Com João de Deus preso, "remédio" antes vendido deixa de ser cobrado

Com João de Deus preso, "remédio" antes vendido deixa de ser cobrado

Centro espírita onde o médium atuava tinha estimativa de rendimento mensal de R$ 800 mil com o produto

AE

João de Deus foi preso no último domingo

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A prisão preventiva de João de Deus trouxe um impacto não apenas para o movimento da Casa Dom Inácio de Loyola, onde o médium costumava fazer os atendimentos, mas também em procedimentos do local. Cápsulas "energizadas", antes vendidas a um preço de R$ 100, passaram agora a ser distribuídas gratuitamente.

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Funcionários do centro afirmaram que a mudança foi determinada pelo próprio médium, que costumeiramente indicava o remédio manipulado para mais de dois terços dos frequentadores. Na manhã desta quarta-feira, a casa reunia menos de 200 pessoas em busca de tratamento espiritual.

A sessão, a primeira depois da prisão preventiva do médium, começou mais tarde do que o usual, por volta das 9h. E uma hora depois já quase não havia fila no local. A maior parte dos bancos ficou vazia. O silêncio era tamanho que era possível ouvir os grilos. A televisão, que tradicionalmente exibe filmes com operações feitas por João de Deus, trazia apenas o alerta que as traduções eram feitas em várias línguas. E o nome do líder, que antes da prisão era citado de forma constante, não foi mencionado nesta quarta-feira.

João de Deus está preso desde domingo, em Goiânia, acusado de abusar sexualmente de pacientes em consultas que ele realizaria de forma particular, no próprio centro. Poucos foram os frequentadores dispostos a falar sobre o tema. Um dos funcionários, que não quis ter seu nome identificado, adotou o discurso dos advogados de defesa e afirmou que o médium, de 76 anos, era muito assediado por mulheres.

"Aqui nesta casa há apenas a verdade", afirmava a oradora numa palestra para os poucos fiéis que ali se encontravam. Ela pedia energia para todos aqueles que passavam por provações. O centro atrai mensalmente cerca de 10 mil pessoas, cerca de 40%, estrangeiros.

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Nesta manhã, a maior parte dos frequentadores era estrangeira. E em sua maioria, já tinham vindo para Abadiânia em outras oportunidades. Poucos foram as pessoas que estavam na Casa Dom Inácio nesta manhã pela primeira vez. A passiflora é preparada num laboratório que funciona na própria Casa Dom Inácio de Loyola.

O centro foi alvo na terça-feira de buscas pela Polícia Civil. De acordo com funcionários, as cápsulas são iguais para todos. O que muda seria a "energia" dispensada em cada frasco. Na ação de busca em imóveis de João de Deus, a polícia apreendeu armas e dinheiro vivo.

Para os fiéis, a energia do remédio é personalizada. O tratamento dura cerca de dois meses. Questionado porque as cápsulas são vendidas a esse preço, funcionários afirmam haver custos para manutenção da fábrica - registrada no nome da mulher de João de Deus, Ana Keila Teixeira.

Além disso, argumentam de que tudo o que é doado, não é valorizado. A estimativa é que sejam vendidos mensalmente cerca de 8 mil frascos de remédio no centro. Isso significa que, somente com as cápsulas, a casa teria um faturamento bruto de R$ 800 mil. Sem falar na pomada para dores, para queimaduras e o xarope. A ordem de gratuidade é apenas para a passiflora.

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De acordo com funcionários, não há ainda expectativa se o remédio será dado de forma gratuita para todos. Embora sem custo, as filas para a retirada das cápsulas não foi grande. As ruas da parte nova da cidade amanheceram vazias. Às 8h, menos de 100 pessoas iam à pé, vestidas de branco, rumo ao centro. Costumeiramente, são centenas.

O impacto no movimento aterroriza o comércio da região. Eles temem que, mantida essa queda, os prejuízos serão ainda maiores. Já se fala em demissões. Situada a 113 quilômetros de Brasília, Abadiânia tem atualmente 17 mil habitantes. A estimativa da prefeitura é de que a Casa Dom Inácio de Loyola seja responsável por cerca de 1,3 mil empregos, diretos e indiretos.

Não há, no momento, de acordo com funcionários, expectativa de se fechar a casa. O recesso de fim de ano, que foi cogitado, agora está praticamente descartado. Funcionários costumam comparar a casa a uma igreja. O padre até pode sair, mas o centro religioso permanece aberto.

Funcionários dizem não haver sucessor para João de Deus. Caso a prisão se arraste, o "hospital espiritual', que acreditam existir em cima da casa, continuará funcionando por meio dos voluntários que fazem a corrente, afirmam.

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