deveria desenhar essa web que queremos, não tem acesso à internet, ou tem acesso limitado, ou não podem usar todos os recursos pela falta de segurança.

Precisamos de uma internet que possa ser definida e criada por todos.


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