Mudanças climáticas alteram reprodução e consumo de peixes na Europa

Mudanças climáticas alteram reprodução e consumo de peixes na Europa

Mudança na reprodução de espécies modifica relações entre pescadores e consumidores

AFP e Correio do Povo

O bacalhau pode deixar as águas da Noruega e sofrer uma redução drástica da população caso a temperatura global aumente mais do que 1,5ºC

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O aquecimento global tem efeitos notórios sobre as populações marinhas e ameaça afetar de forma duradoura tanto pescadores, quanto consumidores europeus. Adeus, bacalhau, linguado e pregado. Sejam bem-vindos, atum vermelho, cavalo-marinho e peixe-porco procedente dos trópicos. "Vamos ver menos os peixes que conhecíamos e, contudo, vamos ver chegarem peixes tropicais que não conhecíamos até então", disse Clara Ulrich, engenheira e diretora-adjunta do Instituto Francês de Pesquisa para Exploração Marítima (Ifremer). O exemplo emblemático é a volta do atum vermelho ao Mar do Norte, explicou, acrescentando que "também vemos a chegada de peixes-porcos e até de cavalos-marítimos", completa. 

Já "as espécies como o bacalhau, o linguado e o pregado não desapareceram das águas europeias, mas encontramos cada vez menos na costa francesa, ou espanhola, e mais na norueguesa, ou escocesa. Há uma espécie de deslocamento de áreas de alta densidade das espécies de peixes convencionais", detalha. À medida que a poluição dos gases de efeito estufa aumenta, isso cria um duplo golpe para as populações do Atlântico e do bacalhau polar, com um aquecimento e mais água ácida projetados para prejudicar sua reprodução e alterar drasticamente seu habitat, mostram novas pesquisas. Nas águas frias da Islândia e da Noruega, as maiores populações mundiais de bacalhau atlântico mantêm as frotas de pesca prosperando há séculos.

Se o aquecimento global puder ser mantido de acordo com os objetivos do acordo climático de Paris, as populações de bacalhau terão um resultado melhor. "Limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius significa que ambas as espécies poderão encontrar temperaturas ótimas em seus locais atuais de desova", diz Flemming Dahlke, pesquisador do Departamento de Ecofisiologia Integrativa do Centro Helmholtz do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Polar e Marinha.

O rápido aquecimento também está afetando outras espécies e pode ter implicações internacionais. Antes de 2000, a pesca da Islândia capturava quase nada de cavala. Desde então, os peixes se deslocaram para o norte, enquanto as águas esquentavam, aumentando as tensões entre a Islândia e outros países em relação às cotas. Até 2016, a cavala representava 8% da captura total da Islândia.

Deslocamento para o norte

Manuel Barange, diretor do Departamento de Pesca e Agricultura da FAO, agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, concorda. "Não se trata de Física. Nem tudo é previsível. Então, haverá mudanças a cada ano, mas esperamos que as espécies de águas quentes se desloquem para o Norte", afirma. Ele também cita o exemplo da chegada de espécies normalmente mais mediterrâneas aos mercados britânicos. "As anchovas chegaram ao Reino Unido e foram vistas nos mercados, incrivelmente baratas, porque ninguém compra. Temos que educar o público para que comece a comer o peixe que tem, em vez do que costumava comer", defende.

Com as tainhas, acostumadas ao Mediterrâneo, acontece o mesmo. "No Reino Unido, quase ninguém come, e os mercados não conseguem vendê-los nem a preços baixíssimos. É uma tragédia. Devemos garantir que as pessoas e as instituições se acostumem à mudança", insistiu Barange. No panorama mundial, "a principal causa do colapso das populações comerciais (de peixes) é a sobrepesca", garante François Chartier, encarregado de campanhas oceânicas da ONG Greenpeace França, para quem a função dos oceanos como "geradores de carbono" está em risco.

"O oceano absorve CO2, produz oxigênio e colabora para a fotossíntese. Se a cadeia alimentar for desestruturada, ficará muito mais difícil para os oceanos cumprirem esta função", alerta Chartier. Este temor fica mais forte diante dessas alterações nos equilíbrios de recursos que podem levar peixes a zonas marinhas onde não existe, necessariamente, um sistema de gestão dos recursos, adverte Barange. ngu/aue/cn/mab/age/ll/tt

 

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