Não há facções de fora atuando no Rio Grande do Sul, esclarece juiz

Não há facções de fora atuando no Rio Grande do Sul, esclarece juiz

Sidinei Brzuska alertou, no entanto, para problemas crônicos do sistema penitenciário gaúcho

Correio do Povo e Rádio Guaíba

Não há facções de fora atuando no Rio Grande do Sul, esclarece juiz

publicidade

O juiz da Vara Execuções Criminais de Porto Alegre, Sidinei Brzuska, concedeu entrevista à Rádio Guaíba na manhã desta quarta-feira para falar sobre as condições do sistema penitenciário gaúcho. Para o magistrado, as recentes rebeliões registradas no Amazonas e no Rio Grande do Norte não devem se espalhar para o território gaúcho porque o Rio Grande do Sul conta com facções que têm vida própria e não precisariam de ajuda externa para ganhar notoriedade. No entanto, ele recomendou que o poder público se mantenha atento aos problemas crônicos das casas prisionais. 

"Não há no Rio Grande do Sul um território que seja dominado por uma facção que não tenha sido concebida no nosso Estado. O conflito que está se estabelecendo começou no Norte, Nordeste e o que se percebe é que a disputa envolve grupos do Rio de Janeiro e de São Paulo, que têm interesse nas rotas de cocaína nas fronteiras. Não é uma coisa muito próxima da gente, mas temos de ficar atentos. Não há como negar que as nossas facções têm contato com outros estados, mas eles não precisam de ajuda externa", afirmou Brzuska. 

O juiz explicou que há no Estado grupos estabelecidos há mais de 20 anos e que têm um comportamento diferente das organizações mais novas. "As facções emergentes procuram reconhecimento via imprensa e a partir disso passam a exigir mais espaços dentro das prisões. Para conseguir isso, eles podem aceitar ajudas externas para fazer frente a grupos rivais que já estão estabelecidos. Quando os mais jovens tiram fotos com fuzis e pistolas e colocam nas redes sociais, eles buscam reconhecimento. Os mais velhos não fazem e não querem isso", acrescentou.  

Impacto com o Central 

Antes de chegar a Porto Alegre, em 2008, Brzuska trabalhou com presídios em Santo Ângelo e foi parar na Capital a partir de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinou que juízes deveriam fiscalizar penitenciárias mensalmente. A decisão foi tomada depois que uma magistrada do Pará manteve presa por 26 dias uma adolescente em uma cela masculina com 30 homens.  

"Por ter experiência com a Vara de Execuções, o Tribunal de Justiça precisava de alguém que fizesse as avaliações das penitenciárias. Acabei entrando no Presídio Central nessa qualidade e nesta época ainda estava em funcionamento a terceira galeria do pavilhão C. Foi este local que rendeu ao Central o título de pior presídio do Brasil. E isso colou de tal forma que não se consegue tirar", argumentou. 

Brzuska recordou que o quadro encontrado no pavilhão C era de "guerra". "Eu vi uma cena dentro desse pavilhão que nunca vou esquecer. Parecia coisa de filme, algo semelhante ao que vemos na Síria. Agora a galeria não existe mais e antes de ser ocupada foi demolida. Do ponto de vista da destruição, não existe mais algo como aquilo, mas claro que as galerias não são boas. A deterioração do local é tamanha que fica mais barato demolir e construir outra. Há muitos anos que não é feito nada e as celas passaram a ser conservadas a partir do nascimento das facções. O grupo entende que aquele local agora é dele e por isso tenta conservar", observou. 

Cimento: um bem precioso

Por conta da deterioração das celas e das galerias, o Presídio Central passou a ser um bom lugar para esconder drogas, armas e celulares, segundo Brzuska. "As paredes têm infiltração e então por isso fica fácil quebrar para guardar todos esses itens em paredes e no piso. Quando vem a revista, a polícia não encontra nada. Exatamente por isso o cimento se tornou um bem precioso dentro do Central", afirmou. Brzuska contou ainda que os sacos de leite da cozinha eram trocados por de cimento. "Dez ou 12 quilos de cimento eram vendidos por R$ 1,5 mil", completou. 

Mais prisão, menos recuperação 

Para analisar as condições do sistema penitenciário gaúcho, o Brzuska voltou no tempo e relembrou uma época em que o índice de presos no Rio Grande do Sul era mais aceitável. "Se pegarmos os dados do Estado, há 12 anos tínhamos 130 presos para cada 100 mil habitantes. Hoje, se contarmos as pessoas que estão soltas por falta de vagas, nós temos 370 para cada 100 mil pessoas. Fica claro que prendemos bastante e que a nossa Justiça é dura", enfatizou. 

Segundo o juiz, nas audiências de custódia a taxa de soltura é de 14%, ou seja, a cada 100 pessoas detidas, 86 permanecem presas. "A nossa Justiça solta, mas não tanto quanto se imagina. Se fosse assim, não teríamos presos em delegacias e até em lixeiras", salientou.  

Sem apresentar números atualizados, Brzuska comentou que a taxa de retorno de presos para a criminalidade é alta e reclamou da passividade do poder público. "O índice é alto e parece que nos conformamos com isso, mas na realidade isso é um serviço público que estamos dando ao Rio Grande do Sul. A pessoa entra e sai das prisões e só fica depois que comete um crime maior. Nós nunca nos preocupamos com a taxa de retorno e as condições que temos hoje nos presídios daqui tornam praticamente impossível recuperar alguém ou desenvolver um planejamento para tanto", destacou. 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895