Um juiz contra o crime organizado

Um juiz contra o crime organizado

Magistrado federal do MS sofre ameaças constantes de narcotraficantes

Mauren Xavier

Oliveria recebeu o Mérito Legislativo

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Imagine perder a sua liberdade por exercer o seu trabalho. É assim que vive há 16 anos o juiz federal Odilon de Oliveira. Aos 65 anos, ele anda escoltado por agentes da Polícia Federal 24 horas por dia, mesmo quando está em seu gabinete no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em Campo Grande (MS), onde é responsável pela 3ª Vara Criminal Federal, além de só utilizar carro blindado nos seus deslocamentos. Esses são elementos que passaram a fazer parte da sua rotina desde que decidiu travar uma verdadeira guerra contra a criminalidade, especialmente no estado do Mato Grosso do Sul.

A favor do trabalho, ele praticamente abdicou de sua vida pessoal, já que sua rotina ficou basicamente restrita ao trabalho e à sua residência. Esta tem sido a realidade desde 1998, quando o volume de ameaças contra sua vida aumentou. Em um dos momentos, ele chegou a morar dentro do seu gabinete na comarca do município de Ponta Porã, localizado na fronteira do Brasil com o Paraguai. Porém, ao ser questionado se tanto sacrifício se justifica, a resposta é enfática: “Vale”.

“Sou juiz criminal há três décadas e sempre tive uma atuação muito forte e, segundo a delinquência, bastante rigorosa”, resume ele. Para dar uma dimensão do seu trabalho, ele confiscou, entre 2005 e 2013, mais de cem terrenos rurais e 250 imóveis urbanos ligados ao crime organizado, em especial ao narcotráfico. Na lista, ainda estão centenas de veículos, aviões e até gado.

Porém, toda a pressão para tentar calá-lo surtiram o efeito contrário. Ao longo dessas três décadas, o juiz tornou-se um combatente feroz da criminalidade. E as críticas envolvem o Congresso Nacional, o Ministério Público, o Judiciário, as polícias e, claro, o próprio sistema prisional. É este último, projeta o magistrado, pode “falecer a qualquer momento.”

"Teremos uma geração de zumbis"

Fortalecer o sistema prisional é, na avaliação do juiz federal Odilon de Oliveira, o caminho para combater a criminalidade no Brasil. Mesmo assim, ele reconhece que a tarefa não é simples e, muito menos, prática, uma vez que esbarra na necessidade de mudanças estruturais.

Oliveira cita que as leis penal e processual são frágeis e “benevolentes”. Ao mesmo tempo, as polícias estão sucateadas, sem pessoal e condições mínimas de estrutura, como telefone e gasolina, para combater o crime. “As unidades de cidades do interior são um retrato desta calamidade. A lentidão se estabelece e ficam prejudicados o policiamento e as investigações”, explica. Mas não é só o trabalho das polícias. Como num efeito cascata, as atuações do Ministério Público e do Judiciário ficam comprometidas, já que dependem da investigação policial.

Além disso, o juiz ressalta que o Judiciário adota uma postura antagônica. Uma para os crimes cometidos pelos mais ricos, como a sonegação fiscal, em que a punição ocorre muitas vezes “de maneira simbólica”. E outra em relação aos que têm menor poder aquisitivo, quando um furto qualificado pode resultar em uma pena de 2 a 8 anos. Para agravar o panorama, o sistema prisional não cumpre o seu papel em duas situações: não reinsere o preso na sociedade e não garante o cumprimento efetivo da pena de forma digna.

Para discutir a criminalidade, ressalta, é preciso levar em consideração o impacto das drogas. “O peso do tráfico é tão grande que representa 50% dos 50 mil assassinatos anuais, no Brasil. São 154 homicídios por dia, o que significa a queda de um jato sem sobreviventes diariamente”, compara.

A luta, afirma Oliveira, está longe do fim, pois o número de viciados cresce diariamente. Ele estima que mais de 200 mil jovens menores de 18 anos estão viciados em crack e mais de 100 mil em cocaína. “E o pior é que nada é feito no Brasil. Com certeza, teremos, em breve, uma legião de zumbis.”

Reconhecimento nacional

Pelo seu trabalho contra o crime organizado, o juiz federal já recebeu diversos reconhecimentos nacionais e internacionais. Entre eles está a ordem do Mérito Militar, que é concedido por decreto presidencial, e o Mérito pela Valorização da Vida. Em novembro de 2011, Odilon de Oliveira foi agraciado com a Medalha do Mérito Legislativo, reconhecimento máximo da Câmara dos Deputados. Na ocasião, o magistrado foi denominado por parlamentares como “guerreiro contra o crime organizado”.

Na ocasião, foram recordadas as dificuldades que o juiz enfrentou desde que entrou na luta contra o narcotráfico, recebendo ameaças de morte, que o fizeram optar por dormir no seu gabinete, na época em Ponta Porã (MS). Ele havia condenado à prisão os principais narcotraficantes da fronteira do Brasil com o Paraguai e havia informações de planos para matá-lo.






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