Perigos da inteligência artificial marcam debate da Web Summit
Abertura de evento de tecnologia em Lisboa teve misto de otimismo e pessimismo, num recado de Stephen Hawkings
publicidade
Quase não sobraram cadeiras vazias na Altice Arena, localizada no Parque das Nações, à beira do rio Tejo. O local é conhecido por receber artistas internacionais e grandes eventos na cidade. Os pavilhões ao lado foram erguidos na década de 1990 para receber a Expo’98. Paddy destacou o crescimento do número de participantes do evento nos últimos sete anos. Quando a primeira edição ocorreu, na Irlanda em 2010, apenas 40 pessoas participaram. Nesse ano, quase 60 mil estão credenciados.
Logo no início da apresentação de abertura, que contou com papel picado e música alta ao final, Paddy pediu que todos os presentes levantassem das cadeiras e cumprimentassem pelo menos três pessoas que estivessem ao redor. “O Websummit é sobre newtworking”, frisou. E esse é justamente o espírito do evento: Enquanto startups tentam convencer investidores para angariar aportes financeiros, os quatro galpões que um dia abrigaram a Exposição Mundial de 1998 exibem novidades tecnológicas. A conferência conta ainda com diversos painéis e palestras que debatem o futuro da tecnologia e os desafios decorrentes do progresso.
Uma das primeiras surpresas da semana foi a presença virtual de Stephen Hawking, que gravou uma mensagem especial para a abertura do evento. Na década de 1970, o físico provou que os buracos negros podem emitir energia, ao contrário da ideia anterior, de que nada escapava de sua gravidade. A descoberta fez com que Hawking fosse convidado a ingressar para a Royal Society aos 32 anos de idade e vencesse o Prêmio Albert Einstein.
Ele falou sobre os perigos da Inteligência Artificial e da necessidade de serem criadas legislações específicas de controle. Apesar de alertar sobre os riscos da inovação tecnológica, Hawking se mostrou otimista: “Acredito que podemos fazer a Inteligência Artificial em benefício do mundo”, afirmou. Ao mesmo tempo, deixou um aviso no ar: “Podemos ser destruídos por ela”. O físico acredita que há uma diferença entre o que pode ser atingido pelos humanos e o que pode ser atingido pelos computadores, em termos de avanços na área tecnológica. “Não podemos prever”, apontou. “A inteligência artificial pode ser a melhor coisa ou a pior para a Humanidade”, justificou.
Apesar da aparição especial de Hawking durante a abertura do evento, quem mais arrancou aplausos da plateia foi uma mulher: Margrethe Vestager. A dinamarquesa, que trabalha na Comissão Europeia de Concorrência, angariou fama no continente ao processar gigantes como o Google e o Facebook. As duas empresas receberam multas por abuso de posição dominante no mercado (caso do Google) e por fornecer informações falsas (Facebook).
Em sua fala, que ocorreu em formato de bate-papo, já que a comissária foi entrevistada no palco por uma jornalista. Logo na primeira pergunta, uma provocação: “O quão ferrado é o Silicon Valley?”, perguntou a entrevistadora. Margrethe não hesitou em responder: “O suficiente para multar o Google em 2,4 bilhões de euros”. Margrethe defendeu a necessidade de dar oportunidades justas a todos os negócios em obterem sucesso no mercado. “Se você tem sucesso no mercado, é porque você tem o melhor produto, não porque você pega atalhos”, frisou.
Margrethe defende regras básicas para a tecnologia, além da regulação de aplicativos e inovações. Ela elogiou ainda o mercado único da União Europeia. “Nunca me sinto tão europeia como quando estou nos Estados Unidos. Construímos (referindo-se a UE) um mercado enorme, mas é um mercado em que nos preocupamos, com o ambiente, condições de trabalho etc. Temos de intervir, temos de garantir que não é a lei da selva, mas as leis da democracia”.
Ela afirmou ainda que é preciso “reconquistar a democracia”, que hoje, de acordo com ela, parece estar nas mãos de ferramentas como o Facebook e o SnapChat, que dão a impressão de darem vozes a todos. “A sociedade é formada por pessoas, não por tecnologia”, completou.
A política também marcou presença no palco do evento. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, o português António Guterres, falou sobre os “danos colaterais” causados pelo crescimento econômico. Segundo ele, dois efeitos diretos foram o aquecimento global e o crescimento da desigualdade. Ele falou ainda do Acordo de Paris, assinalando que não é suficiente para responder às alterações climáticas. Segundo Guterres, uma cooperação entre governos e empresas é necessária, mas a implementação disso é difícil.
Guterres também falou sobre a necessidade de regulação das tecnologias do futuro: “Como podemos assegurar que a inovação é uma força usada para o bem?”, questionou o secretário-geral da ONU, que também foi primeiro-ministro de Portugal entre 1995 e 2002. “Temos de evitar a abordagem ingénua de considerar que a regulação atual para as tecnologias pode resolver o problema. Os mecanismos de regulação que temos não são suficientes para dar resposta. Os mecanismos de regulação do futuro terão de ser diferentes. Temos de combinar governos, cientistas, mas também a sociedade civil, a academia, e estabelecer plataformas de discussão”.
O atual primeiro-ministro português, António Costa, e o prefeito de Lisboa, Fernando Medina, encerraram a noite de abertura no palco junto a Paddy Consgrave. “O que fazemos aqui hoje é reviver essa grande aventura que parte de Lisboa. Há 500 anos foram os navegadores, hoje são vocês, os empreendedores”, afirmou Fernando Medina, prefeito da capital portuguesa.
Medina disse ainda que a inovação ocorreu a cinco séculos atrás ao país porque “Portugal era uma sociedade aberta” e defendeu a abertura das sociedades. “Liberdade, tolerância, diversidade, capacidade de entender”, enumerou. Ao final do evento, antes de confetes coloridos inundarem o palco, António Costa tirou a gravata do pescoço e a colocou em Paddy, que trajava jeans e camisetas. “Bem-vindos a Lisboa”, encerrou o prefeito da cidade ao microfone.