Perigos da inteligência artificial marcam debate da Web Summit

Perigos da inteligência artificial marcam debate da Web Summit

Abertura de evento de tecnologia em Lisboa teve misto de otimismo e pessimismo, num recado de Stephen Hawkings

Fernanda Pugliero

Abertura de evento de tecnologia em Lisboa teve misto de otimismo e pessimismo, num recado de Stephen Hawkings

publicidade

As portas da maior conferência de tecnologia, empreendedorismo e inovação da Europa foram abertas na noite desta segunda-feira, em Lisboa. Os sete convidados a palestrar no palco principal deram o tom da semana que se estende até o dia 9 de novembro. “O Web Summit serve para falar do progresso da tecnologia, mas também dos seus perigos”, afirmou Paddy Consgrave, CEO do evento realizado em Portugal.

Quase não sobraram cadeiras vazias na Altice Arena, localizada no Parque das Nações, à beira do rio Tejo. O local é conhecido por receber artistas internacionais e grandes eventos na cidade. Os pavilhões ao lado foram erguidos na década de 1990 para receber a Expo’98. Paddy destacou o crescimento do número de participantes do evento nos últimos sete anos. Quando a primeira edição ocorreu, na Irlanda em 2010, apenas 40 pessoas participaram. Nesse ano, quase 60 mil estão credenciados.

Logo no início da apresentação de abertura, que contou com papel picado e música alta ao final, Paddy pediu que todos os presentes levantassem das cadeiras e cumprimentassem pelo menos três pessoas que estivessem ao redor. “O Websummit é sobre newtworking”, frisou. E esse é justamente o espírito do evento: Enquanto startups tentam convencer investidores para angariar aportes financeiros, os quatro galpões que um dia abrigaram a Exposição Mundial de 1998 exibem novidades tecnológicas. A conferência conta ainda com diversos painéis e palestras que debatem o futuro da tecnologia e os desafios decorrentes do progresso.

Uma das primeiras surpresas da semana foi a presença virtual de Stephen Hawking, que gravou uma mensagem especial para a abertura do evento. Na década de 1970, o físico provou que os buracos negros podem emitir energia, ao contrário da ideia anterior, de que nada escapava de sua gravidade. A descoberta fez com que Hawking fosse convidado a ingressar para a Royal Society aos 32 anos de idade e vencesse o Prêmio Albert Einstein.

Ele falou sobre os perigos da Inteligência Artificial e da necessidade de serem criadas legislações específicas de controle. Apesar de alertar sobre os riscos da inovação tecnológica, Hawking se mostrou otimista: “Acredito que podemos fazer a Inteligência Artificial em benefício do mundo”, afirmou. Ao mesmo tempo, deixou um aviso no ar: “Podemos ser destruídos por ela”. O físico acredita que há uma diferença entre o que pode ser atingido pelos humanos e o que pode ser atingido pelos computadores, em termos de avanços na área tecnológica. “Não podemos prever”, apontou. “A inteligência artificial pode ser a melhor coisa ou a pior para a Humanidade”, justificou.

Apesar da aparição especial de Hawking durante a abertura do evento, quem mais arrancou aplausos da plateia foi uma mulher: Margrethe Vestager. A dinamarquesa, que trabalha na Comissão Europeia de Concorrência, angariou fama no continente ao processar gigantes como o Google e o Facebook. As duas empresas receberam multas por abuso de posição dominante no mercado (caso do Google) e por fornecer informações falsas (Facebook).

Em sua fala, que ocorreu em formato de bate-papo, já que a comissária foi entrevistada no palco por uma jornalista. Logo na primeira pergunta, uma provocação: “O quão ferrado é o Silicon Valley?”, perguntou a entrevistadora. Margrethe não hesitou em responder: “O suficiente para multar o Google em 2,4 bilhões de euros”. Margrethe defendeu a necessidade de dar oportunidades justas a todos os negócios em obterem sucesso no mercado. “Se você tem sucesso no mercado, é porque você tem o melhor produto, não porque você pega atalhos”, frisou.

Margrethe defende regras básicas para a tecnologia, além da regulação de aplicativos e inovações. Ela elogiou ainda o mercado único da União Europeia. “Nunca me sinto tão europeia como quando estou nos Estados Unidos. Construímos (referindo-se a UE) um mercado enorme, mas é um mercado em que nos preocupamos, com o ambiente, condições de trabalho etc. Temos de intervir, temos de garantir que não é a lei da selva, mas as leis da democracia”.

Ela afirmou ainda que é preciso “reconquistar a democracia”, que hoje, de acordo com ela, parece estar nas mãos de ferramentas como o Facebook e o SnapChat, que dão a impressão de darem vozes a todos. “A sociedade é formada por pessoas, não por tecnologia”, completou.

A política também marcou presença no palco do evento. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, o português António Guterres, falou sobre os “danos colaterais” causados pelo crescimento econômico. Segundo ele, dois efeitos diretos foram o aquecimento global e o crescimento da desigualdade. Ele falou ainda do Acordo de Paris, assinalando que não é suficiente para responder às alterações climáticas. Segundo Guterres, uma cooperação entre governos e empresas é necessária, mas a implementação disso é difícil.

Guterres também falou sobre a necessidade de regulação das tecnologias do futuro: “Como podemos assegurar que a inovação é uma força usada para o bem?”, questionou o secretário-geral da ONU, que também foi primeiro-ministro de Portugal entre 1995 e 2002. “Temos de evitar a abordagem ingénua de considerar que a regulação atual para as tecnologias pode resolver o problema. Os mecanismos de regulação que temos não são suficientes para dar resposta. Os mecanismos de regulação do futuro terão de ser diferentes. Temos de combinar governos, cientistas, mas também a sociedade civil, a academia, e estabelecer plataformas de discussão”.

O atual primeiro-ministro português, António Costa, e o prefeito de Lisboa, Fernando Medina, encerraram a noite de abertura no palco junto a Paddy Consgrave. “O que fazemos aqui hoje é reviver essa grande aventura que parte de Lisboa. Há 500 anos foram os navegadores, hoje são vocês, os empreendedores”, afirmou Fernando Medina, prefeito da capital portuguesa.

Medina disse ainda que a inovação ocorreu a cinco séculos atrás ao país porque “Portugal era uma sociedade aberta” e defendeu a abertura das sociedades. “Liberdade, tolerância, diversidade, capacidade de entender”, enumerou. Ao final do evento, antes de confetes coloridos inundarem o palco, António Costa tirou a gravata do pescoço e a colocou em Paddy, que trajava jeans e camisetas. “Bem-vindos a Lisboa”, encerrou o prefeito da cidade ao microfone.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895