Polícia investiga caso de racismo em pedido a pastelaria em Campo Bom

Polícia investiga caso de racismo em pedido a pastelaria em Campo Bom

Cliente fez comentário racista e pediu que entrega fosse feita por “um branco”

Matheus Chaparini

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Durante o atendimento aos pedidos que chegam à sua pastelaria por meio de um aplicativo, Daniela Oliveira se deparou com uma mensagem de cunho racista. “Última vez veio um motoboy negro peço a gentileza que mande um branco”, dizia a mensagem do pedido. E ia além: “não gosto de gente assim encostando na minha comida”.

O caso ocorreu em Campo Bom, no Vale do Sinos, na última terça-feira, 14. A ocorrência foi registrada na Polícia Civil pelo marido e sócio de Daniela, Gabriel Fernandes da Cunha. O casal possui o estabelecimento no Centro da cidade há quatro anos.

Cunha afirma que a ofensa foi direcionada a ele, que é o único homem negro da equipe. Ele conta que, quando há muitos pedidos, se une aos entregadores para agilizar o trabalho.

“Eu sou muito maior do que isso. Tenho minha empresa para tocar, minha família para cuidar, tanta coisa para fazer no dia a dia que isso não pode diminuir a pessoa que eu sou”, afirma o comerciante. “A pessoa deve pagar por ter escrito aquilo e por não tem consciência do que as palavras dela podem causar. Se for uma pessoa mais sensível, pode ficar muito mal, pode entrar em depressão. Para mim, isso só me dá mais força e a certeza de que eu estou no caminho certo.”

Ele afirma que, nos últimos dias, amigos e clientes visitaram o estabelecimento para lhe prestar apoio e dar um abraço. “Isso mostra que a comunidade em si repudia o que aconteceu.” 

Além da ofensa racista, Cunha avalia que o caso revela também a falta de respeito com que os entregadores convivem em sua rotina de trabalho.

Polícia acredita que perfil seja falso

Após o registro da ocorrência, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o caso. O delegado Rodrigo Câmara acredita que tenha sido utilizado um perfil falso.

“Uma pastelaria que recebeu um pedido através do aplicativo iFood com observação de cunho discriminatório, preconceituoso. Instauramos o inquérito e conseguimos confirmar inicialmente que o endereço está parcialmente incorreto. O condomínio existe, mas o número do apartamento não existe. Segundo o síndico, o nome utilizado não é de morador, que sugere que seja um perfil fake criado com objetivo de ofender ou discriminar.”

O delegado já enviou ofício à empresa responsável pelo aplicativo solicitando informações sobre o perfil que realizou o pedido, que ainda não foram enviados. 

“O aplicativo tem a obrigação legal de fornecer dados cadastrais. Mas o ifood ainda não forneceu. Isso inclui os dados que a pessoa declara, como nome, sobrenome, endereço e telefone. Mas são dados autodeclarados, não necessariamente são verdadeiros.”

De acordo com o delegado, há dois enquadramentos possíveis para o caso. Se for constatado que a ofensa foi diriga a uma pessoa específica, o caso deve ser investigado como injúria racial. Se a ofensa foi dirigida a um conjunto de pessoas, deve ser apurado como racismo.

Sindimoto repudia racismo

O Sindicato dos Motociclistas e Ciclistas Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul (Sindimoto) lançou uma nota de repúdio sobre o caso.

“Trata-se de mais um episódio de agressão aos motociclistas, agora, em forma de racismo, o qual o trabalhador sofreu quando do pedido efetuado ao comércio, cujo a observação do consumidor indicou atitudes racistas”, diz a nota.

O texto cita ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que condena as práticas de racismo e xenofobia. “Esses tipos de conduta são completamente incompatíveis com ambientes democráticos e não podem ser tolerados, tampouco normalizados”, diz o texto.

A entidade informa que está adotando medidas administrativas em relação ao caso. 

Ifood se manifesta sobre o caso

O Ifood se manifestou sobre o caso por meio de nota em que a empresa afirma repudiar “ veementemente qualquer atitude racista, seja ela física ou verbal”. De acordo com a empresa, o cliente criou o perfil no mesmo dia do episódio e fez um único pedido.

Confira a íntegra da nota:

“O iFood repudia veementemente qualquer atitude racista, seja ela física ou verbal. Assim que tomamos conhecimento do caso ocorrido na cidade Campo Bom, identificamos que o cliente em questão criou uma conta no nosso app na data de 14/11/2023, realizando esse único pedido.

Além disso, buscamos contato com os donos do restaurante para prestar o apoio necessário. Já estamos tomando as providências para o bloqueio do cliente e seguimos à disposição das autoridades para quaisquer informações necessárias. É importante ressaltar que esse tipo de comportamento fere totalmente os termos de uso da plataforma e que não toleramos nenhum tipo de discriminação.

Toda vez que um entregador ou restaurante parceiro identifica um pedido com dados errados ou comportamentos discriminatórios, a orientação é informar diretamente a plataforma sobre o ocorrido, para que possamos tomar as providências imediatamente.

Nesses casos, de violências física e verbais, os entregadores parceiros do iFood contam com o suporte da Central de Apoio Jurídico e Psicológico, serviço em parceria com a organização global de advogadas negras, Black Sisters In Law, que disponibiliza uma advogada para acompanhar o caso de maneira personalizada e humanizada. Para ter acesso, os profissionais precisam acessar a área de Alerta de Casos Graves, dentro do app iFood para Entregadores, e realizar a denúncia com todas as informações do caso."


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