Entenda o caso dos "dois presidentes" que intensifica crise na Venezuela

Entenda o caso dos "dois presidentes" que intensifica crise na Venezuela

Autodeclaração do oposicionista Juan Guaidó como presidente interino abre novo capítulo na conturbada política do país

Correio do Povo e R7

Entenda a crise dos "dois presidentes" que intensifica tensões na Venezuela

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O dia 23 de janeiro é histórico e simbólico na Venezuela. Nesse data, em 1958, após uma greve geral, um levante de setores das Forças Armadas derrubou a ditadura do general Marcos Pérez Jimenez, que seguiu para a República Dominicana a bordo do avião presidencial "La Vaca Sagrada". Os diferentes partidos políticos que operavam na clandestinidade acordaram em unir suas forças, com o objetivo de derrubar o regime e assumir a condução do país. E assim o fizeram. Foi a retomada da democracia, considerads um triunfo do povo.

Não por acaso, o líder da atual oposição, Juan Guaidó, escolheu a última quarta-feira, 23 de janeiro de 2019, para convocar manifestações contra Nicolás Maduro, eleito para comandar o país no ano passado em um pleito que não teve legitimidade internacional: a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos contestaram o pleito, por exemplo. Guaidó é presidente da Assembleia Nacional, órgão do Legislativo, e ontem, se autoproclamou presidente interino do país, fez o juramento sobre a Constituição e prometeu novas eleições.

O Parlamento não é reconhecido por Maduro. Em 2017, ele convocou uma votação para uma Assembleia Constituinte com 545 integrantes, cujos eleitos são todos vinculados ao governo pois a oposição considerou a medida legal, e há três dias teve todas as suas ações no ano anuladas pelo Supremo Tribunal da Justiça. Em julho do mesmo ano, a oposição , convocada pela Assembleia Nacional, fez uma consulta eleitoral contra Maduro, que se opôs a autorizar o referendo revogatório do mandato presidencial, que, com os votos contados teria ido em frente. 

Como apoiou o referendo de 2017 e não reconhece a eleição de 2018, Guaidó se baseou nos artigos 233 e 333 da Constituição, que autorizam o Legislativo a exercer funções quando a Presidência está vaga, para se declarar presidente interino. Contudo, Maduro se recusa a sair do poder, pois defende que foi colocado no Palácio de Miraflores pelo voto popular e somente o povo deve tirá-lo do poder. Classifica a ação do opositor como um "golpe de Estado", uma vez que não teria embasamento constituicional.

Em pronunciamento na tarde dessa quarta-feira, disse ter chamado Guaidó e a oposição ao diálogo e afirmou que cortou relações diplomáticas e políticas com os Estados Unidos. Deu 72 horas para que os diplomatas norte-americanos saiam do país, mas o Departamento de Estado, já afirmou que “os EUA não reconhecem o regime de Maduro como governo da Venezuela, em consequência, não consideram que o ex-presidente Nicolás Maduro tenha autoridade legal para romper relações diplomáticas ”.

Chamado de "usurpador" pela oposição, Maduro é herdeiro político do ex-presidente e líder da Revolução Bolivariana, Hugo Chávez, que levou as Forças Armadas para seu governo, nomenado vários generais para cargos em estatais, substituindo funcionários. Este é justamente o maior revés de Guaidó: ele conta com apoio internacional, mas para poder tomar o poder de fato, precisa do apoio dos militares. Internamente, alguns setores participam das manifestações de quarta. O alto-comando militar do país, no entanto, permanece leal a Maduro. Em um comunicado no Twitter, o Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas declarou apoio ao líder bolivariano.

A posição militar será fundamental para a resolução da mais nova crise no país, a dos "dois presidentes". Maduro conseguiu controlar controvérsias de magnitude semelhantes a essa em 2014, uma manifestação estudantil contra a insegurança em vários estados do país tomou uma dimensão enorme e virou um protesto generalizado contra o governo. Em 2019, cuntodo, fatores econômicos, sociais e a adesão da comunidade internaciona tornam continuidade do regime praticamente inviável. Para que isso ocorra, ele provavemente apostará no ortodoxismo da violência e da força.

