Presidente deixa o Afeganistão após chegada do Talibã a Cabul

Presidente deixa o Afeganistão após chegada do Talibã a Cabul

Ashraf Ghani trocou a capital Cabul pelo Tajiquistão, disse um alto funcionário do Ministério do Interior afegão neste domingo

AFP

Decreto sobre a liberação de prisioneiros foi anunciado pelo presidente Ashraf Ghani

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O presidente Ashraf Ghani deixou, neste domingo, o Afeganistão, entregando efetivamente o poder ao Talibã, que chegou a Cabul, símbolo de sua vitória militar em apenas 10 dias.

O movimento radical islâmico está a um passo do retornar ao poder, 20 anos depois de ser derrubado por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos por sua recusa em entregar o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, após os ataques de 11 de setembro de 2001.

No início da noite, o ex-vice-presidente Abdullah Abdullah anunciou que o presidente Ashraf Ghani havia "deixado" o país. Esta partida conclui a derrota das últimas semanas, após sete anos no poder durante os quais não conseguiu reconstruir o país. "O ex-presidente deixou o Afeganistão, deixando o povo nesta situação. Ele prestará contas a Deus e o povo o julgará", disse Abdullah, também chefe do Conselho Superior para a Reconciliação Nacional. 

No início do dia, Zabihullah Mujahid, um porta-voz do Talibã, anunciou no Twitter que o "Emirado Islâmico ordena a todas as suas forças que esperem nas portas de Cabul, não tentem entrar na cidade". Mais tarde, porém, indicou que estavam autorizados a entrar nas áreas da capital abandonadas pelo Exército para manter a ordem. 

Os insurgentes também prometeram que não vão buscar vingança, incluindo contra soldados ou funcionários que serviram ao atual governo. Apelando aos afegãos a "não se desesperarem", o ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, assegurou que ocorreria uma "transferência pacífica de poder" para um governo de transição.

Outro porta-voz dos insurgentes, Suhail Shaheen, confirmou à BBC que espera uma transferência pacífica de poder "nos próximos dias". "Queremos um governo inclusivo (...) o que significa que todos os afegãos farão parte dele", disse. 

Em apenas dez dias, os talibãs - que lançaram sua ofensiva em maio coincidindo com o início da retirada final das tropas americanas e estrangeiras - assumiram o controle de quase todo o país. A derrota é total para as forças de segurança afegãs, que foram financiadas por 20 anos com bilhões de dólares pelos Estados Unidos, e para o governo do presidente Ghani.

O chefe de Estado apelou às forças de segurança para que garantam "a segurança de todos os cidadãos". "É nossa responsabilidade e faremos isso da melhor maneira possível. Quem pensar em criar caos ou saques será tratado com força", disse ele em uma mensagem de vídeo. 

O Talibã assumiu recentemente o controle de duas prisões perto da capital, libertando milhares de prisioneiros, e as autoridades temiam que os criminosos perturbassem a ordem pública. 

Embaixadas esvaziadas 

Diante do colapso do Exército afegão, o presidente americano, Joe Biden, aumentou para 5 mil o número de militares nobilizados no aeroporto de Cabul para evacuar diplomatas americanos e civis afegãos que cooperaram com os Estados Unidos e que temem por suas vidas.

E o secretário de Estado, Antony Blinken, anunciou que os funcionários da embaixada dos Estados Unidos em Cabul foram levados às pressas para o aeroporto da capital afegã. "Transferimos os homens e mulheres de nossa embaixada para o aeroporto. Por esse motivo, o presidente enviou numerosos militares", explicou à rede ABC. O Pentágono estima o número total de pessoas a serem retiradas em cerca de 30 mil.

Apesar da retirada precipitada, o chefe da diplomacia americana rejeitou comparações entre a situação em Cabul e a queda de Saigon, no Vietnã, em 1975, reiterando que os Estados Unidos haviam "alcançado seus objetivos" na guerra do Afeganistão. "Isso não é Saigon", disse o secretário de Estado à ABC. "Entramos no Afeganistão há 20 anos com uma missão e essa missão era confrontar aqueles que nos atacaram em 11 de setembro. Essa missão foi bem-sucedida".

Vários países ocidentais reduzirão sua presença ao mínimo, ou mesmo fecharão temporariamente suas embaixadas. As autoridades dinamarquesas e alemãs anunciaram que todos os seus expatriados foram transferidos para o aeroporto de Cabul. Os canadenses já deixaram o país, disse Ottawa.

Quanto à Suécia, o pessoal da embaixada será evacuado em breve. "Isso também diz respeito aos funcionários afegãos locais", declarou Ann Linde, ministra das Relações Exteriores sueca.

A Noruega, que administra a pasta do Afeganistão no Conselho de Segurança da ONU junto com a Estônia, pediu uma "reunião urgente o mais rápido possível" do Conselho. Mas a Rússia declarou que não planeja esvaziar sua embaixada e disse que trabalha para organizar uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU.

A Otan, por sua vez, estimou que é "mais urgente do que nunca" encontrar uma solução política para o conflito no Afeganistão. "Apoiamos os esforços dos afegãos para encontrar uma solução política para o conflito, que é mais urgente do que nunca", disse um funcionário da Otan à AFP.

 Valores islâmicos 

Em Cabul, o pânico toma conta. Lojas fecharam, engarrafamentos se formaram, policiais foram vistos trocando seus uniformes por roupas civis. Os bancos estava lotados de pessoas querendo sacar seu dinheiro. As ruas também ficaram lotadas de veículos tentando sair da cidade ou se refugiar em uma área considerada mais segura.

No bairro de Taimani, no centro da capital, o medo, a incerteza e a incompreensão podiam ser lidos nos rostos das pessoas. "Apreciamos o retorno do Talibã ao Afeganistão, mas esperamos que sua chegada traga paz e não um banho de sangue. Ainda me lembro, de quando era criança, muito jovem, das atrocidades cometidas pelos talibãs", disse à AFP Tariq Nezami, um comerciante de 30 anos. E já há sinais de que as pessoas estão se resignando a mudar de vida.

Assim, o outdoor de propaganda de um salão de beleza mostrando uma noiva glamorosa foi pintado por um funcionário neste domingo em um bairro de Cabul. Muitos afegãos, especialmente na capital, e as mulheres em particular, acostumados com a liberdade de que desfrutaram nos últimos 20 anos, temem um retorno ao poder do Talibã.

Quando governaram o país, entre 1996 e 2001, os talibãs impuseram sua versão ultrarrigorosa da lei islâmica. As mulheres eram proibidas de sair sem um acompanhante masculino e de trabalhar, e as meninas de ir à escola. Mulheres acusadas de crimes como adultério eram açoitadas e apedrejadas. Ladrões tinham as mãos cortadas, assassinos eram executados em público e homossexuais mortos.

O Talibã, que tenta transmitir uma imagem mais moderada hoje, tem prometido repetidamente que, se voltar ao poder, respeitará os direitos humanos, especialmente os das mulheres, de acordo com os "valores islâmicos".

Mas nas áreas recém-conquistadas, já foram acusados de muitas atrocidades: assassinato de civis, decapitações, sequestro de adolescentes para casá-las à força.


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