"Socorro", esboço de choro e sem protestos: o 1º dia do novo júri do Caso Bernardo

"Socorro", esboço de choro e sem protestos: o 1º dia do novo júri do Caso Bernardo

Foro da Comarca de Três Passos ouve Leandro Boldrini, acusado de participar da morte do filho aos 11 anos, em 2014

Christian Bueller

Leandro Boldrini no banco dos réus

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O júri do médico Leandro Boldrini, acusado de participar da morte do filho, Bernardo Boldrini, de 11 anos, começou na manhã desta segunda-feira, na Comarca de Três Passos, no noroeste gaúcho. É o segundo julgamento em que ele é réu, depois que a sentença que o condenon em 2019 foi anulada dois anos depois pelo Tribunal de Justiça do RS. Durante a manhã foram apresentados pela promotoria apresentou áudios e vídeos que mostravam a relação conturbada entre pai e filho.

Uma gravação caseira feita por Boldrini com o menino Bernardo gritando "socorro" repetidas vezes foi o ponto de partida do início do julgamento. Em certo momento, o réu pediu para sair da sala para voltar em seguida. Em outra ocasião, o médico chegou a esboçar um choro contido. Uma conversa entre Bernardo, pai e madrasta prosseguiu em apresentação da promotoria. Menino foi ofendido verbalmente algumas vezes pelos adultos e diz que o pai o agrediu. Descontrolado, o menino desejou que o "pai morresse". É este áudio em que ela afirma ao enteado "tu não sabe o que sou capaz de fazer". Leandro Boldrini, chegou repetir negativas com a cabeça e engoliu seco diversas vezes. Mordeu as unhas e se movia na cadeira demonstrando nervosismo. Bernardo foi ouvido novamente na gravação, como se tivesse sido dopado, falando com dificuldade.

Em uma conversa telefônica com Boldrini, em 2014, a madrinha de Bernardo, Clarissa Oliveira, que morava em Santa Maria, questiona o pai sobre o "calhamaço" de remédios que o afilhado passou a tomar. O médico responde que era para amainar o lado "agressivo" do menino. Clarissa se considerava a "segunda mãe" de Bernardo, amiga de Odilaine, mãe do menino. Ela diz, na ligação, não acreditar que o médico tenha participação no crime. Mas questiona por que não foi procurada quando a criança estava desaparecida. Ela sugere ficar com a guarda dele.

Na conversa de Clarissa com Leandro, obtida pela investigação e apresentada pelo Ministério Público (MP) durante o júri, a madrinha questiona sobre a ida de Graciele a Frederico Westphalen. Foi em uma cova na cidade vizinha de Três Passos que Bernardo foi enterrado. Na mesma ligação, Clarissa, ao relatar a Leandro uma situação que mostrava um Bernardo de temperamento difícil, diz ter percebido uma carência afetiva do menino. O médico diz que a criança, às vezes, parecia um "bichinho sem raciocínio".

Leandro relata à Clarissa, no telefonema, que Bernardo parecia ter "surtos psicóticos" e que se a criança fosse um animal, o caso era "amarrar" devido às crises que o menino tinha. Boldrini explica, na conversa com Clarissa, em 2014, que a calma dele em relação ao sumiço do filho é por conta de sua personalidade. "Não sou desses de sair na rua gritando 'socorro'", argumenta o médico.

Delegada que investigou sumiço depõe

Na parte da tarde, foi ouvida uma testemunha arrolada pela promotoria, a delegada Caroline Machado, que recebeu a primeira ocorrência, sobre o desaparecimento de Bernardo, em abril de 2014. Ela relata como o "desleixo", o que Bernardo passava, um abandono por parte da família, apesar de que não havia relatos de Leandro ou Graciele sobre desavenças entre eles e o menino durante depoimentos. "Não constava que havia problemas. Mas na escola, a história que ouvimos era diferente". Inicialmente, a sua sensação era de que se tratava de um sequestro. "Fomos na casa e no quarto onde Bernardo morava. Olhei a mochila, não havia nada escrito no caderno. Um pai deveria saber", diz a delegada. 

Diligências foram feitas que aumentaram as desconfianças de Caroline. "Foi um somatório de fatos. Leandro falava no filho sempre no passado. Além disso, não disponibilizou todos os números de celular. Boldrini era um médico conceituado, poderia se tratar de um sequestro. Mas, somos policia, tínhamos desconfianças", conta a delegada, que se surpreendeu com o que chama de "frieza" do médico durante as buscas. Ela relembra sobre a ida de Leandro e Graciele a uma festa na cidade de Três de Maio enquanto o filho estava sumido. "Até a mãe dele questionou", recorda.

"Com as escutas e oitivas, ficou claro o desamor na família. E, Leandro sabia disso", conta a delegada. Caroline relembrou quando Bernardo foi sozinho até o Fórum de Três Passos, meses antes de sua morte, levando reclamações sobre o que vivia em família. A policial relembra que o menino ouvia do pai que tinha culpa na morte da mãe, Odilaine Uglione, que se suicidou em 2010. "Com sete anos de idade, ele viu que queimaram fotos da mãe dele. Além disso, percebia que a Graciele vestia roupas dela", frisou Caroline.

Caroline Machado detalhou o depoimento de Edelvania Wirganowicz, amiga de Graciele, que participou da execução do assassinato. "Ela foi trazida para Três Passos, onde falou tudo o que fizeram", conta Caroline. "'Pintaram' o menino como louco, esquizofrênico, que a família corria risco com o guri", completou a delegada. "Edelvania falou das compras da pá e da soda, que serviria para diminuir o cheiro do corpo. Mas não falou do medicamento durante o inquérito. O midazolan foi receitado por Leandro. Mas isso foi omitido inicialmente", revela a delegada. Segundo Caroline, faltavam ampolas de midazolan no hospital em que Leandro trabalhava. "Solicitamos à prefeitura se havia pedidos do medicamento. Para nossa surpresa, havia solicitação para Edelvania com receita assinada por Leandro".

Uma testemunha procurou polícia nas época porque não conseguia dormir. "Ela havia sido procurada para fazer o que a Edelvania fez depois. Estavam inocentando Boldrini e ela não aceitou. Por isso, procurou a polícia", revela a delegada. "Bernardo não se encaixava na família. Nem ia nas viagens. Ficava sempre em Santa Maria com os padrinhos", relata a delegada. "O menino era um estorvo na vida deles. Como um médico conceituado vai dar um filho? Então, resolveram matar", frisa Caroline, acrescentando que uma possível herança do menino não chegou a ser aprofundada no início da investigação.

As outras testemunhas serão ouvidas a partir desta terça-feira, segundo dia do julgamento. Ao contrário do ocorrido no primeiro júri, em 2019, não houve manifestações ou protestos por parte da comunidade. Apenas alguns curiosos se aproximaram do prédio do Foro da Comarca de Três Passos.


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