Argentina aguarda veredicto histórico sobre Plano Condor

Argentina aguarda veredicto histórico sobre Plano Condor

Instrumento repressivo foi instalado nos anos 1970 nas ditaduras sul-americanas

AFP

Plano Condor foi instalado nos anos 1970 nas ditaduras sul-americanas

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Após três anos de audiências, será conhecido na sexta-feira, em Buenos Aires, o veredicto sobre o Plano Condor, instrumento repressivo, nos anos 1970, das ditaduras no poder em Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. A maior parte das execuções e sequestros foi praticada na Argentina, onde viviam como refugiados muitos uruguaios, chilenos e paraguaios, após fugir de seus países.

"É a primeira decisão judicial sobre o Plano Condor como estrutura de coordenação repressiva", disse Gastón Chillier, diretor-executivo do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), ONG argentina defensora dos direitos humanos e representante das famílias das vítimas.

Quando o julgamento começou, em 2013, havia 25 acusados, entre eles o ex-ditador argentino Jorge Videla (1976-1981), encontrado morto em sua cela três dias depois de prestar depoimento. Ele já tinha sido condenado por crimes contra a humanidade.

Nesta sexta, serão 18 os acusados sentados no banco dos réus, todos membros do Exército: 17 argentinos e um uruguaio. Deviam ser muitos mais, mas vários pedidos de extradição viraram letra morta.

Washington sabia

Na época, Henry Kissinger era o chefe da diplomacia americana e os Estados Unidos viam nas ditaduras um freio ao avanço da esquerda no contexto da Guerra Fria. "Os documentos publicados revelam uma correspondência entre um ministro argentino e Kissinger sobre o Plano Condor. O ministro expõe a ele a necessidade de maximizar os esforços contra o marxismo", afirma a advogada das vítimas, Luz Palmas. "Se algo deve ser feito, façam rapidamente. Mas devem retomar rapidamente os procedimentos normais", respondeu Kissinger.

Segundo a advogada, o Plano Condor tinha três etapas. A primeira, a identificação dos opositores. A segunda, sua eliminação ou sequestro nos países sul-americanos. A terceira - a neutralização dos exilados na Europa ou fora da América do Sul, afirma Palmas, foi suspensa depois do atentado executado em Washington por um agente dos serviços chilenos e da CIA contra Orlando Letelier.

Ex-chanceler de Salvador Allende, Letelier foi assassinado em um atentado a bomba em seu carro, em 21 de setembro de 1976, em Washington, um ataque considerado um dos primeiros do terrorismo em solo americano. "Quando o atentado contra Letelier ocorreu, houve preocupação nos Estados Unidos", destacou a advogada. "Vazou que haveria operações na França e em Portugal e foram suspensos", disse.

Dois ex-presidentes acusados

Um caso emblemático foi o do casal de militantes opositores da ditadura, María García e Marcelo Gelman, presos em 24 de agosto de 1976, em Buenos Aires, e levados à oficina mecânica Automotores Orletti, transformada em centro de tortura. Ele (20 anos) foi assassinado e ela (19), grávida de sete meses e de nacionalidade uruguaia, foi entregue a forças militares em Montevidéu, onde deu à luz. Sua família ainda a procura. A filha dela, Macarena, entregue a uma família próxima à ditadura uruguaia, tomou conhecimento de sua família biológica no ano 2000, quando tinha 23 anos.

Centenas de militares e policiais foram julgados na Argentina por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983), enquanto nos países vizinhos, os torturadores se beneficiaram de anistias, como no Brasil. "O julgamento permitiu entender melhor como funcionava o Plano Condor em sua dimensão. Até este julgamento, só historiadores e jornalistas tinham investigado o Plano Condor", afirma a advogada argentina.

Os militares se comunicavam entre si com uma espécie de telex apelidado de "condortel", cujo manejo aprenderam em cursos organizados pelo Exército dos Estados Unidos na Escola das Américas, no Panamá. Além de Videla, Reynaldo Bignone, último general a presidir a Argentina (1982-1983), pode ser condenado a até 20 anos de prisão. Ele já tinha sido condenado em 2012 pelo roubo de bebês de opositores, entregues a funcionários do regime. O caso se baseia em documentos americanos do Arquivo Nacional de Segurança. Havia uma colaboração estreita entre os países-membros do Plano Condor. Os serviços uruguaios estavam, por exemplo, autorizados a eliminar um opositor na Argentina ou pedir à Junta Militar em Buenos Aires que o fizesse 'desaparecer'.

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