Recortes da crise

A queda de mais de 50% nos preços do petróleo, em 2014, em parte devido à recusa de Irã e Arábia Saudita — outros dois dos grandes produtores — em assinar um compromisso para reduzir a produção, marcou o início da crise econômica. Além de receber menos dinheiro por seu principal produto, a Venezuela também teve uma queda significativa na produção. Quando Chávez assumiu pela primeira vez o país, em 1999, a produção era de mais de 3 milhões de barris por dia. Hoje, é de cerca de 1,5 milhão, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

Com a queda do preço do petróleo e uma redução no fluxo de divisas, o governo passou a imprimir mais dinheiro para cobrir o rombo nas contas, o que gerou cada vez mais inflação. Em 2018, ela passou de 1.000.000% em dozes meses, o valor mais alto do mundo. Segundo a Pesquisa Nacional de Condições de Vida da População Venezuelana de 2017, a pobreza de renda cresceu 5,2% em um ano e passou de 81,8% em 2016 para 87% em 2017. Isso significa que quase 9 de 10 domicílios não têm recursos para acessar o mínimo necessário de bens. Entre 2014 e 2017, o percentual de domicílios em situação de pobreza cresceu 38%.

Algumas regiões sofrem com escassez de remédios e produtos básicos, mas não são todas. Conforme a pesquisa, nove em cada 10 nacionais não podem pagar a comida diária e oito em 10 disseram que comiam menos porque não tinham comida suficiente em casa ou por causa de escassez. Aproximadamente 8,2 milhões de venezuelanos comem duas ou menos refeições por dia e os que consomem são de baixa qualidade nutricional, principalmente tubérculos. As proteínas estão desaparecendo da dieta.

A imprensa é controlada — pelo menos 49 veículos de comunicação foram fechados pelo governo da Venezuela em 2017 — e há prisão arbitrária de oposicionistas, denunciada pela Organização das Nações Unidas e por ONGs de direitos humanos. Pela primeira vez, no ano passado, a Venezuela foi incluída no plano humanitário anual da ONU, que estima que 3 milhões já deixaram o país desde 2015. A América Latina é a região que mais recebeu esses migrantes, totalizando 2,4 milhões.

Por conta da hostilidade, o país sofre sanções que impactam a economia, restringindo exportações e importações, e contribuem para a crise e para a falta de mantimentos que são oriundos de outros países. Historicamente, elas são ferramentas usadas para pressionar países considerados um problema. Os EUA as aplicam por entender que Maduro viola os direitos humanos e não respeita as regras democráticas. Por sua vez, a representação sul-americana diz que as medidas fazem parte de uma guerra econômica do imperialismo.

Um mundo dividido

Logo depois que o opositor a Maduro se proclamou presidente, a comunida global começou a se manifestar sobre o ato. O posicionamento político internacional segue uma tendência global, colocando adversários históricos mais uma vez como antagonistas e reforçando a visão de algumas nações. Guaidó foi reconhecido em um primeiro momento por Donald Trump, presidente dos EUA, que afirmou que "os cidadãos da Venezuela sofreram por muito tempo nas mãos do regime ilegítimo de Maduro". Em seguida, vieram os apoios do Canadá, Brasil, Paraguai, Colômbia, Argentina, Peru, Equador, Costa Rica, Chile, Guatemala, Panamá, Honduras, Kosovo, Geórgia e Dinamarca.

Entre os que reconhecem o mandato de Maduro estão Bolívia, Cuba, Irã, México, Rússia, Turquia, Síria e Uruguai. Os principais parceiros comeciais e maiores potências apoiando o líder bolivariano são Rússia e China; eles devem garantir a sobrevida política do regime. Contudo, vale lembra que a China interrompeu a concessão de empréstimos à Venezuela, no ano passado, em resposta à crescente preocupação com a sustentabilidade dos investimentos e a capacidade do governo do país latino de devolver o que foi emprestado: por meio do China Development Bank (CDB) e do Eximbank, foram concedidos empréstimos no valor de 62,2 bilhões de dólares entre 2005 e 2016, de acordo com o relatório do centro de estudos Diálogo Interamericano.

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