Um juiz contra o crime organizado
Magistrado federal do MS sofre ameaças constantes de narcotraficantes
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A favor do trabalho, ele praticamente abdicou de sua vida pessoal, já que sua rotina ficou basicamente restrita ao trabalho e à sua residência. Esta tem sido a realidade desde 1998, quando o volume de ameaças contra sua vida aumentou. Em um dos momentos, ele chegou a morar dentro do seu gabinete na comarca do município de Ponta Porã, localizado na fronteira do Brasil com o Paraguai. Porém, ao ser questionado se tanto sacrifício se justifica, a resposta é enfática: “Vale”.
“Sou juiz criminal há três décadas e sempre tive uma atuação muito forte e, segundo a delinquência, bastante rigorosa”, resume ele. Para dar uma dimensão do seu trabalho, ele confiscou, entre 2005 e 2013, mais de cem terrenos rurais e 250 imóveis urbanos ligados ao crime organizado, em especial ao narcotráfico. Na lista, ainda estão centenas de veículos, aviões e até gado.
Porém, toda a pressão para tentar calá-lo surtiram o efeito contrário. Ao longo dessas três décadas, o juiz tornou-se um combatente feroz da criminalidade. E as críticas envolvem o Congresso Nacional, o Ministério Público, o Judiciário, as polícias e, claro, o próprio sistema prisional. É este último, projeta o magistrado, pode “falecer a qualquer momento.”
"Teremos uma geração de zumbis"
Fortalecer o sistema prisional é, na avaliação do juiz federal Odilon de Oliveira, o caminho para combater a criminalidade no Brasil. Mesmo assim, ele reconhece que a tarefa não é simples e, muito menos, prática, uma vez que esbarra na necessidade de mudanças estruturais.
Oliveira cita que as leis penal e processual são frágeis e “benevolentes”. Ao mesmo tempo, as polícias estão sucateadas, sem pessoal e condições mínimas de estrutura, como telefone e gasolina, para combater o crime. “As unidades de cidades do interior são um retrato desta calamidade. A lentidão se estabelece e ficam prejudicados o policiamento e as investigações”, explica. Mas não é só o trabalho das polícias. Como num efeito cascata, as atuações do Ministério Público e do Judiciário ficam comprometidas, já que dependem da investigação policial.
Além disso, o juiz ressalta que o Judiciário adota uma postura antagônica. Uma para os crimes cometidos pelos mais ricos, como a sonegação fiscal, em que a punição ocorre muitas vezes “de maneira simbólica”. E outra em relação aos que têm menor poder aquisitivo, quando um furto qualificado pode resultar em uma pena de 2 a 8 anos. Para agravar o panorama, o sistema prisional não cumpre o seu papel em duas situações: não reinsere o preso na sociedade e não garante o cumprimento efetivo da pena de forma digna.
Para discutir a criminalidade, ressalta, é preciso levar em consideração o impacto das drogas. “O peso do tráfico é tão grande que representa 50% dos 50 mil assassinatos anuais, no Brasil. São 154 homicídios por dia, o que significa a queda de um jato sem sobreviventes diariamente”, compara.
A luta, afirma Oliveira, está longe do fim, pois o número de viciados cresce diariamente. Ele estima que mais de 200 mil jovens menores de 18 anos estão viciados em crack e mais de 100 mil em cocaína. “E o pior é que nada é feito no Brasil. Com certeza, teremos, em breve, uma legião de zumbis.”
Reconhecimento nacional
Pelo seu trabalho contra o crime organizado, o juiz federal já recebeu diversos reconhecimentos nacionais e internacionais. Entre eles está a ordem do Mérito Militar, que é concedido por decreto presidencial, e o Mérito pela Valorização da Vida. Em novembro de 2011, Odilon de Oliveira foi agraciado com a Medalha do Mérito Legislativo, reconhecimento máximo da Câmara dos Deputados. Na ocasião, o magistrado foi denominado por parlamentares como “guerreiro contra o crime organizado”.
Na ocasião, foram recordadas as dificuldades que o juiz enfrentou desde que entrou na luta contra o narcotráfico, recebendo ameaças de morte, que o fizeram optar por dormir no seu gabinete, na época em Ponta Porã (MS). Ele havia condenado à prisão os principais narcotraficantes da fronteira do Brasil com o Paraguai e havia informações de planos para matá-lo.