Polícia

Após seis anos presa, jovem absolvida morre vítima de câncer diagnosticado durante a prisão no RS

Damaris Vitória Kremer da Rosa ficou presa após ser acusada de participação em um homicídio, mas foi absolvida em julgamento

Absolvida dois meses antes de morrer, Damaris Vitória Kremer da Rosa, de 26 anos, passou seis anos presa acusada de participação em um homicídio em Salto do Jacuí. Diagnosticada com câncer de colo de útero ainda durante o período em que estava detida, ela morreu em outubro deste ano, após uma longa batalha por atendimento médico adequado. A defesa da jovem sustenta que a falta de assistência no sistema prisional atrasou o diagnóstico e o tratamento da doença.

De acordo com a advogada criminalista Rebeca Canabarro, Damaris começou a relatar fortes dores ainda em 2024, quando estava no Presídio Feminino de Rio Pardo, recebendo apenas analgésicos. “Foi requerido pela defesa a prisão domiciliar para que pudesse investigar a doença que lhe acometia, pois informalmente a enfermaria relatou que poderia tratar-se de resquícios de um feto abortado. No entanto, o pedido, aliado ao parecer do Ministério Público, foi negado sob o argumento de que os receituários não comprovavam efetiva doença, tampouco que o presídio não estaria oferecendo tratamento adequado.”, afirmou.

Mesmo após um laudo apontar imagem indeterminada na região do aparelho reprodutor, o pedido foi novamente rejeitado pela Justiça. O diagnóstico de câncer em estágio avançado só foi confirmado em março de 2025, quando Damaris foi submetida a exame ginecológico fora do presídio.

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Segundo a defesa, apenas então o próprio estabelecimento prisional solicitou sua transferência para o regime domiciliar, que foi concedida com o uso de tornozeleira eletrônica. “Damaris permaneceu com o uso da tornozeleira até agosto de 2025, realizando tratamento oncológico até a data do julgamento. Quando, por fim, foi absolvida pelo seu Conselho de Sentença por maioria de votos, comprovando-se que a mesma foi vítima de violência sexual e, logo após, Estatal.”, declarou Rebeca.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) informou que “não se manifesta em questões jurisdicionais”, mas detalhou que foram avaliados três pedidos de soltura. O primeiro, em 2023, foi negado por falta de fundamentos; o segundo, em novembro de 2024, por ausência de exames que comprovassem doença; e o terceiro, em março de 2025, resultou na conversão da prisão em domiciliar, após diagnóstico confirmado de neoplasia maligna do colo do útero.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) disse, em nota, que “na primeira oportunidade em que foi informado nos autos sobre a doença da ré, não houve comprovação desta informação. Mas, a partir do momento em que a defesa comprovou a doença, a ré foi, então, solta”.

Damaris foi absolvida em agosto deste ano pelo júri de Salto do Jacuí, que rejeitou todas as acusações por falta de provas e reconheceu a negativa de autoria. Ela morreu 74 dias depois, em Santa Catarina, onde residia com a mãe.

Damaris havia sido denunciada por, supostamente, ter participado um homicídio, juntamente com outros denunciados, sendo um deles o namorado da vítima na época do crime, registrado em 2018, no município de Salto do Jacuí. A defesa da jovem afirmou que ela relatou ao namorado que teria sido estuprada por outro homem e, em retaliação, o jovem teria cometido o crime. Ele acabou condenado.

Confira na íntegra a nota da defesa:

Na qualidade de advogada de Damaris, vitimada pela negligência e cegueira Estatal, cujo óbito tornou-se notícia oficial em 26 de outubro, recebo com muita gratidão a veiculação das notícias e o abraço caloroso da população indignada quanto aos acontecimentos. De outro lado, lamento que Dâmaris não possa contar sua própria história, tendo sido necessário a perda de sua vida para que sua memória fosse acolhida.

Isto porque, durante o ano de 2024, Damaris cumpria pena no presídio feminino de Rio Pardo, lá, por diversas vezes, foi conduzida ao hospital pela Brigada Militar, relatando fortes dores em baixo ventre. Assim, passou a receber fortes medicamentos, como o uso de tramadol. À época, foi requerido pela defesa a prisão domiciliar para que pudesse investigar a doença que lhe acometia, pois informalmente a enfermaria relatou que poderia tratar-se de resquícios de um feto abortado. No entanto, o pedido, aliado ao parecer do Ministério Público, foi negado sob o argumento de que os receituários não comprovavam efetiva doença, tampouco que o presídio não estaria oferecendo tratamento adequado.

