Facções orientam presos a alegar agressões em audiências de custódia, dizem policiais

Facções orientam presos a alegar agressões em audiências de custódia, dizem policiais

Integrantes da segurança pública apontam que tática da criminalidade resulta na soltura judicial dos detidos e processos contra os agentes nas corregedorias em Porto Alegre

Correio do Povo

Agentes também são acusados de invasões ilegais de casas

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Policiais civis e militares afirmam que facções têm orientado seus membros a afirmarem que foram agredidos, torturados e tiveram suas casas invadidas durante ações policiais, para se livrarem das prisões. As acusações são feitas durante as audiências de custódia no Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp), inaugurado no dia 27 de junho deste ano, na rua Dr. Salvador França, bairro Partenon, zona Leste de Porto Alegre. Os agentes também reclamam que decisões favoráveis aos presos fazem com que respondam processos nas corregedorias da Polícia Civil e da Brigada. A reportagem do Correio do Povo apurou que ao menos 81 policiais civis e 11 brigadianos foram acusados pelos detidos nas audiências de custódia, sendo abertos procedimentos.

A equipe do CP obteve o áudio de uma conversa entre integrantes de uma facção. Um indivíduo orienta outro para que declare que todos os dias a sua casa é invadida sem ordem judicial e que invente histórias de perseguições, ameaças e agressões feitas por PMs, visando afastá-los do policiamento na região de atuação da gangue em uma cidade da Região Metropolitana. “Tem que falar bonito, entendeu? Se passar por vítima. Dá até umas pauladas no braço para ficar roxo. Vamos tirar esses brigadianos. Na corregedoria também afirma que eles invadiram a tua casa, que te bateram. É tudo uma jogada.”

Em contato com fontes policiais e acesso às mensagens que circulam em grupos fechados de integrantes da segurança pública nas redes sociais, a reportagem constatou queixas de que os criminosos não permanecem na cadeia. “É constrangedor. O criminoso afirma que bateram nele”, contou o policial. Muitas vezes, isso faz com que seja enviado um comunicado às corregedorias”, observou o policial, que considerou a situação “surreal”. “Cada prisão efetuada é um inquérito policial militar a responder”, disse um brigadiano. “Também são abertas investigações pela conduta do policial no momento em que ocorreu a prisão”, lamentou outro agente. “Estamos confusos”, afirmou ele.

Em uma investigação, a cela de um preso teve o áudio gravado com autorização judicial. Na conversa, uma mulher instrui o detido sobre o que falar perante o juiz. “Uma aula de mentiras e modos pra prejudicar os policiais”, disse um agente. Devido às acusações, afirmam os policiais, os pedidos de medidas protetivas de presos são deferidos, muitas vezes contra os policiais. “Mesmo nos deparando com o criminoso cometendo algum delito, não podemos fazer nada, caso contrário somos detidos por descumprir a medida protetiva.”

Judiciário. O Tribunal de Justiça do RS (TJ) emitiu nota oficial sobre o caso. “Os magistrados que atuam no Nugesp se pautam pela legalidade dos atos processuais, não sendo possível aceitar ilações no sentido de que estejam favorecendo ou prejudicando as partes”, assegurou a nota. “As audiências de custódia são uma conquista da sociedade e garantem os direitos fundamentais dos cidadãos, tendo como finalidade avaliar as circunstâncias em que houve a prisão e se estão sendo preservadas a regularidade do ato e as garantias individuais.”

“Com o objetivo de qualificar e centralizar esse serviço, foi criado o Nugesp, que se revela fundamental à garantia de direitos relacionados ao encarceramento preventivo, sendo viabilizado pelo trabalho conjunto entre os poderes Judiciário, Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB e forças estaduais de segurança”, diz a nota.

Desde a implantação do Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional, salientou o TJ, foram realizadas 4.836 audiências, com 2.112 prisões mantidas, o que corresponde a 45%, e 2.724 liberdades concedidas por motivos diversos, conforme acesso realizado ao Sistema de Audiências de Custódia – SISTAC – no Portal do Conselho Nacional de Justiça, acrescentou. “Importante esclarecer que essa média do Nugesp acompanha a média estadual de prisões e solturas nas audiências de custódia. No mês anterior à instalação do Núcleo, a média de prisões ficou também em 45%”, complementou a nota oficial. “Ainda, em acesso ao Painel de Indicadores do Nugesp, no Portal do governo do Estado, na totalidade de audiências de custódia realizadas, foram apenas 195 relaxamentos de prisão ao total, a medida pertinente ao flagrante inadequado por qualquer motivo relacionado ao Direito Penal ou ao Direito Processual Penal”, concluiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Agentes da segurança pública apontam que 71,2% dos presos apresentados para audiências de custódia foram soltos desde o dia 27 de junho, baseando-se no painel de indicadores do Nugesp que faz o monitoramento diário. Na manhã de ontem, por exemplo, apareciam 4.991 audiências de custódia realizadas desde a inauguração do órgão, sendo que 56,5% ou 2.060 presos tiveram liberdade provisória, 9,2% ou 336 detidos receberam liberdade provisória com monitoramento, 5,55% ou 200 indivíduos ganharam relaxamento de prisão. Pelos dados, 28,6% dos detidos apresentados no Nugesp tiveram a prisão convertida em preventiva. 2 - A Ordem dos Advogados do Brasil no RS (OAB/RS) considerou o caso sério. “Em relação a denúncia de alguns integrantes das forças policiais quanto à liberação de presos no Nugesp, em audiências de custódia, a Ordem gaúcha entende que trata-se de fato que deve ser apurado para que possamos garantir a segurança pública da sociedade rio-grandense”, declarou o presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia.

Em um comunicado, o presidente da Ugeirm Sindicato, Isaac Ortiz, disse ter constatado que “a insatisfação na categoria é muito grande. Não existe justificativa para que prisões realizadas com a apresentação de provas, com flagrantes comprovados, não sejam efetivadas”, comentou o presidente do sindicato dos policiais civis. “Em alguns casos, mesmo com prisões efetuadas a partir de mandados expedidos pelo próprio Judiciário, os presos alegam ilegalidades na prisão”, ressaltou o presidente da Ugeirm Sindicato.

O Sindicato da Polícia Penal do Rio Grande do Sul (SINPPEN/RS), antiga Amapergs Sindicato, manifestou apoio aos policiais que tenham sido denunciados por detentos. O presidente da entidade dos servidores penitenciários, Saulo Felipe Basso dos Santos, recordou que as facções criminosas se organizam muito bem e de uma maneira muito bem articulada. Segundo Santos, uma enxurrada de abertura de sindicâncias com acusações de agressões e abuso de autoridade contra policiais civis ou militares estão sendo encaminhadas às corregedorias. “É algo que, por óbvio, já inibe a atuação dos servidores públicos e ameaça sua situação funcional de cada policial”, lamentou Saulo Felipe Basso dos Santos. A situação, segundo ele, faz com que os agentes da segurança pública sintam um certo temor em cumprir o seu dever.


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