Abertura ao setor privado em Cuba, um gesto que pode seduzir Biden

Abertura ao setor privado em Cuba, um gesto que pode seduzir Biden

Reaproximação já havia sido iniciada no final de 2014 por Barack Obama e Raúl Castro

AFP

Cuba deve se abrir para o setor privado

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Uma verdadeira mudança de paradigma em Cuba: o governo comunista abre mão de sua resistência histórica e toma medidas para abrir o setor privado e reativar o crescimento e o emprego, algo que, segundo analistas, pode seduzir o presidente americano Joe Biden. "É definitivamente um sinal tremendo em um momento chave, quando nos Estados Unidos o governo diz que está revendo a política de (Donald) Trump em relação a Cuba", que reforçou o embargo em vigor desde 1962, aponta Ricardo Torres, economista da Universidade de Havana.

Em Havana, a reaproximação histórica iniciada no final de 2014 por Barack Obama e Raúl Castro, então presidentes dos dois países, ex-inimigos da Guerra Fria, ainda é nostalgicamente evocada. Obama incentivou a independência do setor privado, que viveu um verdadeiro boom, com a abertura de bares, restaurantes e lojas. Mas os empresários locais foram frustrados por uma lista de 127 atividades autorizadas pelo Estado.

Agora "há uma mudança de filosofia, porque estamos fazendo o contrário", diz Torres, destacando que "todas as atividades (cerca de 2.100) estão abertas à participação autônoma, exceto as 124" que continuarão sendo de responsabilidade do Estado. Assim, haverá trabalhadores assalariados privados na agricultura, construção, programação de computadores e ensino de línguas, explicou recentemente a ministra do Trabalho, Marta Elena Feito.

"Estava na hora"

No Twitter, Ben Rhodes, ex-assessor de Obama, celebrou a notícia como "um sinal de boas-vindas" e acrescentou que "o governo Biden pode tornar isso mais benéfico para o povo cubano, retomando a abertura a Cuba o mais rápido possível".

"Estava na hora", reagiu o senador Patrick Leahy. "Os Estados Unidos devem afirmar que o embargo nunca foi pretendido e não será usado para penalizar empresas privadas em Cuba", disse.

Entre os dirigentes cubanos "ainda há muito ceticismo com a palavra privado", que preferem substituir por "não estatal, porque (...) têm um problema ideológico de ver o setor privado como pessoas que podem conspirar contra o poder", diz o economista Omar Everleny Pérez. Mas desta vez não há alternativa: "este é um país que retraiu 11% em 2020, no qual as exportações diminuíram 40%" e "como consequência as importações reduziram 30%".

A ideia é, portanto, reduzir a participação do Estado (85% da economia) para dar mais espaço ao setor privado. "Raúl Castro chegou a dizer que neste país havia mais de 1,5 milhão de trabalhadores" no setor público, e com as reformas empreendidas, conseguiu transferir "meio milhão para o setor privado, mas ainda resta um milhão de pessoas", lembra Perez.

O modelo que vem à cabeça é o do Vietnã, grande aliado de Cuba e onde o Partido Comunista conseguiu se manter no poder com uma forte liberalização da economia. "Ainda estamos um pouco longe, mas (os dirigentes cubanos) estão pensando nisso", estima.

A "lição" do Vietnã

O Vietnã, que também esteva sob o embargo de Washington levantado em 1994, "conseguiu superar o conflito com os Estados Unidos. Portanto, do ponto de vista geopolítico, há uma lição que é importante reconhecer", diz Pérez.

Ao admitir que "há paralelos" entre os dois países, Torres lembra que o setor público no Vietnã era menor e o país muito rural. "Cuba se parece mais com o Leste Europeu" do bloco soviético, ressalta. Mas também há "uma lição a ser tirada" da experiência do país asiático: "obviamente há dinamismo no setor privado". Por isso, frisa, "se quer que a economia cresça, se quiser criar empregos, não há outra escolha senão criar um ambiente para o crescimento do setor privado".

Para John Kavulich, presidente do Conselho Econômico e Comercial dos Estados Unidos-Cuba, "o Partido Comunista do Vietnã reconheceu anos atrás o que precisava fazer para sobreviver e o fez".

"Há décadas dizemos que Cuba deve imitar o modelo vietnamita, mas as autoridades de Havana sempre se opuseram. Em 2021, foi exatamente esse o caminho que tomaram", diz Kavulich. Agora, "o governo Biden deve acreditar que o governo de (Miguel) Díaz-Canel leva a sério a reestruturação da economia". Se isso acontecer, "então será muito mais fácil para Washington criar oportunidades de engajamento".


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