Importante ressaltar, que, em novembro de 2024, foi juntado laudo médico relatando a existência de imagem indeterminada na região do aparelho reprodutor, mas que não se trataria de nada grave e que o tratamento ofertado dentro do presídio era suficiente. Na mesma oportunidade, Damaris foi encaminhada ao psiquiatra, pois estaria fazendo o uso de forte medicação sem comprovação de doença. A partir de então, quando sentia dores no presídio, não mais recebia tramadol, mas dipirona e paracetamol. Pautando-se em tais exames, o juízo do Salto do Jacuí novamente indeferiu o pedido de monitoramento eletrônico feito pela Damaris, a próprio punho.

Foi, tão somente em março de 2025, quando a defesa solicitou autorização de escolta hospital para consulta ginecológica particular, a qual, inclusive, o Ministério Público se manifestou contra, é que o Presídio, milagrosamente, a conduziu para o hospital de Rio Pardo. Nessa oportunidade, foi submetida a exame de toque onde estourou uma bolsa de sangue em consultório, tendo sido Damaris submetida a exames que comprovaram a existência de câncer de colo de útero em estágio avançado.

Assim, tão somente com a internação de Damaris e o parecer do próprio presídio requerendo a alteração do efetivo para monitoramento eletrônico, é que foi concedida a prisão domiciliar de Damaris com uso de tornozeleira eletrônica exclusivamente para tratamento hospitalar. Desse modo, em que pese Damaris estivesse no hospital em sedação e uso de bolsa de urostomia, ambos os pedidos de tornozeleira foram negados, pois o juízo compreendia que Damaris oferecia risco para a sociedade.

Dessa forma, Damaris permaneceu com o uso da tornozeleira até agosto de 2025, realizando tratamento oncológico até a data do julgamento. Quando, por fim, foi absolvida pelo seu Conselho de Sentença por maioria de votos, comprovando-se que a mesma foi vítima de violência sexual e, logo após, Estatal.

Hoje, esperamos que a história de Damaris seja contada não por um fim em si mesma, porque assim como ela existem muitas outras pessoas vitimadas por decisões genéricas que deturpam a ferramenta da prisão preventiva, estendendo a durante longos anos. A história da Damaris se revela no cotidiano da advocacia criminal, quando solicitamos a concessão de prisões domiciliares não por um luxo ou via inverdades, mas por efetivas patologias que necessitam de tratamento especializado extramuros.

Talvez se, logo no primeiro requerimento pela prisão domiciliar tivesse sido concedido o pleito defensivo, e portanto a família tivesse sido oportunizada a realizar os exames necessários, o desfecho dessa história pudesse ter sido diferente.

Que a história da Damaris sirva como um alerta para a sociedade, a respeito daqueles que padecem no cárcere, subjugados por uma justiça punitivista.”

Nota do TJRS:

“O Tribunal de Justiça não se manifesta em questões jurisdicionais. Com relação ao caso, foram avaliados três pedidos de soltura. O primeiro em 2023, que foi negado pelo magistrado da Comarca, pelo TJRS e STJ em sede de recurso.

Quanto ao segundo pedido, em novembro de 2024, em que a defesa da ré alegava motivo de saúde, a decisão aponta que os documentos apresentados eram receituários médicos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos.

Em 18 de março de 2025, a prisão preventiva da ré foi convertida em prisão domiciliar, sendo expedido alvará de soltura. A decisão foi motivada pelo estado de saúde da ré, diagnosticada com neoplasia maligna do colo do útero, necessitando de tratamento oncológico regular.

Ainda em março de 2025, foi autorizada a instalação de monitoramento eletrônico, conforme ofício expedido ao Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico. Em abril de 2025, a ré iniciou tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia no Hospital Ana Nery em Santa Cruz do Sul, sendo posteriormente transferida para o Hospital Regional em Rio Pardo.

Em 09/04/2025, foi concedido parcialmente o pedido da defesa, autorizando: a) a transferência e cumprimento de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico por tornozeleira; b) a permanência na residência da mãe da ré, em Balneário Arroio do Silva-SC; e c) o deslocamento da ré até o Hospital São José em Criciúma para consultas e tratamento oncológico.

Em agosto de 2025, foi realizado o julgamento da ré pelo tribunal do júri, quando ocorreu sua absolvição pelos jurados.”